Falemos da microeconomia que afinal, é a individualidade e a actividade de cada cidadão. Consideremos para efeito de raciocínio, um cidadão que aufere um rendimento mensal de 3.500 Euros ilíquidos, um pouco menos que o salário de um motorista de transportes públicos da Noruega ou aproximadamente o mesmo que um empregado de mesa em Copenhaga.  Poucos portugueses têm este rendimento, a avaliar pelo menos no que declararam para efeito de IRS. Seja de trabalho dependente, de pensão ou de prestação de serviços, em Portugal este salário é possível auferir apenas por quadros superiores do funcionalismo público, de empresas, ou profissionais liberais com alguns anos de experiência e com sucesso. Ora, do rendimento mensal ilíquido de 3500 euros, é imediatamente retido na fonte pelo Estado para IRS o montante de 1150 Euros se for trabalhador dependente ou pensionista e 875 Euros se for profissional liberal. No entanto como o profissional liberal só recebe retribuição em 12 meses, no rendimento líquido disponível ainda fica pior que o trabalhador dependente. Acresce que o trabalhador ainda desconta 11% sobre o vencimento para a segurança social e os funcionários públicos 3,5% para a ADSE.

Feitas estas contas, que são as contas reais, o salário disponível de quem aufere 3500 euros em regime de trabalho no sector privado é de 1965 Euros (3500 – 1150 para IRS e -385 para S. Social). Portanto, 43% do salário morre imediatamente para contribuições e impostos.

Com os 1965 Euros que efectivamente recebe, será normal que este cidadão aspire pelo menos a habitar por compra ou arrendamento um T2, nos arredores de uma das cidades principais. Não lhe será possível custear isso por menos de 900 euros mensais, atendendo aos preços de mercado que são do domínio público. Ficando com 1000 Euros do “grande ordenado” de 3.500 Euros, terá com esses 1000 euros de pagar energia, água, telecomunicações, condomínio, seguros obrigatórios, deslocações, parqueamentos, alimentação etc.

Todos estes encargos em que o cidadão incorre na sua vida corrente, pelo menos têm uma contrapartida. Usa a casa de que paga renda, usa a autoestrada de que paga portagem, tem energia e água que lhe é fornecida todos os dias (e não apenas em alguns, por falta de pessoal) e come e bebe o que compra no supermercado. Caro ou não (na verdade é tudo muito caro para o rendimento médio) o facto é que tem uma contrapartida real.

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E então qual é a contrapartida dos 43% de impostos e taxas que o Estado lhe reteve do salário? A taxa para a segurança social tem retorno efectivo: dá direito a subsídio de desemprego e subsídio de doença e se viver até aos 66 anos terá direito a pensão de reforma.

Quanto aos restantes 33% retidos para IRS, o seu sentido é custear serviços públicos, que já pagos antecipadamente pelos contribuintes que pagam IRS e outros impostos e taxas, deveriam ser por norma gratuitos. Pois se já foram pagos antecipadamente!!! Mas não são. Pedir uma certidão, um registo, recorrer a um tribunal, ou pedir um passaporte, pagará de novo por tudo isso. Creches, pode meter uma cunha ou ir para a lista de espera. Escola pública, pode ou não haver professor em todas as disciplinas.

Em IRS o Estado arrecada anualmente 13 mil milhões de euros, praticamente a receita do IRS só por si, paga a totalidade do Serviço Nacional de Saúde para que (em teoria) este prestasse assistência gratuita a ricos, classe média e pobres. Os ricos e a classe média (os que destes pagam impostos, claro) já antecipadamente pagaram essa assistência com a tributação elevada e os pobres que não pagam impostos, beneficiam igualmente do SNS, como é seu direito numa sociedade civilizada e solidária.

Mas a desconfiança nos serviços do SNS é tanta, (não na qualidade dos profissionais, mas sobretudo na sua disponibilidade) que funcionários públicos e a classe média, utilizam essencialmente os serviços médicos privados através da ADSE ou dos seguros de saúde.

Mas ainda assim, acontece uma situação bizarra ou mesmo surrealista ao longo dos últimos anos no SNS. Se o orçamento do SNS aumenta, se o número de utentes diminui porque recorrem a privados quase metade dos cidadãos, como é que o serviço e a disponibilidade são cada vez piores? E se os funcionários públicos e os titulares de seguros de saúde (de novo em teoria) amanhã voltassem ao SNS, como é seu direito?  Se conhecem uma palavra pior que caos, seria agora o momento de a dizer.

De facto, na situação actual, o resultado no SNS deveria ser exactamente o contrário.  Mais orçamento e menos utentes, tem de proporcionar um melhor serviço e o pagamento de melhores salários sobretudo aos que trabalham na frente de atendimento ao publico. Não é o que sucede, como para todos é tão evidente, que não carece sequer de prova.

O Ministro das Finanças recentemente afirmou que o problema do Serviço Nacional de Saúde, não é a falta de dinheiro. É possível que seja verdade. Mas também é verdade que se entregarmos uma fortuna em dinheiro a um miúdo de 10 anos — com a organização, experiência e conhecimento próprio da idade — o mais provável é que ele o gaste desalmadamente e nos venha brevemente voltar a pedir mais. É por isso que a afirmação do Ministro é capciosa. Pode-se ter dinheiro e andar sempre com falta de dinheiro e todos sabemos donde vem esta aparente contradição.

O habitual é mesmo o Estado português ter sempre falta de dinheiro, por mais que arrecade em impostos e taxas. É um mistério insondável ou um problema insolúvel.

Ainda agora se noticiou que os 15 blindados M113 oferecidos pela NATO a Portugal não podem seguir para a Ucrânia porque o Estado português não tem dinheiro para o transporte, aguardando a ajuda inglesa, como se tivéssemos voltado a 1917, em que os barcos ingleses transportavam os soldados portugueses para a Flandres, pois há um século, claro que também não havia dinheiro.