Oiço com espanto os barulhos compungidos de quem lamenta que “a geração mais bem preparada de sempre” tenha de sair de Portugal. Tudo pesado, tendo a achar que é uma bênção essas pessoas não apenas saírem como terem de sair de Portugal; e não terem de o fazer por razões políticas.

Tendo também a achar que o problema de quem lamenta o êxodo foi não ter saído de Portugal na altura certa, ou ter saído de Portugal pelos motivos errados. A melhor parte da preparação da geração mais bem preparada de sempre é a facilidade com que se dispõem a mudar de sítio. Uma dimensão muito importante da democracia é a facilidade com que as pessoas podem mudar de sítio; e o modo como as pessoas não são punidas por se arrependerem dessas escolhas. Na China (geração bem preparada: vede ‘hukou’) e na Rússia (idem, ‘propiska’), por exemplo, tais escolhas levantam dificuldades.

É verdade que oiço de vez em quando programas sobre esta geração onde, a julgar pelo que se lhes ouve, lhes falta a quase todos a luz de Lisboa, o bacalhau, o mar, os amigos e a família (por esta ordem). Então porque não voltam? A resposta é: não voltam porque acham que mais vale andar à chuva em Stuttgart do que comer bacalhau. Andar à chuva em Stuttgart tem ainda a vantagem de, para quem aprecia o género, aumentar a probabilidade de poder passar a segunda parte da vida a tomar banho com os amigos.

Diz-se por vezes, sempre a chorar, que a geração mais bem preparada de sempre foi forçada a emigrar por causa do modo como se destruiu em Portugal o ensino e a investigação. Tive de ir para o Luxemburgo, diz um biólogo aos soluços, intimando nigerianos na Sicília. Tranquilize-se o biólogo: ninguém destruiu coisa nenhuma. O que é preciso explicar é que, apesar da choradeira, menos pessoas se sintam tentadas pelas não-destruídas universidades portuguesas, e já agora pela família e pela luz de Lisboa.

Poderá vir a verificar-se que a única coisa importante que aconteceu às universidades portuguesas depois de D. João III foi o programa Erasmus. O programa, que a geração mais bem preparada de sempre conhece bem, subsidia um semestre ou um ano de ócio e actividades noutras latitudes. O factor importante é: outras latitudes. O valor de mudar de sítio para as massas de pessoas cujos antepassados não mudavam de sítio ou mudavam de sítio por maus motivos é inestimável.

Além disso, este cirandar é um incentivo conubial. Virá decerto a descobrir-se também que a medida principal da integração europeia não foi o patusco Parlamento de Estrasburgo mas a taxa de casamento entre pessoas que saíram dos sítios onde nasceram. Sair de Portugal é uma bênção: a bênção que permitirá porventura à geração mais bem preparada de sempre chegar pela primeira vez a Portugal.

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