0O recentemente eleito presidente do CDS entusiasmou o pavilhão de exposições de Aveiro no passado Sábado. Com um discurso empolgado, acusando a esquerda de caricaturar a direita, gritou palavras que, não sendo suas, resultaram muito bem: “[na boca das esquerdas] quando o combate aperta e a febre aumenta, até fascistas somos todos!” Eu estava lá e aplaudi.

Afastado há mais de 20 anos da vida partidária, abri uma excepção a esta regra e fui ao Congresso do CDS. Fi-lo porque o momento era crítico, o líder era bom e o projecto era nobre.

O momento era crítico porque a ameaça que pairava sobre o CDS era grande; o líder era bom, porque o João Almeida, que apoiei, é um político de diálogo, de síntese, responsável e com uma visão de serviço público da política; e o projecto era nobre, porque a moção que apresentámos ao Congresso, escrita a muitas e muito competentes mãos, visava endereçar respostas e definir prioridades úteis aos anseios dos portugueses e a Portugal.

O projecto que era bom, tornou-se essencial, porque quando o eleitorado ignora, a razão escapa e o PS alastra, deveriam ser propostas úteis de governo que a direita deveria apresentar, no lugar de se perder em gritaria, guerras fratricidas e lutas identitárias.

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No âmbito das causas de sempre, que a herança reforça, a moção que subscrevi tinha propostas de governação em domínios tão diversos como o conhecimento, a competitividade e mobilidade social, a coesão social, territorial e protecção dos mais vulneráveis, a valorização do Portugal rural e das pescas, o novo pacto intergeracional, a justiça e combate à corrupção, a cultura, o posicionamento de Portugal na Europa e no Mundo, o combate à abstenção, as perspectivas de futuro para as novas gerações, o diálogo social e a economia social. Já no âmbito das novas causas, a que o tempo obriga, havia propostas para o ambiente, energia e mobilidade, para a inteligência artificial, economia digital e direitos dos cidadãos, para as novas relações de trabalho, para a reorganização, concorrência e regulação de sectores estratégicos, para a transformação digital do estado e uma visão qualitativa da administração pública. Nada disto foi discutido – não é suposto que seja, segundo me dizem – mas foi uma pena. Porque quando o debate se esvai e a razão se perde, a vacuidade incha e a paixão vence. E a política não deve ser o palco da paixão, mas da razão.

O líder que era bom, revelou-se ainda melhor, porque o João Almeida foi chamado de tudo, assacaram-lhe todos os ónus e quiseram subtrair-lhe todos os bónus, e ele não tergiversou. Fez uma campanha séria, de cabeça erguida, sem trair ninguém, sem apoucar ninguém. Mas parece que Maquiavel considerou que um homem bom de bons valores cristãos não serve para a política, onde a moral é outra; pelos vistos até num partido com a palavra “cristão” tão palpitante.

O momento que era crítico, revelou-se ainda mais crítico.

O novo presidente disse na semana que antecedeu o congresso que “saber quem estará ao nosso lado na trincheira importa mais do que a própria guerra que vamos travar.” Olhando para a trincheira vencedora deste congresso podemos ver, entre outros, mas desde já, na linha da frente, Abel Matos Santos (AMS) em representação da Tendência Esperança e Movimento (TEM). Para lá destes protagonistas, quem também esteve na trincheira desta Nova Direita, já agora, foi a velha Nova Democracia de Manuel Monteiro; no teor, no tom e nos apoios. A mesma Nova Democracia criada por birra há uns anos para concorrer contra o CDS. Para o que se queria novo, cheira um bocado a bafio.

No fundo, nessa trincheira vencedora, encontramos políticos de má memória e políticos sem memória, anti-modernos e ultramodernos, reaccionários e revolucionários de direita, ressentidos e populistas. Mas o pior é que encontramos laivos de antissemitismo (“Porque será que defendem Sousa Mendes que foi um agiota dos judeus? (…) Ainda bem que nem todos os judeus são assim…falsos”, AMS), saudosismo do Estado Novo (“Viva Salazar! E ele vive mesmo! (…) Foi sem dúvida um dos maiores e melhores portugueses.”, AMS), misoginia (“[A mulher] Gosta de cuidar e receber e assume, amiúde, muitas das tarefas domésticas, com toda a sua alma, porque considera ser essa, também, a sua função”, Joana Bento dos Santos, também da TEM e agora também dirigente nacional) e homofobia (“os homossexuais, tal como todas as pessoas, também ficam doentes e sofrem e estudos mostram que têm mais doenças e sofrem mais”, AMS), entre outras pérolas.

Mas nem todos, entre os vencedores, serão assim. Justiça seja feita: nessa trincheira vencedora também encontramos gente não alinhada, que não partilha e, porventura, desconhece até estas ideias. Gente desiludida com os resultados eleitorais, abandonada por uma má gestão interna do partido nos últimos anos, carente de um sinal de esperança e permeável ao apelo de mudança. Gente que quer mais e que quer melhor. Entre o cansaço das derrotas eleitorais, a angustia da irrelevância política e a atração idealista pela mudança, tornou-se permeável ao populismo, à vacuidade e ao discurso de protesto. Em síntese, uma fiel amostra do eleitorado.

Gustave Le Bon, tão atentamente lido por Mussolini, dizia que as massas exibem um doce respeito pela força e são pouco impressionadas pela bondade, que entendem como uma espécie de fraqueza. Gustave Le Bon não estava a falar do CDS, mas se tivesse estado no passado fim de semana em Aveiro, teria adivinhado o resultado final.

Quando esta direcção eleita e seus apoiantes acusaram os outros que se lhes opunham de serem da “direita cobarde”, da “direita que a esquerda gosta”, caíram no equívoco de dar a ideia que era isso – ser ou não ser de direita; e sendo, ser mais ou menos puro nesse posicionamento – que estava em causa. No fundo acabaram por ser eles a “direita que a esquerda gosta”, porque o que a esquerda gosta mesmo é de colar à ideia de “direita” a ideia de barbárie; quanto mais à direita, mais bárbaros. Mas o antissemitismo, o fascínio por regimes autoritários, a critica populista à democracia liberal, as fobias de todos os géneros (seja a homossexuais, imigrantes, ou relacionado com a cor de pele ou com a fé religiosa…) não são passíveis de inscrever no eixo esquerda-direita. Dúvidas havendo veja-se o antissemitismo de Corbyn, o fascínio por regimes autoritários e a crítica à democracia liberal do PCP e do Bloco de Esquerda ou as fobias alimentadas ad nauseaum pelo Livre.

Infelizmente, na ânsia do combate cultural, ao CDS sobrou a linguagem belicosa e populista, a obsessão pela fechadura do quarto dos outros e a farisaica superioridade moral; para lá da tralha iliberal incompatível com os princípios do CDS. Para um partido como o CDS, defensor e fundador da Democracia Liberal, esta deriva, que é democrata na medida em que é populista, mas é iliberal na medida em que é intolerante, preocupa. Muito. Repito: não tem a ver com esquerda-direita, nem tem a ver com conservadorismo-liberalismo.

O presidente agora eleito até pode “montar” discursos com palavras alheias e levantar pavilhões, até pode dizer que nada disto está na moção que levou a congresso, mas se desmentir-se a si próprio não for patológico, “saber quem está ao seu lado é mais importante que a guerra”, e se o CDS não põe inequivocamente termo a esta deriva, acabará julgado por isso.

Quanto a mim, para memória futura, no passado fim de semana estive do lado dos vencidos, e essa é a minha vitória. No futuro próximo, pela consciência presente, estarei do lado da leal oposição. Porque quando o combate aperta e a febre aumenta, nem todos somos intolerantes e iliberais.