Há precisamente um ano, António Costa surgia aos olhos dos portugueses como um homem humilde e injustiçado, atraiçoado pelos seus companheiros de estrada que o obrigavam a apresentar-se de novo aos eleitores pedindo-lhes o voto para continuar a governar.

Passado um ano, aqui está o todo-poderoso António Costa, montado na sua maioria absoluta, desfiando insultos para a direita, para a esquerda e em geral para tudo o que mexe e que não seja a seu favor. “Habituem-se”, diz o Primeiro-ministro trazendo-nos à memória uma frase batida, antes proferida pelo último chefe da tribo socialista que alcançou uma maioria absoluta. O inesquecível José Sócrates.

É certo que António Costa já veio pedir desculpa por um desabafo mais irritado que atingiu o Presidente da Câmara de Lisboa. Moedas é alguém que o irrita particularmente porque lhe roubou uma boa fatia de poder e os socialistas ainda não se habituaram a isso. É por isso que Costa desaparece quando Lisboa inunda e se irrita por o Presidente da Câmara não se afogar nas cheias. Vai daí, dá-lhe o sono e solta o animal feroz que há dentro dele.

O problema não é o Primeiro-ministro ter alguns excessos de linguagem quando está mais cansado. O problema é que sempre que se distrai António Costa mostra o que é. Lembram-se daquele velhinho a quem Costa quase bateu porque este lhe disse uns impropérios no fim de uma campanha eleitoral? Ou da forma agressiva e malcriada como respondia a Assunção Cristas quando a então líder do CDS ousava fazer-lhe oposição no Parlamento? Nessa altura, a grande irritação com a líder do CDS tinha mais a ver com o facto de ser mulher e ousar confrontá-lo, do que propriamente com discordâncias políticas. As proclamações sobre igualdade de género ainda não calaram fundo no coração do nosso PM irritadiço.

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Costa parece polido sempre que tem tempo e espaço para absorver os conselhos dos seus assessores de comunicação. Mas essa não é a sua natureza e, como não tem um assessor de imprensa dentro da cabeça, sempre que está mais à solta, descuida-se.

De pouco servem os discursos sobre diálogo e sobre a teoria de que maioria absoluta não é poder absoluto. Ou que é um defensor dos novos direitos, da igualdade e da paridade.

Ainda não passou um ano sobre as eleições que lhe deram maioria absoluta e António Costa já caiu na arrogância e no autoritarismo. Está de facto convencido de que tudo lhe é permitido, dos insultos aos erros de governação. Como diz com ar radiante: não perde um segundo com isso.

Tem razão o líder dos socialistas para se sentir tão satisfeito consigo próprio. Os portugueses deram-lhe razão para isso ao confiarem-lhe uma maioria absoluta. Na hora de votar não valorizaram a ausência de reformas que preparassem o país para momentos como o que estamos a viver. Esqueceram-se da negligência na proteção dos cidadãos que levou a dezenas de mortes nos incêndios de 2017. Não valorizaram a incompetência e demagogia com que geriu o país em tempo de pandemia. Habituaram-se à degradação dos serviços públicos, desde o acesso à saúde e à educação, até à dificuldade para obter um simples cartão de cidadão ou passaporte. E compreenderam a defesa dos magníficos ministros que deixaram que imigrantes morressem às mãos das autoridades nacionais ou que usaram o dinheiro publico para acertar negócios com empresas de amigos.

Somos um país de brandos costumes, tolerantes com descuidos de linguagem e dispostos a perdoar algumas liberdades. É por isso que devemos levar muito a sério o aviso de António Costa: Habituem-se. Se se cruzar com o Primeiro-ministro na rua e lhe ocorrer criticá-lo, saiba que pode ter como resposta um par de sopapos bem assentes. Se estiver sentado no Parlamento e lhe ocorrer fazer oposição ao chefe do Governo, prepare-se para insultos baratos ao nível da conversa de taberna e se por acaso for mulher, a coisa pode ser mais violenta.

Pode ser que daqui a quatro anos os portugueses se sintam vacinados por mais algumas décadas e não voltem a pôr os ovos todos no cesto de um só partido político.