Serei apenas eu a estranhar que o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, tenha vindo dizer que foi informado sobre a realização de “umas negociações escondidas” entre o PSD e outros partidos? Esta revelação feita por um ministro da Administração Interna só pode ter uma resposta que é obviamente uma sucessão de perguntas: como soube o ministro da Administração Interna que estão a acontecer as tais “negociações escondidas” entre o PSD e o Chega? Em que qualidade foi informado e por quem? Sim, tem relevância política que o PSD negoceie com o Chega mas tem muito mais relevância esta frase quando proferida por um ministro da Administração Interna: “Dizem-me que há umas negociações escondidas entre os partidos da AD e outros partidos em relação ao futuro.”  José Luís Carneiro quis mesmo dizer isto?

A condescendência nacional para com estas declarações do ainda ministro da Administração Interna (há alguns anos teriam gerado uma tempestade política!) vem confirmar a degradação desta área. Tornou-se quase incontestável que os governos de António Costa falharam na Saúde e na Educação. Curiosamente omite-se uma das pastas em que o saldo é mais negativo: a Administração Interna.

Era difícil fazer pior: agentes da PSP e da GNR estão contra a PJ por causa do subsídio de risco que António Costa atribuiu a esta última polícia no final de Novembro passado, já depois de se ter demitido. Entretanto os militares ameaçam entrar nos protestos caso as suas remunerações não acompanhem as dos agentes da PSP e da GNR com quem Pedro Nuno Santos e Montenegro declaram ir negociar quando vencerem as eleições… O maior problema da Administração Interna é agora a própria administração interna: as forças que a deveriam assegurar transmitem-nos uma crescente sensação de insegurança. E os governantes ou candidatos a tal a procurarem não perder a face perante aqueles homens e mulheres que gritam “A polícia unida jamais será vencida!”

Outra das áreas da Administração Interna em que a intervenção governamental gerou o caos é o SEF, ou melhor dizendo o ex-SEF. Quando agora somos confrontados com notícias que dão conta de que “Cerca de 20 requerentes de asilo estão desde domingo a dormir na rua em Lisboa. Vindos da Gâmbia e do Senegal, estão a dormir em frente à Agência para a Integração, Migrações e Asilo como forma de protesto, após terem visto pedido de asilo recusado” ou “Há pouco que a AIMA possa fazer pelas condições em que migrantes dormem no aeroporto” é preciso lembrar como chegámos aqui: mal assumiu a liderança do Governo, António Costa afastou o director do SEF e nomeou uma directora, Luísa Maia Gonçalves, que acabou por ser uma das vítimas da geringonça: mal chamou a atenção para as consequências às alterações à Lei de Estrangeiros, Luísa Maia Gonçalves passou a estar a prazo. Entre essas alterações contava-se o facto de a “promessa de um contrato de trabalho” passar a ser suficiente para obter uma autorização de residência em Portugal e do impedimento de expulsão dos imigrantes que tenham cometido crimes como homicídios, roubos violentos ou tráfico de droga.

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Luísa Maia Gonçalves foi substituída por Carlos Moreira, que por sua vez foi substituído por Cristina Gatões, que por sua vez deu lugar a José Luís do Rosário. A instabilidade do SEF era pública e notória. A morte do ucraniano Ihor Homeniuk nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa foi o pretexto usado para acabar com o SEF que, após vários adiamentos, foi extinto em Outubro de 2023 e teve as suas competências divididas por sete, repito, sete diferentes entidades: PSP; GNR; Polícia Judiciária; Serviço de Estrangeiros e Asilo; Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA); Instituto de Registos e Notariado (IRN) e Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE). Entre a dispersão de serviços e o facilitismo da nova legislação acabou-se a não acolher os imigrantes com dignidade, a confundir requerentes de asilo com imigrantes e a criar situações “descontroladas” como aquelas que agora se registam nas Caldas da Rainha, para onde a AIMA mandou uns requerentes de asilo fugidos não se sabe de que guerras, ou Beja, onde a Câmara Municipal desaloja os imigrantes que se instalaram nos seus edifícios devolutos e muda-lhes as fechaduras (felizmente a autarquia é socialista e os eleitos dividem-se maioritariamente entre o PS e a CDU, pelo que tudo isto acontece sem que os activistas do costume apareçam a dar mostras da sua solidariedade para com os expulsos).

A pasta da Administração Interna foi nos governos de António Costa uma sucessão de figuras improváveis: começou com a constrangedora Constança Urbano de Sousa, sucedeu-lhe o inenarrável Eduardo Cabrita e tivemos até a insólita situação de, entre Dezembro de 2021 e Março de 2022, a ministra da Justiça Francisca Van Dunem ter sido também responsável pela Administração Interna. Finalmente em Março de 2022 chegou José Luís Carneiro que destoa desta lista pelo seu perfil institucional que infelizmente parece estar a perder nesta campanha.

A degradação das questões de segurança e do próprio ministério da Administração Interna é uma consequência dos paradoxos a que nos levou e leva o inibidor da extrema-direita. O inibidor da extrema-direita serve para tudo. Serve para não se perguntar como foi possível o “disparo acidental” que matou uma criança no Bairro Amarelo em Setúbal há poucas semanas. Serve para que não se discuta esse outro país onde as rixas entre grupos rivais acabam aos tiros. Para que não se discuta a legislação sobre imigração. Ou a degradação das condições de trabalho na PSP. Os carros avariados da GNR… Basta que alguém afirme que esses assuntos favorecem a extrema-direita para que logo se passe adiante. Até ao dia em que os problemas que se negaram se impõem na brutalidade de um qualquer facto. Inicialmente esse facto era a ocorrência daquilo que tanto se tinha negado: uma violação, um tiroteio, um arrastão. Agora está-se já noutra fase: depois de anos em que não se discutiu a insegurança para não favorecer a extrema-direita, acabámos não só a ver subir exponencialmente a extrema-direita (dando de barato que o Chega é de extrema-direita) como estamos sem discurso para tratar daquilo que se delimitou como assuntos demarcados da extrema-direita e que na verdade são assuntos que afectam a vida de todos. A falsa sensação de segurança deu lugar a uma crescente sensação de insegurança.