O fruto proibido é o mais apetecido
(Provérbio popular)

Tenho saudades de ouvir pela manhã o Ricardo Araújo Pereira na Rádio Comercial. Numa das últimas participações fez uma graçola com os nutricionistas e os ovos que numa semana fazem mal, na seguinte bem, depois outra vez mal… Mas este é um Governo que transforma ciência em certeza e tem uma receita que considera infalível (de nada valem as vezes que o bolo sai queimado), provavelmente uma relíquia escrita em papiro (este Governo, como os outros, de outras cores, regimes ou países): proibir. Vai daí, brinda as crianças com uma enorme e cega lista de alimentos banidos. Antes de 1974 era a Coca-Cola, agora são os pastéis de nata ou os pastéis de bacalhau que são comida proscrita!

E melhorar a qualidade das intragáveis comidas de cantinas escolares que amiúde se noticiam? E investir na Educação Física? Mais a mais, quando tanto dela se falou por altura dos últimos Jogos Olímpicos? E optar por ensinar hábitos saudáveis para, num quadro de liberdade, escolher a via da responsabilização e não da imposição? O “novo normal” é tomar o gosto a proibir e regrar, e até discriminar, toda e qualquer coisa do nosso quotidiano ao ínfimo pormenor, tantas vezes contraproducente e injusto (lembrar o ano e meio de pandemia com as crianças no sofá e os cães a passear na rua)? Continuava, até às piadas com alunos a fazer tráfico de bolos na escola, por quilómetros, a escrever o que por estes dias foi sendo escrito sobre esta medida.

Com inteligência, o Governo saberia retirar várias lições deste episódio:

  • Este é um assunto extremamente mediático;
  • A alimentação cruza-se com múltiplos aspectos da nossa vida, da saúde à educação, passando pela cultura, economia, ambiente, etc.;
  • Dada a enormidade da esfera pública diariamente alimentada – das cantinas escolares às autárquicas, passando pelo exército, serviços, eventos públicos, estabelecimentos prisionais, etc., os governos não devem ignorar o potencial de impacto/influência política destas matérias.

Não é o que temos visto.

Quando os fogos voltam aos noticiários, não é a proibir produtos tradicionais portugueses que vamos evitar o abandono do mundo rural. Era obrigar o fogo a fazer dieta, comendo nós as urzes, os tojos e as carquejas que o fogo come, sob a forma de carne, leite, queijo… Era pensar nesses produtos, não banir a carne da dieta do Governo. Era até a pensar nas ajudas aos lesados – após um fogo em Monchique (ou no Caramulo, ou no Gerês, ou na Estrela), porque não no ano seguinte usar as águas da região em vez de patrocinar as águas da torneira – não se preocupem que as pessoas usam-na! Quando a dieta mediterrânica é hoje património mundial, era apostar na sua expansão e valorização. Diminuindo importações e expandindo o mercado de exportações, num dos pontos nevrálgicos da nossa balança comercial. Beneficiando igualmente a nossa economia, produtos tradicionais, história, cultura e etnografia, coesão territorial e também o ambiente, da biodiversidade ao carbono, passando pelos ciclos biofísicos, ameaçados pelo abandono a que muito do país está votado – ao mesmo tempo que se alcançava melhor saúde e  notem que as principais organizações internacionais sublinham a importância da diversidade, que é a antítese do afunilamento proibicionista.

Este assunto podia, e devia, ser visto nesta pluralidade de dimensões – isto também é economia, isto também é cultura, isto também é ambiente, florestas, coesão… isto também é, inclusivamente, educação, cidadania, democracia. Escolhendo a via preguiçosa, aparecem coisas destas, com os filhos dos ricos a comprar no café da esquina, os filhos dos remediados a levar comida de casa e os filhos dos pobres amarrados à dieta de talibãs do prato, muitos dos quais pouco primando pela elegância.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR