1. Janeiro: Trump é empossado como Presidente dos Estados Unidos
A incerteza sobre as políticas que serão implementadas pelo novo presidente e a sua equipa é enorme, possivelmente a maior das diferentes fases de transição das últimas décadas. Do ponto de vista da economia internacional, esta administração parece apostada em reduzir as relações comerciais com vários parceiros que eram até agora considerados estratégicos, recuando em dois tratados comerciais com a União Europeia (TTIP) e com países do Pacífico (Trans Pacific Partnership). Politicamente, o Presidente Trump está a fazer uma viragem importante, afastando-se por exemplo da China, da Europa, dos países vizinhos e aproximando-se da Rússia. Estas mudanças podem definir uma era muito diferente da ordem mundial com consequências que não são ainda muito claras mas que irão certamente marcar mais do que apenas o ano de 2017.

2. 1º trimestre: recapitalização da CGD
A recapitalização que era aparentemente muito urgente em meados de 2016 foi afinal adiada para 2017. Para além do mais, as notícias deste princípio do ano sobre o facto de as imparidades que possam existir na Caixa não serem diferentes dos outros bancos nacionais ou europeus e, por admissão do próprio António Domingues, não colocarem os rácios de capital em risco, demonstra que a exigência de uma recapitalização da ordem dos 5 mil milhões de euros é no mínimo desproporcionada. Num cenário de financiamento que se está a agravar, pode até ser contraproducente.

Com efeito, neste momento, o apetite pela dívida pública portuguesa atingiu mínimos dos últimos anos, tendo os juros subido nestes primeiros dias de janeiro para mais de 4%, o que pode comprometer a emissão de obrigações perpétuas que faz parte do plano de recapitalização da CGD. Ora, se a Caixa falhar o teste de mercado, isso pode pôr em causa a parte pública da recapitalização, que, nestas circunstâncias, poderia eventualmente vir a ser considerada pela Comissão Europeia como ajuda de Estado, com consequências imprevisíveis para o setor bancário e para as contas do Estado.

3. 1º trimestre: resgate Monte dei Paschi di Siena
Depois de uma tentativa mais ou menos falhada de criar um bad bank em Itália para todo o setor financeiro e perante a incapacidade de vender a privados o Monte dei Paschi, banco atualmente mais problemático em Itália, no final do ano foi finalmente acordado um resgate público para aquele que é também um dos bancos mais antigos da Europa. A forma como se realizará este resgate, com o novo enquadramento para o setor bancário, será um exemplo incontornável para problemas futuros na banca. E não é de todo seguro que os problemas da banca italiana fiquem por aqui.

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Existem duas questões especialmente importantes nesta operação. Em primeiro lugar o montante do resgate: o BCE estimou no final do ano que as necessidades de capital serão de 8,8 mil milhões de euros, quando os mercados esperavam um resgate de 5 mil milhões. Esta situação pode deteriorar-se ainda mais porque há notícias de fugas de depósitos do banco. O Governo italiano vai anunciando que prevê um resgate de 6,5 mil milhões. Em segundo lugar, o custo da operação em termos de bail-in, isto é, participação no resgate de obrigacionistas e de depositantes. O Governo está a tentar negociar um resgate no âmbito de uma recapitalização de precaução, prevista no enquadramento da União Bancária, quando a falta de capital resulta do cenário mais adverso dos testes de stress. Isso permitiria evitar o processo standard de resolução do novo regime de resolução bancária, que obriga a um bail-in de 8% dos ativos antes da entrada de dinheiros públicos, afetando apenas acionistas e obrigacionistas subordinados.

O sucesso ou falhanço deste resgate é o primeiro teste importante à solidez da União Bancária, que está ainda incompleta por faltar o mecanismo europeu de garantia de depósitos.

4. Março 2017: Reino Unido aciona artigo 50 do Tratado
Decisão inédita nos últimos cinquenta anos, após vagas sucessivas de alargamento, o Reino Unido vai inaugurar o processo de “estreitamento” da União Europeia. Inaugurar não é uma expressão inocente, porque esta decisão pode ter impacto em outros países mais renitentes com a UE. É muito pouco claro por enquanto qual é a preferência do Governo britânico, que continua a demonstrar posições diferentes, que vão de um corte bastante radical com a UE a uma forma mais suave que implica pagamentos à UE, acesso ao mercado único e até possivelmente alguns privilégios para a circulação de cidadãos da UE. A própria data limite anunciada no ano passado pela primeira-ministra Theresa May para acionar o artigo 50 pode falhar, dependendo da decisão judicial em curso ou até da dificuldade do Governo de definir uma estratégia.

Para além da ausência de posição clara do Reino Unido, tem sido difícil manter equipas negociais estáveis, sendo a notícia mais recente da demissão do embaixador do Reino Unido na UE demonstrativa das dificuldades deste dossier para a Europa.

5. 1º semestre: a reconstrução da Síria
O grupo terrorista ISIS poderá perder Raqqa, a mais importante e última cidade sob o seu controlo, nos próximos meses devido aos ataques da coligação das forças do Governo Sírio e da Rússia. Politicamente, o pós-guerra deverá resultar na permanência do atual Presidente, apoiado pela Rússia, ainda com grandes incertezas sobre a posição dos Estados Unidos. Do ponto de vista humanitário e económico, é urgente estabilizar o país para reduzir o êxodo das populações civis que tem sido tamponado pela Turquia. O papel da UE na reconstrução seria fundamental, até pelo interesse muito específico que tem na estabilização do país. No entanto, as primeiras declarações sobre este tema sugerem que a UE só intervirá quando houver uma situação política estável na Síria, o que neste momento está muito longe de acontecer.

