Foram precisos 20 minutos para os Korn entrarem em palco e 20 segundos para voltarem a sair. Aos primeiros acordes de “Blind”, uma súbita falha no som obrigou a banda a correr para fora do palco. E nunca mais ninguém a viu durante os dez minutos que se seguiram. Os fãs já começavam a desesperar e havia até quem já falasse em ter “o meu dinheiro de volta”. Mas o que o público não sabia é que o pior ainda estava para vir – tal como demos conta, em tempo real, no nosso liveblogue.

(Aparentemente) resolvido o problema, os Korn voltaram ao palco poucos minutos depois. “Estão prontos outra vez?”, gritou o vocalista Jonathan Davis. O público até estava, mas o palco não. Sem ninguém perceber como, uma nova falha fez Davis levar as mãos à cabeça, antes de correr para o backstage como uma criança para as saias da mãe.

Os minutos passaram e passaram e a música de fundo começou novamente a tocar. Alguns fãs, menos esperançosos, começaram a dispersar, enquanto outros se interrogavam se os Korn iriam voltar ao palco.

Até que uma voz soou, vinda do palco: “Boa noite”, ouviu-se alguém dizer. Ao microfone, um membro da organização explicou que havia “um pequeno problema técnico”, mas que estava quase resolvido. “Agradecemos a vossa compreensão.” A compreensão, porém, não era muita por parte dos fãs, cansados de esperar. Uma boa parte mostrou-se indignada, enquanto uma boa mão cheia decidiu virar as costas ao Palco Mundo para nunca mais voltar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma hora e dez minutos depois, as luzes do palco grande voltaram a acender-se. Sob os holofotes vermelhos, os Korn voltaram a pisar o Palco Mundo, mas mal eles (e nós) sabiam que seria apenas por 20 minutos. Por bons 20 minutos.

Depois de “Blind”, a banda tocou “Here to Stay” e “Love and Meth”. “Lisbon, get your fucking hands in the air”, gritou Davis, antes de atirar com mais um clássico — “Somebody”. Não fossem os cabelos brancos aqui e ali, podia dizer-se que a banda tinha menos 20 anos do que realmente tem. A energia, o espírito é o mesmo de há duas décadas. Entre os Korn do início dos anos 2000 e os Korn de 2016, há poucas diferenças para além da idade.

“Falling Away From Me” puxou para o mosh e em “Shoot and Ladders” Davis não resistiu e foi buscar a gaita-de-foles. Mas a emoção talvez tenha sido de mais, e o palco voltou a não aguentar. A meio da música, o som voltou a ir a baixo mas, em vez de vaias e assobios, os Korn receberam uma monumental salva de palmas. A última de um concerto que, nas palavras da própria organização, podia ter sido “memorável”.

Se ainda havia esperança de que os Korn voltassem, a equipa de palco pôs termo a isso. Os cabos começaram rapidamente a ser enrolados e a ser preparado para a banda que se seguia — os Hollywood Vampires. Ao microfone, ainda voltou o mesmo membro da organização, que se desmanchou em desculpas. Mas os fãs não queriam ouvir mais um “obrigado pela vossa compreensão” — queriam ver a banda pela qual tinham feito dezenas ou centenas de quilómetros. Um fã veio da Trofa, outro de Espanha. Mas havia muitos outros que, frustrados com a situação, se apressaram a ir preencher o impresso de reclamação e a pedir o dinheiro do bilhete de volta.

Foram muitas as expectativas e todas saíram defraudadas. O casal Marisa e Jorge Silva, por exemplo, saíram de Braga às 11h da manhã porque não queriam falhar o concerto de Korn. Dois fãs que decidiram vestir-se seguindo o dress code — de preto, claro está — mas com uma originalidade: fizeram questão de imprimir duas t-shirts iguais com a data do dia que se esperava memorável.

Num comunicado emitido já durante a madrugada deste sábado, a organização do Rock in Rio lamentou o sucedido, esclarecendo que “tudo indica que o problema foi do equipamento da banda estando, ainda, os detalhes a serem apurados. Os concertos de Hollywood Vampires, Rival Sons e Rock in Rio — O Musical decorreram normalmente, tendo entrado na Cidade do Rock neste dia 27 de maio 56 mil pessoas. As reclamações do público foram recolhidas e a organização dará uma resposta nos próximos dias.”

