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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Todos os nomes. O que este Orçamento já ouviu

Irrealista, imprudente, artificial. O plano já teve vários nomes, mas o perigo é que venha a chamar-se "chumbado". Aí, também a dívida pública ganhará um nome - "lixo" - e o país arrisca novo resgate.

“Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens.”
José Saramago, Todos os Nomes

Esboço do Orçamento de Estado para 2016 foi o nome que o governo deu ao documento enviado a Bruxelas a 22 de janeiro. Desde então – antes, mesmo, na verdade – o documento já teve muitos outros nomes. “Irrealista“, chamou-lhe a Fitch, “pouco prudente“, disse o Conselho das Finanças Públicas, “uma ficção digna de um Óscar“, apontou Assunção Cristas. Mais palavrosa, a Comissão Europeia indagou sobre “as razões por que o governo planeia uma alteração do saldo estrutural muito inferior ao ajustamento recomendado pelo Conselho”. Bruxelas está intransigente nesta negociação, mas da Comissão Europeia o esboço não recebeu, ainda, o nome chumbado. Se isso acontecer, outro nome – lixo – pode ser imediatamente dado pela DBRS, a única agência de rating que segura a dívida pública e os bancos portugueses no BCE. E que, por isso, separa o País de um novo resgate.

Todos estes nomes dados ao plano orçamental fizeram as manchetes da imprensa na última dezena de dias. No sábado, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, criticou o governo por apresentar uma “proposta [orçamental] que não merece o crédito de nenhuma entidade nacional e internacional” e por estar a agir de forma “displicente” e a trazer para o país “instabilidade e incerteza”. Às críticas, o governo respondeu com mensagens de tranquilidade e António Costa disse que “não há razão para estarmos particularmente apoquentados” com um processo que “não é político, é técnico”.

O governo não tem dúvidas de que a negociação com a Comissão Europeia será concluída – favoravelmente, claro – antes do Conselho de Ministros da próxima quinta.

Além do governo, quem passou publicamente uma mensagem de tranquilidade foram os banqueiros. Numa conferência de imprensa em que as circunstâncias da compra do Banif foram o tema-chave, o presidente do Santander Totta, António Vieira Monteiro, garantiu ter “confiança na execução orçamental” e confiou que “teremos um Orçamento que corresponderá às necessidades do país”. Outro banqueiro, Fernando Ulrich, não se alongou, desta vez, em comentários. Mas o presidente-executivo do BPI não deu sinais de maior intranquilidade em comparação com o que dissera uns meses antes, quando comentava as críticas à formação deste governo socialista apoiado pelos partidos à esquerda: “Portugal e Cuba? Em comum, que eu saiba, só têm as praias ótimas”. Veremos esta segunda-feira, na apresentação de resultados anuais do BCP, se Nuno Amado afina pelo mesmo diapasão que Vieira Monteiro e Ulrich.

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O presidente do Santander Totta, António Vieira Monteiro, mostrou-se tranquilo e confiante de que não faltará um acordo com Bruxelas com vista a um Orçamento que "corresponda às necessidades do país

LUSA

O governo não tem dúvidas de que a negociação com a Comissão Europeia será concluída – favoravelmente, claro – antes do Conselho de Ministros da próxima quinta-feira, noticiou este domingo o Público. O que os socialistas têm como certo é que esta negociação, dê por onde der, não levará a um plano orçamental a que alguém possa dar o nome de recuo ou cedência em toda a linha a Bruxelas. Fonte do governo disse no sábado ao Expresso que o plano orçamental que vier a ser acordado não será “algo que permita que as pessoas digam que o Governo foi posto na ordem por Bruxelas ou que não conseguiu virar a página da austeridade”. Nem será um plano orçamental que desrespeite os compromissos com a esquerda, garantem os socialistas.

Com a troika de credores em Lisboa por estes dias, para uma missão de monitorização pós-programa, o esboço de orçamento para 2016 enviado para Bruxelas já recebeu muitos outros nomes. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) disse que algumas medidas “melhoram artificialmente o esforço orçamental”. Em causa está a contabilização como “medidas extraordinárias” das reversões de algumas medidas de austeridade. Só essa contabilística errada, segundo a UTAO, permite falar numa redução do défice estrutural – a tal diminuição de 0,2% vista como insuficiente por Bruxelas – e não naquilo que existe na realidade, também segundo a UTAO, que é um aumento do défice estrutural.

O Observador conversou na última semana com o estrategos de um grande banco de investimento europeu que aproveitou uma conferência em Lisboa para tentar perceber, in loco, "what all the fuss is about".

Entre análises mais ou menos técnicas, o plano orçamental foi, desde logo, chamado de “pouco prudente” pela equipa de Teodora Cardoso no Conselho das Finanças Públicas (CFP). Num parecer pedido por António Costa, que foi anexado ao plano, os economistas do CFP questionaram os pressupostos macroeconómicos em que o plano orçamental assenta. E bem explícita ficou, também, a apreensão face ao modelo de estímulo ao consumo advogado pelos socialistas e vertido no esboço orçamental. Uma apreensão que, de resto, Teodora Cardoso já tinha manifestado em maio do ano passado, quando disse que “políticas de estímulo à procura interna já mostraram, no passado, a sua ineficácia”. Quase meio ano depois, já depois das eleições, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, alertava, no mesmo sentido, que “todos os erros de política económica que se fizerem agora vão ser pagos em dois, três ou cinco anos, mas com muito mais dor”.

Quanto mais de perto vejo o que se está a passar, mais desconfortável me sinto”

dor já começa a notar-se nos mercados financeiros, que são um fórum de incessante tentativa de adivinhação de tendências futuras nas economias, nos resultados das empresas e no risco dos créditos. Os grandes e os pequenos investidores, que com as suas compras e vendas fazem mexer os mercados, ouvem de perto os frutos da pesquisa dos chamados estrategos de investimento, ou seja, os analistas dos bancos e corretoras.

O Observador conversou na última semana com um destes estrategos de um grande banco de investimento europeu que aproveitou uma conferência em Lisboa para tentar perceber, in loco, “what all the fuss is about”. E, depois das reuniões que teve na capital portuguesa, diz que já compreendeu melhor a origem do “fuss“, isto é, dos relatórios alarmantes que têm sido escritos sobre Portugal – o mais marcante dos quais realizado pelos economistas do gigante Commerzbank, que deu a Portugal o nome de “nova (velha) criança problemática da zona euro”.

“Quanto mais de perto vejo o que se está a passar, mais desconfortável me sinto”, confessou este estratego com quem o Observador conversou em Lisboa a meio da última semana. “Sendo franco, não estou convencido de que tudo isto levará a que, um dia, Portugal reestruture a sua dívida e imponha perdas aos investidores que emprestaram ao país. Ou seja, numa perspetiva de comprar títulos de dívida portuguesa e guardá-los até ao fim, ainda me sinto razoavelmente seguro. Mas boa parte da negociação nos mercados é feita por investidores de mais curto prazo – sobretudo no caso de Portugal – pelo que é elevado o potencial para uma grande volatilidade nos próximos tempos”, diz o especialista, notando que isso tornará mais caro o novo endividamento que o Tesouro português vai buscar ao mercado. Como, aliás, já está a acontecer, apesar de o BCE ter, mais uma vez, indicado que deverá reforçar os estímulos monetários na zona euro.

Risco da dívida portuguesa está a subir

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A taxa de juro a que Portugal se financia a longo prazo continua em níveis “geríveis”, perto dos 3%, mas isso esconde a crescente diferença em relação à dívida “sem risco” europeia, a alemã

É certo que Portugal continua a financiar-se a taxas absolutas que, historicamente, podem ser consideradas “geríveis” – na ordem dos 3% a 10 anos. Mas essa taxa absoluta esconde um claro agravamento do risco de Portugal nos mercados nas últimas semanas, já que os juros de outros países – como a Alemanha mas não só – estão a cair devido às expectativas de mais estímulos monetários e de inflação baixa na zona euro.

E porquê a subida do risco português? Uma outra notícia que o Expresso publicou este sábado, também citando uma fonte do governo socialista, explicava a maior perceção de risco da seguinte forma: “O caso do Novo Banco é o que está a dar mais problemas na nossa imagem, foi o que mais nos fragilizou lá fora, e não o Orçamento do Estado ou o facto de termos um governo apoiado por comunistas e bloquistas”.

David Schnautz, do Commerzbank, aponta o dedo "à marcha-atrás que o governo está a fazer, comparativamente às políticas que estavam a ser seguidas e que eram do agrado dos investidores e das agências de rating".

Será assim? Será culpa da decisão polémica do Banco de Portugal de impôr perdas aos detentores de alguma dívida senior no Novo Banco? Por envolver grandes investidores mundiais com via aberta para as colunas de opinião no Financial Times, o estratego ouvido pelo Observador diz que esse caso teve, de facto, o condão de colocar Portugal nas bocas do mundo financeiro, pelas más razões. Mas esse não é o único fator — poderá nem ser o principal — que explica porque é que, quando se fala na prestação da dívida pública portuguesa nos mercados, o prémio de risco (medido pela diferença face aos juros alemães) subiu de cerca de 170 pontos base (um ponto percentual e meio) no dia a seguir às eleições – 5 de outubro, quando se acreditava na continuidade – para mais de 260 pontos base nos últimos dias.