6. Abril/ Maio: eleições para o Presidente francês
Hollande ganhou as eleições há cinco anos, apresentando-se como um Presidente “normal” depois do exuberante Sarkozy. Mas não cumpriu essa promessa. Desde a sua situação pessoal que foi escarrapachada nos jornais, às declarações inusitadas que fez num livro publicado no ano passado intitulado, apropriadamente, Un Président ne devrait pas dire ça, à sua tentativa falhada de reforçar o crescimento francês, sem capacidade para dar uma resposta coerente e sustentada ao problema da imigração muçulmana e à intensificação do terrorismo. Não é por isso surpreendente que seja o Presidente francês com menos popularidade de sempre, o que resultou na decisão, também inédita, de não se candidatar a um segundo mandato em 2017.

Neste momento os candidatos já estão praticamente definidos. As primárias à direita resultaram na vitória de Fillon, conservador nos costumes e mais liberal na economia. No Partido Socialista, Manuel Valls, o primeiro-ministro tentativamente reformador de Hollande, espera ganhar as primárias mas, entre os votos de esquerda, tem uma concorrência bastante relevante na candidatura independente de Macron, que foi seu ministro, e que se apresenta ao centro. Finalmente, na extrema-direita populista, o Front Nacional de Marine Le Pen tem ganho terreno nos últimos anos, obtendo um resultado significativo nas eleições regionais, com 28% dos votos, o partido mais votado nessas eleições.

O sistema político francês, com duas voltas para a eleição presidencial, significa que é muito improvável que Marine Le Pen ganhe a Presidência, já que, ainda que ela seja a pessoa mais votada na primeira volta, é provável que os restantes candidatos unam forças para derrotá-la na segunda. Ainda assim, depois das eleições na Áustria, a emergência da extrema-direita populista sob um véu de normalidade democrática é uma mudança perigosa na Europa.

7. Agosto: Eleições em Angola
O atual presidente José Eduardo Santos não se recandidata e já foi publicamente revelado que o seu candidato é João Lourenço, atual ministro da Defesa. Não se antecipa uma transição conturbada, tanto mais que a recuperação dos preços do petróleo deverá melhorar a situação económica do país, que tem sido fortemente condicionada desde a sua queda.

8. Setembro/outubro: eleições na Alemanha
A chanceler Angela Merkel, líder do grupo CDU/CSU, anunciou em dezembro que voltará a concorrer às eleições de 2017. Apesar de um ano difícil, em que a sua posição, contra vários membros do seu partido, de acolher todos os refugiados que entrassem na Alemanha foi duramente testada com o ataque terrorista em Berlim no final do ano, ainda assim, a sua popularidade mantém-se elevada e é a candidata mais forte em 2017. Também é um facto que Angela Merkel tem beneficiado da resiliência da economia alemã face a inúmeros choques externos, tais como a desaceleração da China, que é um importante mercado de exportação.

Os desafios do início do ano ainda podem mudar o jogo: a subida da extrema-direita na Alemanha com o partido Alternativa para a Alemanha, as negociações para a saída do Reino Unido, a posição de Trump, a política de apoio aos refugiados. Mas o que a chanceler demonstrou nos últimos anos é que é capaz de compromisso, de adaptação dentro dos seus valores e de liderança. E essas qualidades são fundamentais tanto para a Alemanha como para a Europa, num ano importante de viragem política.

9. Outono: Congresso do Partido Comunista chinês
A desaceleração da economia chinesa, as preocupações crescentes com a poluição do ar, o possível confronto com o Presidente eleito Trump serão elementos marcantes para o Congresso do Partido Comunista.

O presidente Xi Jinping posicionou-se, com a sua luta anti-corrupção, como um dos políticos chineses mais poderosos dos últimos anos, senão décadas, rompendo com uma longa tradição de líderes mais discretos. O Congresso deverá resultar na manutenção de Xi Jinping na liderança do partido, mas mais importante será saber se ele tentará eliminar a restrição de idade que lhe permitiria permanecer para além de 2022.

10. Durante o ano: redução das políticas expansionistas da Reserva Federal e alteração do programa de compras do BCE
Apesar das referências pré-eleições, é improvável que o Presidente Trump tenha qualquer impacto na política monetária americana, pelo que se antecipa que a política de redução de estímulo monetário por parte da Reserva Federal se mantenha de forma muito gradual, com pequenos aumentos espaçados das taxas de referência. Essa política está descontada nos mercados, pelo que só uma mudança de ritmo poderá ter implicações significativas. O principal risco é que a política fiscal expansionista anunciada por Trump possa obrigar a Reserva Federal a subir as taxas mais rapidamente para evitar a subida da inflação.

No caso do BCE, o prolongamento da política de compras de ativos, apesar de uma redução dos valores mensais, deverá assegurar uma contenção das taxas de longo prazo. No entanto, as regras auto-limitativas que foram introduzidas no início do programa continuarão a afetar alguns países, em particular Portugal. Os últimos dados sobre compras de obrigações mostram que o BCE diminuiu as compras de dívida portuguesa para valores mínimos nos últimos meses. Estas dificuldades já se estão a fazer sentir, com o aumento das taxas de juro sobre a dívida portuguesa no início do ano para os níveis mais elevados desde fevereiro de 2016. A situação exige uma visão sustentada de longo prazo sobre a redução do défice e da dívida, que infelizmente este Governo não tem capacidade para desenvolver.