“Pelo que já tiveram de fazer, pelo que estão a fazer neste momento, pelo tanto que ainda vai ser exigido, a minha última palavra de hoje é para médicos, enfermeiros, auxiliares, todos os profissionais de saúde do meu país. A palavra é ‘obrigado’. E sei que falo por todos nós, aqui e aí em casa”, Rodrigo Guedes de Carvalho.

Desculpem-me o corporativismo, mas convirá lembrar que em Wuhan, 63% do pessoal de saúde foi infetado, com 14,8% de casos classificados como graves ou críticos, apesar de “apenas” 5 terem morrido. No primeiro contacto nunca sabemos se o doente é transmissor. Todos deveríamos estar a usar máscaras e batas descartáveis no contacto com doentes. Mais do que nunca, já que isso deveria ser uma medida sempre obrigatória, ninguém deve levar batas ou fardamentos para casa. Se formos todos para quarentena, quem restará para cuidar dos doentes? Logo, temos que desejar não adoecer e os ambientes em que nos obrigam a trabalhar são, muitas vezes, bem adversos à higiene. O sabão, o material para secar mãos e os desinfetantes não podem faltar. Nem as máscaras.

Já há casos de transmissão nosocomial de SARS-CoV-2? Gostaríamos de saber. Estarão todos os hospitais preparados para acolher e tratar doentes infetados com SARS-Cov-2? E os Hospitais especializados em cancro? Também vão ficar com os doentes de COVID-19? Estão estruturalmente preparados para receber e manter em isolamento estes doentes? E a “hospitalização domiciliária” dos infetados “ligeiros” – falta saber como serão definidos – ficará a cargo dos médicos de família? Com que equipamento protetor? O essencial do acompanhamento será, presume-se, por via telefónica. Já há pessoal preparado nos centos de saúde? Não é desejável que tudo fique só dependente de hospitais.

Entre tantos apelos ao civismo não deve faltar uma nota para açambarcadores e ladrões. Os que têm roubado, roubaram e continuam a roubar (furtar é mais correto, mas insuficiente para a descrição) litros, isso mesmo, litros de desinfetantes, resmas de máscaras e luvas. Aconteceu e ainda acontece.

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Marta Temido já aceita temer não estar preparada. Finalmente caiu na realidade. De quem estava preparadíssima passou a admitir que virão semanas duras. É bom que todos comecemos a acreditar que a medida da infeção será na escala de milhões e não de centenas. E o vírus irá persistir, não parece que seja erradicável, e mais ondas virão até que o número suficiente de pessoas esteja imune para travar a transmissão. Pânico? Não, não resolve nada. Temos de continuar a lutar, a resistir e a trabalhar. Proteção? Sim, muita. A contenção de contactos pode funcionar.

Não podemos adoecer todos ao mesmo tempo. Nem se trata da falta de ventiladores e de pessoal que saiba cuidar de pessoas sob respiração mecanicamente assistida. Temos cerca de 35.500 camas hospitalares em todo o sistema e todas as tipologias. Com 1 milhão de doentes, um número conservador, poderíamos ter a necessidade de internar 10%, ou seja, 100.000 pessoas. Perceberam? Não irá acontecer porque a propagação não será instantânea e, no fim, teremos 60 a 70% da população mundial infetada, ainda que nem todos doentes.

Quando será o pico? As opiniões dividem-se? Quantos serão os infetados no pico? Pode ser de 4 a mais de 60.000 dependendo dos contactos. Quanto menor, melhor. O afastamento social atrasa a transmissão do vírus, achata a curva epidémica, o que, podendo não diminuir o número total de casos, poderá diminuir o pico de procura de cuidados, ainda que com o custo de prolongar a duração da epidemia.

Pelo menos já ganhámos alguma maior consciência sobre a importância da saúde pública. Aumentou o valor que damos à vida.  Talvez agora, sob a ameaça de uma doença infeciosa e aguda, a preocupação generalizada com as doenças crónicas aumente. Elas matam muito milhões, todos os anos. Matam pessoas que de outra forma poderiam viver mais tempo e melhor tempo. Tendem a ficar ignorados, diluídos no tempo e no espaço. A infeliz verdade é que são esses, como sempre, os que têm maior risco de morrer quando com a COVID-19.  Sabemos que as infeções, pelo seu potencial de provocar inflamação, geram maior risco de morrer por insuficiência cardíaca, enfarte do miocárdio e arritmia.