Entendemos que problemas destes acontecem, mas independentemente da responsabilidade técnica que inviabilizou o espetáculo, o mínimo que seria de esperar de uma banda com a história e calibre dos Korn era um pedido de desculpas ali, de viva voz, em palco. Uma mensagem dúbia não chega, os fãs mereciam mais.

Hollywood Vampires

O turbilhão da semi-atuação dos californianos Korn pedia sangue (em sentido lato, evidentemente). “Listen to them, the children of the night, what sweet music they make.” Foi ao som da famosa frase do Drácula de Bram Stoker, que os Hollywood Vampires entraram no Palco Mundo — com vários minutos de atraso, como não podia deixar de ser. Alice Cooper trazia a sua bengala (quase tão famosa como ele próprio) e Joe Perry um arsenal de guitarras que parecia não ter fim. Johnny Depp, uma sombra do carismático ator que todos nos habituamos a ver, vinha com uma mão cheia de anéis e um cigarro ao canto da boca. O que ele não trazia eram os dotes musicais.

Com um alinhamento composto quase só por versões (covers), a banda arrancou com “Raise the Dead”, seguindo de “Got the Line”. Depois houve The Who, Doors e Bowie, “outro tipo que também sabia beber”. Porque, afinal, os Hollywood Vampires são uma banda de tributo a todos os “bêbedos mortos”. Mas uma boa banda de tributo, com um Alice Cooper irrepreensível e um Joe Perry sempre exímio na guitarra. Mas era Depp que as pessoas queriam ver. Sempre que a cara do ator aparecia no grande ecrã, ouvia-se um grito geral — vindo do público feminino, claro está.

E, também por isso, houve espaço para uma música escrita por ele onde, à semelhança de todas as outras, pouco ou nada tocou. “Todos os natais e dias de Ação de Graças, ele fazia um brinde em que dizia good as you are, bad as I am”, contou Cooper, antes de se fazerem soar os primeiros acordes de “Bad As I Am” (tema original).

Em “Stop Messing”, Perry tomou conta da voz, enquanto Cooper tocava harmónica. Lembrando a história da própria banda, que surgiu numa mesa do mítico bar Rainbow, em Los Angeles, o cantor contou que todos os amigos com que costumava beber já morreram. “Menos eu. Eu sou o último vampiro”, disse antes de “Dead Drunk Friends”, música escrita em memória de todos os vampiros do Rainbow. Seguiu-se “Ace of Spades”, dedicada a Lemmy Kilmister, membro fundador dos Motörhead.

Depois de “Sweet Emotion”, os Hollywood Vampires sairam de palco por breves momentos, voltando pouco tempo depois para um encore de duas músicas — “Train Kept Rolling” e “Another Brick in the Wall”. Tirada a “fotografia de família”, a banda despediu-se entre agradecimentos e salvas de palmas.

Podem não ser uma banda “a sério” mas, de um modo geral, os Hollywood Vampires souberam dar um bom espetáculo. E depois da desilusão que foi o concerto de Korn, o público bem que merecia.

Rival Sons

A banda de Long Beach na Califórnia veio até Lisboa brindar o Parque da Bela Vista com um rock bem timbrado, numa atuação que se resume da seguinte forma: suaram as estopinhas para um público gelado.

Jay Buchanan mostrou a sua voz rouca e deu muito a um público pouco caloroso, em modo “à espera do que está para vir”. Infelizmente, o que veio imediatamente a seguir foi pior e as massas desperdiçaram a oportunidade de apreciar o bom som dos californianos.

O espetáculo arrancou bem com “Eletric Man”, do último álbum da banda, Great Western Valkyrie (2014) e por aí seguiu, com passagens por Pressure and Time (2011), o segundo álbum do grupo, que vai lançar o quinto Hollow Bones, no próximo dia 10 de junho.

Só depois de uns longos 40 minutos é que a audiência presenteou a banda com algum afeto. As primeiras palmas dignas de registo chegaram para a balada “Where I’ve been”.

