Hong Kong, 1997: pela primeira vez, um ser humano é infetado pelo vírus H5N1, também conhecido como Gripe das Aves. Resultaram 18 casos de doença em humanos, mas os alarmes soaram por todo o planeta: pandemia à vista. Dois anos decorridos e outro cenário: México, e um novo surto de gripe. Desta vez, o H1N1, a gripe suína que acabou por ser rebatizada Gripe A pela Organização Mundial de Saúde (OMS), era uma estirpe viral de propagação muito rápida. A OMS declarou, sucessivamente, as várias fases de pandemia, aumentando os níveis até ao 4, a 27 de abril de 2009. Passados dois dias, veio a fase 5 e, a 11 de junho, a classificação do nível máximo de ameaça pandémica: fase 6.

Sendo que os três primeiros níveis correspondem a monitorizações e níveis de expansão relativamente controlados, a fase 4 assinala a transmissão entre pessoas; a 5, surtos entre humanos em dois ou mais países; e o nível máximo, a fase 6, assinala surtos continuados do mesmo vírus em mais do que uma região ou país. A Gripe A afetou todo o Continente Norte-Americano (México, EUA e Canadá) e, logo depois, a Espanha e o Reino Unido. Em poucas semanas propagou-se a todos os continentes, atingindo Portugal ainda no mesmo ano. Como é característico das pandemias, depressa surgiu e depressa desapareceu. A 10 de agosto de 2010, 16 meses depois, a OMS declara o fim do período pandémico da Gripe A.

Como é habitual, a agenda mediática orienta o foco para outros temas quando não existem surtos significativos, ou quando estes se mantêm nos níveis mais baixos dos observatórios internacionais de monitorização de pandemias.

Mas foram apenas quatro anos de paz viral, já que no dia 7 de agosto de 2104, a OMS decreta o estado de emergência sanitária pela terceira vez no espaço de 54 anos (antes da Gripe A, houve um surto pandémico de Poliomielite, na década de 1960). Estamos perante um dos surtos da estirpe mais violenta do vírus ébola, o Ebolavirus do Zaire. Foi na República Democrática do Congo que o vírus foi identificado, em 1976, e recebeu o nome do rio que banhava a localidade onde surgiu. Passados trinta anos, existem cinco novos vírus do género Ebolavirus, sendo que apenas quatro causam febre hemorrágica em humanos. O mais recente surto é o mais violento e mortífero da família.

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Os números dizem tudo: entre 1976 e 2012, dos 2387 casos registados, houve 1590 mortes. Já entre 2014 e 2015, na África Ocidental, foram contabilizados 24872 casos, dos quais resultaram 10311 mortes! Estes números, aliados ao contágio de médicos, enfermeiros e profissionais de saúde de países não africanos, fizeram novamente soar os alarmes da pandemia. Houve casos registados em diversos países da América e Europa: Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Noruega, Reino Unido e Suíça.

No entanto, dadas as características do seu modo de contágio (não se dissemina pelo ar e até no contacto direto é mais limitado do que os vírus gripais, por exemplo), a epidemia de Ebolavirus não atingiu a classificação nem as proporções de uma pandemia. Mais uma vez, o pico de incidência foi pouco duradouro. Atualmente, os países mais afetados são a Serra Leoa, a Libéria e a Guiné Conacri, sendo que neste último os dados declarados de novos casos virais situam-se nos três por semana, e todos eles estão sob controlo sanitário e tratamento médico.

Se o Ebolavirus não se tornou pandémico, o lastro de milhares de mortos e as histórias singulares de pessoas que regressaram aos seus países infetadas criaram um outro tipo de vírus, esse sim pandémico: o medo. O padre espanhol Miguel Pajares acabou por falecer em solo europeu. O recente caso da enfermeira britânica Pauline Cafferkey, que está atualmente internada numa unidade de isolamento do Royal Free Hospital, em Londres, continua a dar que falar. E dos Estados Unidos chegam-nos agora os relatos na primeira pessoa do médico Kent Brantly, sobrevivente do Ébola, que esteve mais de um mês internado no C.D.C. – Centers for Disease Control and Prevention, em Atlanta.

O documentário Lutar contra a Pandemia é o primeiro episódio da nova série Breakthrough que o canal National Geographic Channel (NGC) vai transmitir no próximo sábado. Neste trabalho do realizador Peter Berg, com a assinatura da NG, podemos perceber de que forma os cientistas de todo o mundo se estão a unir para prevenir pandemias criadas por vírus cuja existência ainda desconhecemos – e talvez consigam apaziguar um medo que pode parecer recente mas que tem as suas raízes bem plantadas na história da nossa civilização.

Os horrores da Peste Negra, retratados no mítico O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, onde uma família de comediantes itinerantes se salva da peste bubónica fugindo de uma morte anunciada que colhia hereges, pecadores e inocentes, ou o filme Epidemic, do polémico realizador Lars Von Trier, que abordava a temática das pandemias, epidemias e do fim do mundo, despertam imagens apocalípticas que regressam sempre que uma nova estirpe viral é identificada pela comunidade científica.

São muitos os blockbusters com esta temática, mais ou menos catastrofistas, em que as visões do fim do mundo, se não são provocadas por asteroides, guerras nucleares e cataclismos ambientais, ocorrem por via de grandes epidemias, onde o fantasma da reclusão e do confinamento pela lei marcial nunca consegue ultrapassar a violência dos sobreviventes mortos-vivos inevitavelmente canibais.

Como sempre, a ficção bebe na história o seu alimento, e neste caso, nos mortíferos surtos de gripe e de peste que assolaram a Europa e o mundo em tempos passados. Basta invocar nomes como a cólera, a varíola, a sífilis ou, já no século XX, a gripe espanhola que matou entre 25 a 50 milhões de pessoas no espaço de dois anos (1917 e 1918) para pensarmos como poderá a ciência e a medicina evitar novas catástrofes pandémicas.

Em 1947, o escritor francês Albert Camus, prémio Nobel de literatura, escreveu no seu livro A Peste: «sabia que esta multidão eufórica ignorava que o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca. Pode perdurar durante anos adormecido nos móveis e nas roupas, aguarda pacientemente em quartos fechados, nas caves, nos baús, nos lenços e na papelada. E talvez chegue o dia em que, para malogro e ensinamento dos homens, a peste volte a despertar os seus ratos e torne a enviá-los morrer numa qualquer cidade feliz».

Erradicar o medo poderá não erradicar as pandemias, mas o contrário talvez. A luta contra as epidemias virais passa por prever os surtos, delimitar as zonas de contágio, criar tratamentos retrovirais em tempo útil para salvar vidas; desenvolver trabalho laboratorial com vírus antigos e criar vacinas como método preventivo de novos surtos de estirpes já conhecidas. A existência de observatórios que emitem os primeiros sinais de alerta e o desenvolvimento de políticas de comunicação e informação sobre hábitos de higiene e sanitários à escala mundial estão já em marcha. Talvez possamos um dia ver filmes apocalípticos, ler Camus e dormir tranquilos.

Breakthrough: Lutar Contra a Pandemia

National Geographic Channel – Domingo, 8 de novembro às 22h30