A intervenção de Cavaco Silva na universidade de verão do PSD teve o condão de agitar as águas e provocar ondas de apoio e de revolta.

Primeiro, porque Cavaco Silva é uma figura marcante na política portuguesa pós-25 de Abril, pois foi o único político a obter cinco maiorias, quatro delas absolutas. Uma realidade que a esquerda gosta de omitir, talvez porque não compreenda a razão de os eleitores terem colocado a esperança numa personalidade a quem não reconhece carisma.

Segundo, porque Cavaco Silva está a viver aquela que é habitualmente designada como a fase da justificação. Daí a necessidade de chamar à colação a obra feita pela sua geração. Por isso, a avaliação negativa de tudo aquilo que não se enquadra no modelo. Uma posição que, no entanto, não equaciona devidamente a responsabilidade própria na produção do atual modelo. O neoliberalismo repressivo não foi solução. Foi problema.

Uma avaliação que, a nível interno, visou a solução governativa – que viabilizou com indisfarçável contrariedade – e a forma como o seu sucessor, Marcelo Rebelo de Sousa, está a desempenhar o cargo. A “presidência dos afetos” percecionada como “presidência da verborreia”.

Uma situação previsível. Cavaco Silva não esquece que, enquanto líder social-democrata, a sua vitória sobre Marcelo foi por goleada. Por isso, considera que o elevado nível de popularidade do atual presidente será transitório. A realidade irá impor a sua lei. A palavra presidencial será atingida pela fadiga dos metais. O excesso de uso vai sentir-se quando a palavra de Belém fizer falta.

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Até agora, a vida presidencial tem sido facilitada. A coexistência pacífica tem funcionado. A geringonça, contra o que era previsível, está a aguentar-se bem. As sondagens são um bom conta-quilómetros. O próximo orçamento voltará a ser aprovado sem problemas de maior. Umas quantas reivindicações por parte dos apoiantes. As possíveis para que a geringonça não descarrile.

Só que as nuvens cinzentas começam a anunciar-se. Dois – que no fundo são só um – dos apoiantes da solução governativa parecem revelar sinais de cansaço. A contestação social ameaça subir de tom: enfermeiros, professores, juízes…

Tudo isto sem contar com a greve na Autoeuropa. Uma paragem que não foi bem vista por muitos portugueses. A solidariedade para com os grevistas trocada pela perplexidade e pela preocupação.

E como reagiu Marcelo às palavras de Cavaco? Com uma posição de estadista. Exigiu respeito. Um direito que lhe assiste. O mea culpa totalmente fora de questão. O reafirmar da certeza – um ponto em comum com Cavaco – de que tem razão no caminho traçado. Há que fazer estrada!

Por isso, logo no primeiro dia de Setembro, Marcelo reassumiu que só daqui a três anos é que irá tomar a decisão sobre a recandidatura a Belém. Pronto! Está dito e não se fala mais nisso. Até para que Cavaco Silva não disponha de motivos para insistir na questão da verborreia.

Assim sendo, os jornalistas estão dispensados de questionar o Presidente da República sobre o assunto. Não vale a pena incomodá-lo e desviar a sua atenção. Cada segundo conta. A pilha de assuntos que preenche a sua agenda é gigantesca. Os quilómetros quase dantescos. Um Presidente estradista. Sempre em deslocação. Mesmo dispensando a autorização necessária. A urgência como justificação. A perda de mandato como sentença se a Constituição fosse cumprida. Não foi. Os afetos dão para tudo!

Como Marcelo fez questão de frisar, nos dias de hoje um mandato de cinco anos corresponde a dez ou quinze anos de outros tempos. Assim sendo, há que guardar energias para o essencial. Que, para ele, é quase tudo.

Verdade que o Presidente não se sente cansado, apesar dos acidentes naturais e a incúria – oficial e particular – terem encurtado as férias na praia. Uma bênção de Deus. A energia presidencial, bem entendido.

Porém, convirá não abusar. Marcelo, muito a contragosto, já entrou na terceira idade. É claro que, devido aos progressos da medicina, os setenta anos que irá completar em dezembro também não são os setenta anos de há quarenta anos.

Marcelo tem pressa de viver, mas não quer que a vida passe depressa. Quando a vida conhece acalmia, falta-lhe adrenalina. Precisa de criar cenários. Suscitar a discussão. Foi o que aconteceu no primeiro dia de setembro. Matéria a que voltará. Repetidamente. Até que quase nenhum – nem Cristo agradou a todos! – português tenha dúvidas sobre a urgência de Marcelo continuar em Belém.

Uma tarefa desnecessária. A recandidatura presidencial tem sido uma constante. Nenhum Presidente quebrou a regra. Marcelo não será o primeiro. A decisão está tomada. Todas as palavras – incluindo estas e as do próprio – sobre a questão não passam de verborreia.