É uma espécie de Orçamento sombra: não está em cima da mesa, mas é como se estivesse. Nestes dois dias de discussão sobre o Orçamento do Estado para 2016, e perante o ataque cerrado de sociais-democratas e centristas, o PS e os parceiros parlamentares cerram os dentes e dão vivas por não ter de discutir outro Orçamento com a marca de água de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Um Orçamento que, diz a esquerda, ia perpetuar o empobrecimento do país e dos portugueses. Mas, como seria o Orçamento de PSD e CDS?

  • Reposição de rendimentos. Sobretaxa, salários e CES. Uma questão de ritmo

Olhando para o programa eleitoral da então coligação Portugal à Frente, salta à vista uma diferença de maior em relação às contas socialistas – uma variação, de resto, assumida por sociais-democratas e centristas. Concordam que era urgente devolver os rendimentos aos portugueses, mas preferiam um caminho mais gradual.

PSD e CDS, por exemplo, defendiam o fim gradual da sobretaxa no IRS em quatro anos – o PS, depois de chegar a acordo com Bloco de Esquerda e PCP, vai acabar com esta medida extraordinária já em 2017.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A extinta coligação propunha também a reversão dos cortes salariais dos funcionários públicos em pelo menos 20% por ano – o Governo socialista vai fazê-lo já em 2016, de forma trimestral.

Os três partidos acabam por estar de acordo quanto à redução de 50% Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) – a esquerda definia o fim imediato da medida. Na votação do diploma, PSD e CDS juntaram-se aos socialistas e aprovaram a proposta.

  • Poupança de 600 milhões nas pensões:

O Governo anterior comprometeu-se com Bruxelas em abril do ano passado a conseguir poupanças na Segurança Social no valor de 600 milhões de euros. Acusado pela esquerda de querer fazer cortes, tanto PSD, como CDS, respondiam que esse valor não implicava necessariamente cortes mas, por exemplo, novas fontes de receitas. Mais tarde, na apresentação do programa eleitoral da coligação e no programa de Governo, não apareceu nenhuma medida deste tipo, mas o compromisso com Bruxelas não podia ser deixado cair.

  • Reforma e contrarreforma do IRC:

Outro tema que separou (e separa) os dois blocos parlamentares: PSD e CDS queriam reduzir IRC dos atuais 21% para 20% em 2016 até chegar aos 17% em 2019 – uma reforma acordada, de resto, com António José Seguro, então líder socialista. O Governo socialista, de resto, optou por manter a taxa do IRC nos 21%.

  • Salário Mínimo Nacional:

Apesar de não constar no programa de Governo da coligação Portugal à Frente, PSD e CDS aceitaram, durante a curta ronda de negociações como o PS, aumentar o salário mínimo nacional em função da produtividade. Falhadas as conversações, e já com António Costa como primeiro-ministro, o Governo socialista aprovaria o aumento do salário mínimo para os 530 euros. O compromisso do PSD e CDS era o de levar o assunto à concertação social.

  • Quociente familiar:

Foi uma das reformas introduzidas no Orçamento do Estado para 2015. No programa da coligação, PSD e CDS defendiam o aumento do quociente familiar de 0,3% para 0,4% em 2016 e 0,5% em 2017. O PS, que sempre criticou esta reforma, reverteu a medida e repôs o regime anterior. Agora, este Orçamento prevê o aumento das deduções fixas por filho e por ascendente a cargo.

  • Impostos indiretos:

Para equilibrar as contas, o Governo socialista mexeu nos impostos diretos, nomeadamente nos impostos sobre Veículos (ISV), sobre Produtos Petrolíferos (ISP), em seis cêntimos na gasolina e no gasóleo, sobre o Tabaco (IT) e sobre as Bebidas Alcoólicas (IABA). O programa conjunto de sociais-democratas e centristas não falava em aumento de impostos.

  • Aumento das pensões mínimas, sociais e rurais:

Sociais-democratas e centristas propunham-se a aumentar as pensões mínimas, sociais e rurais – as pensões mais baixas, portanto. O Governo socialista, no entanto, preferiu optar pelo alargamento das pensões a atualizar. Na prática, como escreveu o Observador, o aumento das pensões é na verdade de apenas 0,3% e abrange quem recebe até 628,8 euros, porque a lei – desenhada pelo Governo de José Sócrates – determina que em caso de baixa inflação e fraco crescimento, apenas estas pensões são aumentadas.

PSD e CDS vieram, mais tarde, criticar esta medida, argumentando que esta atualização acaba por prejudicar os pensionistas com pensões mais baixas (as mínimas, sociais e rurais) porque o descongelamento fica aquém do valor da inflação.

  • Redução da TSU para trabalhadores:

Este seria, também, um dos pontos de divergência entre este Orçamento e o Orçamento sombra. O Governo socialista aprovou a redução da Taxa Social Única paga pelos trabalhadores com salários brutos iguais ou inferiores a 600 euros mensais deverá avançar já no próximo Orçamento do Estado. Sociais-democratas e centristas não propunham este caminho.

  • Redução no IVA da restauração:

Era uma das grandes bandeiras dos socialistas e António Costa avançou mesmo para a redução do IVA na restauração dos atuais 23% para 13%. A medida, no entanto, vai ser aplicada de forma progressiva – primeiro, a 85% (alimentação e algumas bebidas), depois, aos 15% (restantes bebidas).

PSD e CDS não contemplavam esta hipótese no programa da coligação, mas, quando se sentaram à mesa das negociações com os socialistas, admitiram ceder nessa matéria. Era um dos pontos que fazia parte do “documento facilitador de um compromisso” apresentado pela PàF ao PS.

  • IMI sem travão:

A cláusula travão que impedia aumentos de IMI superiores a 75 euros esteve em vigor, mas tinha sido deixada cair pela anterior maioria.

Ao Observador, a deputada do CDS, Cecília Meireles argumenta que a esquerda quer discutir o que seria o orçamento da direita porque “não quer ser chamado à responsabilidade de discutir o que está a aprovar”. “A nossa alternativa é o gradualismo”, explica, referindo-se ao ritmo de devolução de salários e pensões.

Segundo Cecília Meireles, a esquerda é que “prometeu uma coisa ao eleitorado e fez outra”. Os compromissos do PSD/CDS são os que estão no programa eleitoral, sublinha.

António Leitão Amaro, deputado do PSD, remete para as declarações de Pedro Passos Coelho no encerramento das jornadas parlamentares. Nessa altura, o ex-primeiro-ministro sublinhou que o PSD era o único partido “gradualista” e “reformista”.