Caro contribuinte, já ouviu falar da Rua Eduardo Bairrada, em Lisboa, onde agora foram disponibilizados 20 apartamentos para arrendamento dito acessível? Se não ouviu devia ouvir. Ou então aproveite para dar um passeio e vá até lá para perceber como o dinheiro dos seus impostos tem servido para sustentar operações de propaganda.

As casas agora disponibilizadas para arrendamento acessível na Rua Eduardo Bairrada foram construídas em 2001 e destinavam-se então a arrendamento social. Segundo se lê no folheto da GEBALIS, empresa municipal de habitação: o “Bairro” é constituído por dois edifícios e foi construído em 2001 para realojar as famílias de etnia cigana residentes nos alojamentos precários da Rua Eduardo Bairrada. Os 20 fogos tinham uma renda média de 52,44 euros. Em 2007, segundo os dados da CML a percentagem de rendas em atraso no Bairro Eduardo Bairrada era de 100 por cento. Repito: 100 por cento. Ou seja, no Bairro Eduardo Bairrada viviam 19 famílias e nenhuma delas pagava a renda.

Em 2011 a percentagem dos pagantes era mais animadora: apenas 47,7 por cento das famílias tinham rendas em atraso. Mas rapidamente os arrendatários da Rua Eduardo Bairrada voltaram aos hábitos antigos: a taxa de incumprimento subiu para 92,9 por cento. A renda média essa mantinha-se igual a 2001: 52,44 euros. Note-se que a Gebalis tinha um gabinete afecto a este bairro, à semelhança aliás do que acontece com outros bairros administrados por esta empresa municipal. Provavelmente a cobrança das rendas não faz parte das suas competências. Zelar pelo bom estado do ditos bairros ainda menos pois em 2015 foi anunciado que o Bairro Eduardo Bairrada ia ter obras de requalificação: 1.300.000,00 euros foi o valor orçamentado para as obras nas vinte casas. Resumindo, catorze anos depois de os edifícios da Eduardo Bairrada terem sido construídos a CML aprovava obras num montante que dava quase para fazer um prédio novo.

Entretanto os inquilinos camarários da Rua Eduardo Bairrada já eram inquilinos camarários noutro local pois, como informa a CML, “foram transferidos para outras habitações num processo iniciado antes de 2012 e que teve origem nas necessidades dos próprios agregados. Estes começaram a pedir a mudança para outros locais, por diversas razões relacionadas com questões das próprias famílias.” Portanto onze anos depois de lhes terem sido alugadas casas novas a custos muito baixos, os inquilinos (que por sinal não pagavam as rendas) das casas sociais da Rua Eduardo Bairrada começavam a ser transferidos para outras habitações.

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Mas voltemos à Rua Eduardo Bairrada onde o que foi arrendamento social começa à força de 1.300.000,00 euros a transformar-se em renda acessível: em 2016 é aberto o concurso para as obras dos 20 apartamento agora devolutos. Em 2017, o Bairro Eduardo Bairrada já tem vencedor para as obras de requalificação. Quando se conhece a lista do que ali foi feito temos de admitir duas coisas: ou o prédio inicial era péssimo ou os seus locatários o escavacaram. Ou ambas as coisas. Seja como for, dividindo o valor da obra por cada fogo dá 65 mil euros!

Como é o contribuinte a pagar ninguém faz as contas a este verdadeiro absurdo mas nos seus escassos 18 anos de vida cada fogo municipal na Rua Eduardo Bairrada já vai neste momento num custo por m2 que deve estar a entrar no guinness dos valores especulativos praticados na capital. Igualmente incontestável é que ao longo da sua curta vida estes vinte apartamentos têm dado bons títulos aos diferentes presidentes da CML e agora, em 2019, as casas da Rua Eduardo Bairrada animam as notícias sobre o Programa Renda Acessível: Candidaturas às casas de renda acessível da Câmara de Lisboa arrancam em novembro. “Queremos casas que as pessoas possam pagar”, diz Fernando Medina. Nas notícias empolgadas e empolgantes sobre o Programa Renda Acessível as ex-casas sociais da Eduardo Bairrada surgem miraculadas em fogos recém-construídos: “Os primeiros 20 apartamentos de renda acessível construídos no âmbito deste programa deverão estar concluídos em novembro. São dois edifícios, localizados nos números 35 e 37 da Rua Eduardo Bairrada, na Ajuda, e contemplam apartamentos de tipologia T2 e T3. “Estamos a apostar em construir uma resposta para que largos estratos da população tenham verdadeiramente acesso à casa que podem pagar dentro da cidade de Lisboa”, disse Fernando Medina.”

Mas para lá do fogacho enganoso dos títulos, o programa de arrendamento acessível falhou pela prosaica razão de que os senhorios não colocaram nele as suas casas. Vários dos 120 fogos agora anunciados neste programa fazem parte do património da CML que em alguns casos, como o que aqui se descreveu da Rua Eduardo Bairrada, até já os tivera no arrendamento social.

A instabilidade legislativa, a burocracia alucinada, um discurso de hostilidade face aos senhorios por parte do Governo e dos seus apoiantes, a par de uma desconfiança com mais de um século a alicerçá-la (o congelamento das rendas remonta a 1910) levaram os proprietários do imobiliário – sobretudo os pequenos proprietários, que são a maioria e para quem ser senhorio de um ou dois fogos representa uma espécie de PPR – a não confiar nas promessas governamentais e consequentemente não inscreveram as suas casas nesses programas.

Perante o falhanço do programa de arrendamento acessível  a CML propõe-se agora ela mesma tornar-se inquilina de mil casas para as  subalugar em seguida, enquanto o Governo usa a fiscalidade para obrigar os senhorios a disponibilizarem as suas casas para os tais programas.

Esta versão da CML “inquilina de apartamentos de privados que por sua vez aluga a preços ditos acessíveis à classe média” quantos  milhões de euros nos custará? Quantos funcionários precisará a CML para assumir as responsabilidades dos senhorios nos condomínios privados por onde esses mil fogos estão distribuídos? E quem pagará os incumprimentos dos inquilinos da CML perante os privados senhorios da mesma  CML?

A intervenção no mercado de arrendamento é um desastre com responsáveis.