Rui Rio percebeu a necessidade de afirmar um rumo reformista no PSD. Mas parece estar em vias de cometer um grande erro: o de acreditar que António Costa ou o PS são um parceiro viável para esse projecto e que vêem algum interesse em reformar o Estado. Não são. E não vêem.

A estratégia de Rui Rio parte de vários diagnósticos correctos. Primeiro, na existência de uma crispação excessiva e muitas vezes artificial no debate político, que impede entendimentos em matérias onde as discordâncias não são profundas. Segundo, na constatação do bloqueio político que a geringonça representa: qualquer solução política à esquerda, por incluir PCP e BE, bloqueia reformas, na medida em que estas colidem com as clientelas desses partidos. Terceiro, na necessidade de ser o PSD assumir a liderança de uma agenda reformista, que olhe aos desafios estruturais da sociedade portuguesa e que seja uma via para a modernização do país. Quarto, na eleição das áreas sociais como prioridade para essa agenda reformista – tais como a natalidade, a terceira idade, a sustentabilidade da segurança social, a saúde e a educação. A soma destes quatro pontos sintetiza, aliás, o caminho que Passos Coelho não soube percorrer na oposição, desde 2015.

O passo seguinte seria concluir que só um projecto reformista, liderado pelo PSD e com o CDS, constituiria uma real alternativa ao actual bloco PS-BE-PCP. O problema é que Rui Rio parece estar do lado dos equivocados, ao terminar o raciocínio com a conclusão errada: ao acreditar que o PS, invadido de algum espírito patriótico, negociará reformas do Estado com o PSD e sacrificará a geringonça, Rui Rio está a criar uma armadilha a si mesmo. Não, o PS não quer reformar o Estado. Não, o PS não está desconfortável com o imobilismo reformista da actual solução governativa à esquerda – está orgulhosamente a alimentar as suas clientelas eleitorais. E não, o PS não se quer livrar de PCP e BE – muito pelo contrário, quer eternizar a sua ligação com PCP-BE, porque essa é a sua fórmula de poder perpétuo (só uma esquerda unida pode controlar o aparelho de Estado, dominar a máquina sindical e amordaçar a contestação social). Nem agora, nem no pós-2019 (que parece ser legitimamente uma preocupação de Rui Rio), o PS abdicará dos instrumentos de poder que o apoio da esquerda lhe garante.

Para perceber isto não é necessário ter grandes talentos de leitura política, porque isto já foi dito às claras por dirigentes socialistas. Primeiro, há vários elementos proeminentes do PS que afirmaram pretender repetir a geringonça – ou mesmo dar o passo em frente, trazendo por exemplo o BE para um governo. Segundo, como assinalou o Luís Rosa, o PS não acredita que seja necessário reformar a Segurança Social ou muitas das áreas que Rui Rio apontou.

Então, o que levaria os socialistas à mesa de negociações do PSD? A resposta é simples. Só se imagina o PS a discutir a reforma do Estado se isso multiplicar a sua influência (é, aliás, o que ambiciona fazer na Justiça) e se a “oferta” do PSD for mais vantajosa do que a de PCP-BE. Mas esse cenário surge como uma linha vermelha inultrapassável: é inconcebível que o PSD (mesmo retirando ganhos momentâneos) seja para o PS um instrumento de perpetuação no poder ainda mais profundo do que são hoje PCP-BE.

O PS não quer saber nem do PSD, nem das reformas. E jamais em momento algum dará a mão ao PSD. Não é por crispação do ambiente político. É mesmo porque isso implicará sempre fragilizar os acordos à esquerda, que são o pilar da estratégia socialista de manutenção no poder. Seria fundamental que Rui Rio, que tem ideias políticas bem estruturadas, não caísse neste erro táctico. É que todos os esforços investidos em contrariar esta inevitabilidade socialista serão uma perda de tempo. E, para PSD e CDS formarem uma alternativa, já não há tempo a perder.

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