Escrever um artigo de opinião na última semana da campanha eleitoral das eleições legislativas mais imprevisíveis das últimas décadas é um exercício arriscado. Numa campanha genericamente fraca e na qual se discutiu pouca política, o melhor que tenho a oferecer neste momento são algumas notas soltas sobre cada partido. A partir de domingo, virar-se-á uma nova página na história política da democracia Portuguesa. Nesse momento, começaremos a avaliar em detalhe os estragos da direita radical em Portugal e, acima de tudo, como a ausência de institutional forbearance – a moderação na utilização de poderes que, sendo legais, poderão causar estragos políticos a longo prazo — de António Costa em 2015, por efeitos puramente estratégicos e de sobrevivência, nos sairá muito cara.

1 PS. O PS está a fazer uma campanha boa. Tem várias coisas a seu favor. Por um lado, para uma grande parte da população portuguesa, especialmente os mais pobres e os reformados, os últimos anos foram bons. O Salário Mínimo Nacional subiu como nunca e as notícias no controlo da dívida pública são excelentes. A mudança na cultura política que a troika e o governo de Passos Coelho realizaram na última década alteraram completamente as regras (informais) do jogo. Para além disso, o PS tem uma máquina política muito profissional, alimentada de muitas vitórias ao longo das últimas décadas. O partido beneficia ainda, sem dúvida, de ter um alinhamento e uma coesão interna que mantém todos os candidatos e dirigentes no mesmo guião. Diferentemente do PSD, Pedro Nuno Santos não tem de fazer contenção de danos quase diariamente. Por outro lado, parece-me indiscutível que o PS beneficia (ainda) de uma armada de comentadores nas televisões que puxam pelo partido e pela sua vitória, apesar do equilíbrio de poderes estar a mudar lentamente. Com a possível vitória do PSD, há já quem esteja em cima do muro. Apesar de tudo, todos temos de pagar as contas ao fim do mês. A maior dificuldade do PS é mesmo o candidato. Pedro Nuno Santos confirmou a sua impreparação e total ausência de ideias, debitando um conjunto de estribilhos ideológicos que sobem de tom à medida que se vê impossibilitado de argumentar com base em factos e números. Curiosamente, Pedro Nuno Santos tem uma certa ambivalência com o legado de António Costa, o que tolhe a campanha. Nos últimos dias ensaiou o discurso que, previsivelmente, utilizará no próximo domingo. Partindo do princípio de Luís Montenegro de que o Chega não conta para efeitos de governação, Pedro Nuno Santos argumentará – se os resultados assim o permitirem – que a esquerda tem mais lugares no parlamento do que a direita democrática.

2 PSD. Uma tentativa de pensar a campanha do PSD esbarra numa divisão que é praticamente intrínseca ao partido: as divisões internas. Montenegro tem feito uma campanha, a meu ver, óptima, tentando recentrar o partido, sacudir a poeira restante do legado dos anos de intervenção e tornar o PSD novamente competitivo sob o ponto de vista eleitoral. Esta é a campanha possível para o partido sonhar com um futuro. No entanto, é por de mais evidente que existe uma corrente dentro do PSD que está com vontade de coligar-se com o Chega e esquecer o recentramento social-democrata ensaiado por Montenegro. Se esta última corrente prevalecer, creio que, a prazo, o Chega fará um aggiornamento do PSD e tornar-se-á, cumprindo o desejo do PS, o partido com o qual este disputará as eleições. Para além disso, Montenegro tem tentando, e, em grande medida, conseguido, apagar fogos criados por políticos medíocres como Núncio. A ideia de que, em 2024, em plena campanha eleitoral, alguém pode sonhar trazer o aborto à baila é grotesca e tonta. O próximo domingo ditará, muito provavelmente, o futuro da direita democrática em Portugal. Se Montenegro conseguir ser bem-sucedido, o país não deixará ao Chega a construção de uma alternativa ao PS.

3 Chega. A campanha de Ventura tem sido profundamente eficaz. Creio que a avaliação negativa que oiço em muitos comentadores sobre a campanha de Ventura se centra excessivamente na presença mediática tradicional, como as clássicas arruadas, a televisão e os jornais. Nesses espaços, diferentemente dos outros partidos, Ventura, objectivamente, tem perdido força, criando a ilusão de que poderemos estar de volta a uma bipolarização entre os dois grandes partidos. No entanto, umas horas passadas nas redes sociais oficiais e oficiosas do Chega mostram à saciedade que o partido está com uma grande força e a penetrar nas camadas de votantes cuja dieta informativa passa, em grande medida, ao largo dos media tradicionais. Creio que Ventura confirmará no próximo domingo um grande resultado eleitoral. As consequências são imprevisíveis. No entanto, nada ficará como dantes.

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4 IL. A Iniciativa Liberal será, a meu ver, uma das maiores derrotadas do próximo domingo. O motivo é simples. O crescimento do PSD está a acontecer à custa de outros partidos. Idealmente para a IL, isso aconteceria exclusivamente à custa do PS. No entanto, as sondagens não estão a mostrar isto. Rui Rocha tem sido um líder com dificuldades de afirmação, até porque, como sabemos, não é fácil substituir alguém como João Cotrim Figueiredo. Ao contrário da esquerda, onde a pressão para o voto estratégico nunca foi tão baixa, à direita essa pressão é fortíssima. Para cumprir os seus objectivos, a AD e a IL precisam que Montenegro fique em primeiro lugar. No próximo domingo, a IL ter-se-á arrependido de não ter entrado na coligação com a AD, deixando a institucionalização do partido enquanto força eleitoral para depois.

5BE. Em teoria, o Bloco de Esquerda parte para esta eleição numa posição confortável. Como já disse, a pressão para o voto estratégico é nula nesta campanha eleitoral, na medida em que Pedro Nuno Santos já afirmou com clareza que não só vê com bons olhos, como deseja uma coligação pós-eleitoral com os partidos à sua esquerda. Para além disso, o Bloco beneficia ainda do argumento do falhanço da maioria absoluta enquanto solução política e ainda de Mariana Mortágua se estar a revelar uma boa líder na campanha de rua. Apesar de todos estes factores favoráveis, o partido parece não estar a arrancar nas sondagens. A confirmarem-se os resultados das sondagens, e assumindo que o PS não cresce à custa dos eleitores à sua esquerda, um dos mistérios do próximo domingo será: o que aconteceu ao Bloco de Esquerda e para onde foram os seus eleitores?

6CDU. No próximo domingo, a CDU deverá sofrer a maior humilhação da sua já longa vida, correndo o risco de obter apenas um ou dois deputados. É certo que o momento das eleições é muito difícil. Paulo Raimundo ainda é um líder em crescimento, não tendo ainda – nem remotamente – o reconhecimento popular do seu antecessor. Para além disso, os debates não correram de molde a ajudar Raimundo a afirmar-se enquanto líder. Esta será, também, a primeira eleição pós-Ucrânia, crise que levou muitos votantes a afastarem-se definitivamente do partido em face da posição abjecta que tomou.

7Livre. O Livre tem feito uma campanha serena, sólida e com a apresentação de propostas claras, cujo conteúdo, contudo, por vezes roça o onírico. A ascensão do Livre – quase em paralelo com a queda da CDU – é um sinal de mudança e de modernização do país. Finalmente aparece a esquerda moderna, europeia, verde e sem ideias revolucionárias. A eleição de mais de dois deputados será uma grande vitória.

8PAN. O PAN é, e sempre foi, um mistério para mim. Não consigo entender de que é feita a massa de gente que vota neste partido. Será, certamente, problema meu.