António Costa já demonstrou que é especialista em ler a opinião pública nacional, que prefere geralmente paninhos quentes e empurrar os problemas com a barriga. Só assim consigo compreender a afirmação de que a inflação é um problema temporário e que resulta apenas da invasão russa da Ucrânia. A inflação não é um fenómeno temporário, resulta em parte da resposta dos Bancos Centrais à pandemia, dos constrangimentos nas cadeias de distribuição internacionais e está a ser exponenciada pela guerra.

A componente monetária da inflação resulta da impressão de dinheiro pelos bancos centrais para responder às condições pandémicas. FED e BCE decidiram manter as taxas de juro a níveis historicamente baixos e reforçar os seus planos de compras de ativos, criando moeda artificial sem nenhuma ligação à economia real. Estas políticas provocaram os efeitos historicamente esperados – valorização das bolsas, imobiliário e commodities, provocando aumentos de preços, favorecendo os detentores de ativos e aumentando as desigualdades no longo prazo.

Por outro lado, as medidas de limitação de contactos causaram constrangimentos nas cadeias de distribuição global, aumentando os custos de transporte marítimo e provocando dificuldades na produção e mesmo escassez de alguns componentes, o que em cadeias globais e interdependentes de produção provocou paragens e atrasos, levando a quebras na oferta e consequentemente subidas de preço.

Mesmo este fenómeno, que seria a mais efémera das três componentes que justificam a atual inflação, está a demonstrar ter pouco de temporário. Se olharmos para os atuais confinamentos na China, percebemos que estes congestionamentos nas cadeias de produção internacional ainda não terminaram. Afinal, e ao contrário do que muitos defenderam na fase inicial da pandemia, os regimes autocráticos não são a melhor forma de responder a um vírus respiratório. Podem ter vantagens no curto prazo, mas a médio e longo prazo estão a demonstrar-se muito menos eficientes.

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Por último, a invasão russa da Ucrânia e o conjunto de sanções internacionais estão obviamente a piorar o problema. Uma componente forte da atual inflação é energética, somos demasiados dependentes da Rússia e mesmo que a guerra acabasse rápido, não me parece que abandonar as sanções seja saudável para as nossas democracias. É para mim óbvio que devemos pagar o preço de viver em sociedades livres e esse preço não é temporário, tem de ser bem mais definitivo.

Estamos perante um problema complexo e que não se resolve facilmente, mas de nada adianta disfarçá-lo. Continuar a tratar as pessoas como acéfalas, escondendo-lhes a verdade (uma das grandes armas políticas do PS) não ajuda em nada a sua resolução. Tem sim a vantagem, exclusivamente para o governo, de adiar a contestação que a perda de poder de compra certamente trará. Mais cedo ou mais tarde essa contestação virá e como já não existem os parceiros da geringonça para minorar o impacto, o PS terá obrigatoriamente de se queimar.

As sociedades ocidentais viveram décadas de baixa inflação e prosperidade e para tal muito contribuiu o processo de globalização, em que fomos pelo mundo procurando a forma mais eficiente de produzir bens e serviços. Este processo trouxe ganhos para todos, não só nos permitiu ter um melhor nível de vida no ocidente como retirou milhões de pessoas da pobreza nos países menos desenvolvidos, o que se tornou ainda mais relevante num ambiente de aumento da população do planeta. Parar o processo de globalização será prejudicial para todos. Nas sociedades ocidentais será pago com inflação e nos países menos desenvolvidos com fome. Travar a fundo o processo de globalização, desígnio que une em “sonos molhados” a extrema-esquerda e extrema-direita, é uma resposta errada, que apenas trará mais contestação social e um problema grave para as nossas democracias.

A solução terá de passar por uma combinação de dizer a verdade às pessoas e optar por um processo de globalização mais inteligente. Vamos todos sofrer e perder poder de compra e não será temporário, serão no mínimo alguns anos. Na prática o governo português pouco pode fazer para minimizar os efeitos da inflação, tendo em conta a pouca relevância que temos a nível mundial. A verdadeira missão passará por informar os cidadãos, para que não sejam apanhados desprevenidos, e desenhar algumas medidas que garantam que a rede de segurança não é quebrada em demasia.