Muito embora a designação ‘penta’ tenha uma conotação futebolística, aplica-se a outras realidades. Com a recente nomeação pontifícia de D. José Tolentino Mendonça, os cardeais portugueses passaram a ser cinco, pode-se dizer que, no sacro colégio cardinalício, Portugal já ganhou o penta!

Pela primeira vez na sua história de muitos séculos, Portugal, que já teve um rei cardeal, tem agora cinco cardeais: dois eméritos e três com direito de voto no conclave.

São eméritos D. José Saraiva Martins e D. Manuel Monteiro de Castro; como ambos já têm mais de oitenta anos, não participarão na eleição do próximo Papa. Saraiva Martins foi, durante muitos anos, prefeito da congregação para a causa dos santos, à qual compete a instrução histórica, teológica e científica dos processos de beatificação e canonização dos fiéis com fama de santidade. Por ter sido o pontificado de São João Paulo II o que mais cristãos elevou às honras dos altares, D. José Saraiva Martins pode orgulhar-se de ter “feito” mais santos e beatos que todos os seus antecessores no cargo. Por sua vez, Monteiro de Castro serviu muitos anos a Igreja como diplomata, tendo sido núncio da Santa Sé em vários países, nomeadamente em Espanha. Foi depois nomeado cardeal, como presidente do Supremo Tribunal da Penitenciaria Apostólica.

São cardeais eleitores o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, bem como o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, vice-presidente da mesma Conferência Episcopal. A ambos se vai agora juntar D. José Tolentino Mendonça, bibliotecário arquivista da Santa Sé, já indigitado cardeal pelo Papa Francisco. A sua nomeação cardinalícia decorre das suas funções na cúria romana, tradicionalmente desempenhadas por um membro do sacro colégio, mas a que não foram estranhas as singulares qualidades do novo cardeal, conhecido e apreciado pela sua esclarecida fé, pela sua cultura humanista e pelos seus dotes literários e comunicativos.

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Não é preciso ser católico para constatar o elevado estatuto intelectual e reconhecido valor cultural dos cinco cardeais portugueses. Para além do que já se disse dos dois eméritos, recorde-se que D. Manuel Clemente foi prémio Pessoa, em 2009, e é admirado pela sua notável obra sobre temas da História da Igreja em Portugal, em que é uma reconhecida autoridade. D. António Marto é também conhecido pelo seu pensamento teológico, razão que explica a sua transferência da sede episcopal viseense para a de Leiria-Fátima que, por ser o ‘altar do mundo’, requer um bispo com uma especial preparação teológica e pastoral. Não sendo inerente à sede episcopal de Leiria-Fátima a categoria cardinalícia, a sua elevação a esta dignidade ficou-se a dever, exclusivamente, às suas qualidades pessoais, que o Santo Padre quis reconhecer com esta extraordinária nomeação, que é motivo de orgulho para a Igreja em Portugal.

De D. José Tolentino Mendonça muito se disse já, também no Observador, nomeadamente por José Manuel Fernandes. Muito mais se poderia dizer porque, não obstante a sua breve vida – é um dos mais novos cardeais da Igreja católica – a sua existência é já rica em termos religiosos e culturais, sobretudo como escritor e poeta, bem como ex-vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa e ex-director da sua faculdade de Teologia.

A título de exemplo, permita-se aqui reproduzir um seu belíssimo texto: “O perdão é aceitar não colocar o acento nem no ofendido, nem no ofensor … a dialética conduz-nos a um impasse paralisante, no qual podemos viver anos e anos. O perdão desenha, pelo contrário, a figura relacional de um triângulo, introduzindo o factor Deus, a possibilidade de vivermos o amor que contemplamos em Deus. O perdão não é um assunto de dois, é coisa de três. No fundo, perdoar é dizer: ‘É verdade que esta ofensa foi uma agressão, lesou abusivamente o meu ser, é uma coisa que não consigo desculpar completamente, que provavelmente não vou esquecer tão cedo ou nunca … mas não quero desistir de amar o Amor e afastar-me da lógica relativa da violência.’ Só o amor é capaz de curar. No fundo, só tornando presente o que Deus é na minha vida, só ‘tornando-me naquilo que Deus é’, posso transpor o bloqueio do mal. O perdão não é uma coisa que eu crio em mim. É uma coisa que eu deixo Deus fazer em mim. Deixar que Deus venha à minha história e que a sua lógica se faça minha.

Para conseguir perdoar, eu tenho de abrir a minha relação com o outro à presença de um terceiro que é Deus. E tentar que seja, de facto, a maneira de ver de Deus aquilo que predomina. E isso dá-me força para que, tendo sido vítima de uma ofensa, possa formular uma decisão unilateral de amor. O outro não ficará refém do meu perdão, por que, no fundo, não estou a perdoar a uma pessoa concreta, ou a perdoar só a ela, mas estou a trazer a vida de Deus à minha vida e à marcha do mundo. E não tenho mais de estar a lembrar ao outro a sua ofensa. A única coisa que Deus nos pede é que nos lembremos do perdão” (Pai nosso que estais na terra, capítulo XI).

Mesmo numa sociedade tradicionalmente cristã, como a nossa, a cultura do perdão não é frequente. Em geral, prevalece o discurso do ódio sobre a lógica do amor; a diatribe acusatória sobrepõe-se quase sempre a qualquer expressão de perdão ou de caridade. Um sinal sensível e preocupante da descristianização da sociedade portuguesa é, de facto, a sua crescente beligerância, não apenas no âmbito político e social, mas também laboral e familiar.

Daí a necessidade e urgência de, mais uma vez, escutar as sábias palavras do Cardeal D. José Tolentino Mendonça: “O que o Senhor repete é: ‘Lembra-te do perdão!’ É como perdoados e perdoadores que somos chamados a viver. O perdão é um ‘jugo suave’. Ocupemo-nos, sim, em desenvolver as potencialidades que o perdão esconde. (…) A grande conversão é passar a sublinhar a luz do perdão de Deus na nossa vida”.

P.S. Por uma feliz coincidência, a publicação desta crónica ocorre no aniversário de um outro grande vulto da Igreja portuguesa: o Cónego Doutor João Seabra. Durante todo o tempo do seu fecundíssimo ministério sacerdotal, nomeadamente como docente e capelão da Universidade Católica Portuguesa, pároco de Santos e, depois, da Encarnação, ao Chiado, no patriarcado de Lisboa, o Cónego Seabra esteve sempre na linha da frente do bom combate da fé. Bem-haja, Padre João! Ad multos annos!