Mau timing pode agravar “círculo vicioso” nos mercados

Na sequência do relatório publicado pelos economistas do Commerzbank, e para perceber melhor o agravamento do risco de Portugal, questionámos um estratego de mercados desse mesmo banco, que a partir da City londrina há vários anos segue Portugal bem de perto: um alemão chamado David Schnautz. Para este especialista, o que está em causa, quando se fala em juros da dívida pública, pode ser resumido da seguinte forma: com a China em crise e a Reserva Federal dos EUA a subir a taxa de juro, Portugal escolheu uma péssima altura nos mercados internacionais para lançar dúvidas sobre o equilíbrio das contas públicas e a reforma estrutural da economia, sobretudo ao mesmo tempo que anuncia que vai querer emitir mais dívida do que o previsto e que vai abrandar os reembolsos ao FMI.

“Os mercados internacionais estão nervosos. Os investidores estão, neste momento, mais atentos aos riscos do que às oportunidades, o que cria um contexto pouco favorável para Portugal”, diz David Schnautz, diretor de pesquisa em taxas de juro europeias no Commerzbank. O especialista aponta o dedo “à marcha-atrás que o novo governo está a fazer, comparativamente às políticas que estavam a ser seguidas e que eram do agrado dos investidores e das agências de rating“.

Apesar de se acreditar que o programa de compras do BCE irá, de certa forma, “neutralizar” os montantes de nova dívida que o governo quer emitir este ano, “Portugal indicou ao mercado necessidades de financiamento consideráveis — 14 mil milhões de euros, em termos brutos, segundo o IGCP. Isto é uma questão-chave, porque vender toda esta dívida sem o BCE a absorvê-la, indiretamente, seria uma tarefa muito difícil“. Muito difícil porque Portugal continua a ter apenas um rating acima da categoria junk (lixo) que é, no fundo, uma indicação das agências de que se trata de um investimento arriscado, portanto apenas recomendado aos mais especulativos e não aos mais conservadores, como os fundos de pensões e as seguradoras. Será impossível, diz David Schnautz, se até esse derradeiro rating acima de lixo, atribuído pela agência canadiana DBRS, caircomo a própria ameaçou na última sexta-feira.

dbrs

“É inacreditável que os destinos de Portugal estejam nas mãos de uma pequena agência de ‘rating’ como a DBRS”, diz David Schnautz

De todos os nomes que este plano orçamental já teve, discutivelmente os mais preocupantes chegaram à hora de almoço de sexta-feira, pela mão da agência de rating DBRS. O plano orçamental é algo que está a levar à “monitorização” mais apertada do que se passa em Portugal, por parte de uma agência de notação financeira que em meados de novembro se mostrava tranquila em relação à entrada em funções do novo governo – tanto que manteve o rating acima de lixo e continuou a atribuir uma perspetiva estável a esse mesmo rating. Na altura, como a DBRS disse ao Observador, um telefonema de Mário Centeno a garantir o empenho no equilíbrio das contas foi “muito importante” para ambas as decisões.

Ainda faltam três meses para a próxima data prevista para a atualização do rating da DBRS – 29 de abril – mas as regras europeias não impedem a agência de, a qualquer momento, fazer alterações.

O comunicado emitido na sexta-feira por esta agência de rating, cuja importância explicámos em maior profundidade neste Especialparece indicar que a DBRS, recordando esse telefonema e olhando para o esboço orçamental, está a ficar preocupada. Para a DBRS, o ajustamento orçamental previsto é “modesto” e a taxa de crescimento de 2,1% para 2016 é “otimista”. O que torna a execução orçamental “ambiciosa”. O mais preocupante para a agência, e para os investidores de um modo geral, é que possa haver um conflito mais evidente entre Bruxelas e o governo português.

Ainda faltam três meses para a próxima data prevista para a atualização do rating da DBRS – 29 de abril – mas as regras europeias não impedem a agência de, a qualquer momento, mudar o rating ou, pelo menos, a perspetiva de estável para negativa. Se isso acontecer ou, melhor, se os investidores acharem que isso está iminente, “os títulos de dívida de Portugal vão ficar sob forte pressão de venda nos mercados”, receia David Schnautz. “Se os juros começarem a subir, por sua vez isso aumentará a pressão sobre a DBRS para cortar o rating, pelo que pode desencadear-se um círculo vicioso” na dívida portuguesa que, como disse o Commerzbank há duas semanas, culminará, provavelmente, com um novo resgate que assegure que não é interrompido o financiamento do Estado e dos bancos portugueses.

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