Começou a pressão, como bem supunha a Helena Matos, mas começou – creio eu – com os argumentos incompletos, se não enviesados.

Vou explicar-vos por que acho que é bom considerar uma ligeira antecipação das legislativas e de que modo isso pode ser aceitável para todos.

  • Falamos do Orçamento, mas o argumento não chega por si só. Como a data das legislativas está marcada na Constituição precisamente para setembro ou outubro, volta e meia temos orçamentos atrasados. Foi assim em 2010, por exemplo. Mas o argumento vale, porque esta não é uma altura qualquer. Estamos ainda em período de excecionalidade, financeira, económica e orçamental. E em tempo de guerra, costuma dizer-se, não se limpam armas.
  • A crer na discussão que PSD, PS e CDS tiveram na crise política do verão passado, todos eles percebem a delicadeza do assunto. A questão veio à baila por causa de Cavaco Silva, que lhes sugeriu eleições antecipadas para 2014 caso todos chegassem a entendimento sobre a rota de consolidação necessária. Naquele ponto, claro, não houve acordo. O PS queria em maio, para evitar o problema com o Orçamento. A coligação preferia dezembro, dando tempo a que o orçamento fosse feito antes das eleições. Conclusão: qualquer deles percebeu que a questão é sensível, pelo que o melhor será atacá-lo.
  • Por fim, os pontos que me parecem cruciais, que são os políticos. No próximo ano vamos ter legislativas, regionais da Madeira e Presidenciais, tudo de seguida. Os perigos de contaminação entre eleições são enormes, afastando ainda mais as hipóteses de consenso pós-eleitorais que tanta gente diz serem imperativos no futuro. Agora imaginem o que é tentar formar um Governo e um programa ao mesmo tempo que corre a campanha presidencial, com os potenciais parceiros divididos entre campanhas.
  • Para piorar, o Presidente da República perde a 9 de outubro os seus poderes de dissolução, o que é o mesmo que dizer que perde capacidade para forçar soluções de Governo maioritárias ou estáveis, caso as eleições sejam mesmo em outubro.
  • Mais ainda se – caso ninguém vença com maioria absoluta em 2015 – pensarmos no tempo que vai demorar até que o potencial parceiro de coligação defina o seu futuro. Vejamos um exemplo: se Costa ganhar, Passos sai da liderança e convoca diretas. Vai demorar mês e meio, dois meses, até haver novo líder. Mas só com novo líder haverá legitimidade para fazer uma coligação (ou dar apoio parlamentar). Dois meses para isso, mais um para formar Executivo, mais três para fazer e aprovar um Orçamento é, realmente, tempo demais. Isto vale para Passos, como vale para Costa, que não terá como continuar à frente do partido se perder para a coligação.

Chegado aqui, há três passos que deviam ser considerados para que este acordo se faça sem que seja entendido como uma manobra política.

  • A antecipação deve ser por dois meses, para início de julho, que é quanto basta.
  • A antecipação deve ser feita com um acordo entre partidos para mudar a Constituição e a lei eleitoral já no início da legislatura, alterando de vez os prazos para eleições (para que nada disto se tenha de discutir outra vez).
  • E, já agora, deve ser feita num compromisso entre os principais partidos sobre os objetivos que devem ser cumpridos no próximo orçamento (e nos seguintes). O Governo terá de entregar um documento desses a Bruxelas em abril e talvez não fosse mau que ele e António Costa se entendessem nisso. Não é nas medidas, é só nos objetivos – e depois logo se via. É capaz de ser pedir demais, mas, enfim, sempre me ensinaram que a pedir nunca se é modesto. E quem sabe, se for o Presidente a fazê-lo…

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