Era noite e o frio, próprio de inverno, apertava. Larry Wilkins, por isso, estava em casa. Aos 71 anos, dava vida a uma de apenas três residências que, entre as dezenas espalhadas no seu bairro perto de Paducah, no estado do Kentucky, EUA, estavam habitadas nesta altura do ano. Foi sorte. Não a sua, mas a de quem, a meio da tal noite, avistou, ao longe, a luz vinda da casa de Wilkins e, por isso, começou a andar na sua direção — com troncos de árvores cortadas, riachos, valas e arbustos no caminho.

O trilho não era fácil. “É um terreno muito, muito, mas muito duro”, resumiu (e sublinhou) Larry Wilkins, tão surpreendido quanto ficou, na madrugada de sábado, quando ouviu os dois cães, do nada, começarem a ladrar. A alertá-lo para o que aí vinha. E veio: de repente, alguém estava a bater à porta de casa. Era uma criança. Uma rapariga com sete anos que, como descreveu à Associated Press (AP), sangrava do nariz, tremia dos lábios e tinha os braços e pernas cobertos de arranhões.

Era Sailor Gutzler. Nome da menina que, no sábado, foi a única sobrevivente do avião que se despenhou a cerca de 1,2 quilómetros da casa de Ray Wilkins. Da criança que, sozinha, atravessou o tal terreno descalça, só com uma t-shirt e uns calções vestidos. “Não imagino uma criança de sete anos a fazer isto. Disse-me que o pai e a mãe tinham morrido, e que tinha estado no acidente de avião”, contou Wilkins que, depois de abrir a porta, sentou a rapariga no sofá e telefonou à polícia local. Quarenta minutos volvidos, a polícia de Kentucky chegava a casa de Ray Wilkins.

Depois de encaminharem Sailor para um hospital local, as autoridades foram até ao local onde o avião caíra e descobriram os corpos do pai, mãe, irmã e prima da criança. A aeronave bi-motor, de modelo Piper PA-34, enviara um pedido de auxílio às 12h55 portuguesas (menos cinco horas no Kentucky), antes de se despenhar.

O aparelho, aliás, estava em “virado do avesso”, escreveu a AP. Mas a rapariga conseguiu sair dos destroços e começar a andar na direção da única luz que terá visto — a de casa de Ray Wilkins. Se tivesse optado por “qualquer outra direção”, tudo “podia ter acabado mal por causa do frio”, explicou um agente da polícia de Kentucky, identificado apenas como White. “Foi um milagre”, concluiu.

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