Quando o medo aperta a nossa preocupação com a saúde aumenta. Será que o meu risco de morrer é agora maior? Vale muito a pena lutar contra a diabetes, a poluição, a obesidade, a desnutrição, a pobreza, o tabagismo e a hipertensão arterial, não vale?

Ninguém quer falar do assunto mais vai haver excesso de mortalidade pela COVID-19 e não só. Muitos poderão morrer porque não haverá os meios suficientes, humanos e técnicos, para os tratar e acolher. Já anteciparam isso? A resiliência do INEM e o dos hospitais já foi testada? Considerada a procura habitual por todas as doenças, incluindo acidentes de viação, quantos maios doentes pode o SNS acomodar? Qual o impacto da COVID-19 na mortalidade por outras causas? Há cirurgias que serão adiadas e tratamentos que não poderão ser feitos. Mas os doentes com cancro não podem esperar mais do que já esperam. E qual o impacto da suspensão do programa de transplantação de órgãos e tecidos? O IPST recomenda essa medida. Salvaguarda os urgentes. Não será que toda a transplantação de medula óssea, seja ela alogénica ou autóloga, não é urgente? O ministério da saúde não deveria estabelecer uma forma de que esses programas não parassem?

Como é habitual há sempre uns que se adiantam. Rui Moreira tratou do Porto e diz já ter arranjado uns ventiladores de Macau ou de Schenzen para os nortenhos com falta de ar. Bom exemplo de solidariedade nacional e carapuça enfiada no governo.

Numa reflexão recente sobre a capacidade de resposta dos sistemas a grandes ameaças, como a do SARS-CoV-2, um grupo de autores de várias proveniências terminam com 3 pontos importantes.

1 É preciso integrar todos os serviços, não só do sistema de saúde, para adaptar a sociedade e absorver o choque. A integração sectorial não aparece como devia. Veja-se a confusão sobre os salários daqueles que tiverem de assistir a confinados e doentes, sem que se perceba como será feita a comprovação da infeção em larga escala nem como os funcionários públicos e privados serão pagos. Repare-se que os setores assistenciais, privado e social, ainda não sabem em que medida serão chamados a responder. Não chega apelar à sua participação. Têm de ser requisitados de forma clara e integrados na cadeia de referenciação que, por sinal, nem existe. Ainda é preciso andar a telefonar a perguntar onde há vagas para ventilar um doente. Os cuidados primários, para já, arrumam os prospetivos doentes com COVID-19 em instalações sanitárias. Quando as salas de espera se encherem de gente a tossir, vai para tudo para rua? Ou vamos ver as urgências dos privados a encherem-se de doentes?

2 É difícil, embora importante, combater a geração de propagação de notícias falsas. A inevitabilidade de notícias falsas tem sido ampliada pelo atabalhoamento nas mensagens que os responsáveis vão passando e contradizendo.  Note-se que têm melhorado, mas ainda há necessidade de concertação. Sublinhem-se os progressos com coisas tão básicas como a publicação de um boletim sanitário sempre à mesma hora. Mas não deveriam ceder à tentação de esconder sempre alguma coisa, como com a história de doentes internados que estavam infetados sem que se soubesse. Digam onde foi, como aconteceu, não escondam nada.

3 Acima de tudo, para responder às crises, é extremamente importante a confiança dos doentes, dos profissionais de saúde e de toda a sociedade, para com o seu governo. A confiança no governo não é grande e na saúde as razões para desconfiar têm subido de forma assustadora.

Entretanto, o Presidente da República foi “desligado” quando aceitou o triste espetáculo de se “quarentenar” sem necessidade. Há luz dos critérios desse momento, não seria preciso. Bem tenta, do seu bunker de Cascais enviar uns comunicados, declarar-se apto a pugnar por medidas mais contundentes, mas o seu tempo, por ora, não é. António Costa aproveitou a oportunidade, assumiu controlo sobre a situação, ou quis convencer-nos disso, e marcou todos os pontos que podia marcar. Só que ninguém se deverá esquecer do SNS que este governo nos deixou, o que agora temos para enfrentar esta monumental crise. António Costa, o governo e as autoridades, precisam de todos nós, dos nossos contributos, da nossa vigilância, das nossas críticas e denúncias, mas não merecem que se lhes dê alibis. Por isso, mesmo que não fosse só pela nossa necessidade de superar o sufoco em que estamos, temos de ser ainda mais cumpridores, trabalhadores e cooperantes. No fim de tudo, ninguém se poderá desculpar com falhas dos Portugueses. Muito menos com as dos trabalhadores da saúde.