O vocalista bem ia puxando pelo público, agradecendo depois de cada canção com um macarrónico obrigado. Mas o coração da audiência estava frio como a noite e só voltou a derreter-se quando Scott Holiday brilhou com um solo de guitarra.

Os Rival Sons estão habituados a aquecer palcos para os AC/DC, Kid Rock ou Alice Cooper, trouxeram rock’n’roll sem mácula ao Rock in Rio e só não foi mais rock’n’real, como disse Buchanon, porque o público não quis.

No final agradeceram, de uma forma mais irónica que realista, já que o público ansioso pelos cabeças de cartaz não esteve à altura do espetáculo. Os Rival Sons mereciam mais de um público que estava à espera de melhor, que afinal acabou por não vir. Contas feitas, foi um dia estranho, no Palco Mundo do Rock in Rio.

METZ

Os canadianos METZ são conhecidos pela energia em palco e a fama não chegou sem proveito. A banda trouxe à colina mais alta da Bela Vista noise rock com um travo a punk. Finalmente uma enchente no Palco Vodafone, para um espetáculo à medida do público. A distorção de guitarras e a voz arranhada foram recebidas com muito headbang, mosh e até crowdsurf.

Aos primeiros acordes caíam também as primeiras gotas de chuva do dia, que se intimidaram com o estrondo que acontecia em palco e acabaram por não persistir. Ou não fosse esta uma das bandas mais agressivas da cena musical canadiana. Podia haver melhor escolha para o dia mais pesado do Rock in Rio Lisboa?

No reportório passaram grandes músicas do álbum de estreia da banda, como “Get Of”, que deu mote ao primeiro moche da noite. Mas o concerto foi dominado, como seria de esperar por temas do álbum II, lançado em 2015. Foram os temas “Acetate” e “Spit You Out” que melhor foram recebidos pelo público. Pelo Palco Vodafone têm passado muitos bons concertos, mas ainda não se tinha visto um público tão motivado.

Depois da noite atribulada no Palco Mundo, este é bem capaz de ter sido o melhor concerto do terceiro dia de Rock in Rio.

Glockenwise

De Barcelos só vem boa música e os Glockenwise são exemplo disso. No terceiro dia do Rock in Rio Lisboa, ofereceram ao público 45 minutos do melhor garage rock português. Sem papas na língua, mas com muita conversa à mistura.

A banda de quatro “melhores amigos” de Barcelos entrou palco com um estrondo. A culpa não foi do rock, mas do som demasiado alto (até para os ouvidos habituados a estas andaças). Começaram com “Cardinal”, e depois seguiram para “Lasting Lies”. Apesar das previsões de chuva, o sol brilhava na Bela Vista e os Glockenwise fizeram questão de dizer isso mesmo: “Afinal está bom tempo”.

O Palco Vodafone, a meio gás durante o concerto anterior, foi enchendo a pouco e pouco — muito a pouco e pouco. Aqui e alí, havia gente sentada no chão — uns bebiam cerveja, outros tiravam selfies e, no geral, ninguém parecia muito impressionado com a prestação em palco de Nuno Rodrigues, Cristiano Veloso, Rafael Ferreira e Rui Fiusa.

Antes do adeus final, houve tempo para uma “música de amor”, inspirada em todas as namoradas e ex-namoradas do quarteto de Barcelos. A seguir a “Heat”, veio “Time do Go”, em jeito de despedida. Apesar da passagem dos Glockenwise pelo Palco Vodafone ter sido uma “honra”, o público esteve muito aquém das expectativas. Música e público desenquadrados, uma vez mais.

Cave Story

O mesmo se pode dizer do trio das Caldas da Rainha, a quem coube o serviço de abrir este palco dedicado à música alternativa. Começar um espetáculo antes das cinco da tarde, num dia de semana (apesar da “ponte”), com a casa (o Parque) ainda com toda a gente por chegar não é tarefa que entusiasme, mas ainda assim os Cave Story justificaram plenamente a atenção que têm merecido nos últimos dois anos. Tocaram bem, foram empenhados e, sobretudo, uma excelente ilustração do melhor que se faz no panorama do rock português. Tem dois EP já editados, mas estamos certos que reúnem os argumentos certos para continuar a dar que falar.