Emma Marcegaglia é presidente da BusinessEurope, um organismo que representa federações empresariais de 34 países europeus. Uma dessas é a CIP – Confederação Empresarial de Portugal –, e foi em conjunto com a associação liderada por António Saraiva que a BusinessEurope organizou esta sexta-feira uma conferência para discutir o futuro da indústria da Europa.

Depois de, no seu discurso, lamentar a opção do povo britânico pela saída da União Europeia, Emma Marcegaglia conversou com o Observador sobre esse tema e sobre a necessidade de a Europa tomar medidas sérias para promover o investimento e, também, afinar a estratégia para ir ao encontro daquilo que é o receio de muitos cidadãos: a imigração vinda de fora da Europa.

Os britânicos votaram maioritariamente pela saída da União Europeia. O Brexit é irreversível?
Não sei. Pelo que ouvi de David Cameron e de outros, não acredito que seja fácil que eles possam voltar atrás e, por exemplo, fazer um novo referendo ou alguma coisa do género. Mas é possível. Neste momento não é fácil dizer o que vai acontecer. Nesta fase, o que é importante é que eles apresentam um plano claro sobre o acordo que querem fazer com a União Europeia (UE). Para já, isso não é claro.

Qual é o ponto de vista dos empresários, em relação a esta situação?
Do nosso ponto de vista, claro que gostaríamos que o Reino Unido ficasse o mais próximo possível da UE — para eles o acesso ao mercado único é muito importante. Uma ideia possível é que eles integrem o Espaço Económico Europeu e tenham acesso pleno ao mercado único, mas isso significa que somos nós a ditar as regras. E eles terão de aceitar as chamadas quatro liberdades. Eles têm de decidir o que fazer. De qualquer forma, o Reino Unido é um mercado importante e um país forte, temos uma ótima relação com eles, portanto, na negociação, vamos trabalhar com a nossa parceira britânica, a CBI, para tentarmos coordenar o mais possível. É claro que haverá momentos em que teremos conflitos de interesse, mas tentaremos trabalhar juntos para o bem.

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Acha que existe o risco de saída de outros países? Que implicações é que isso tem para a atividade empresarial na Europa?
A ideia é que também é necessária uma mudança na narrativa por parte de todos nós, na Europa. Nós, na BusinessEurope, queremos refletir entre nós e convidar outras pessoas para nos ajudarem a melhorar o ambiente empresarial na Europa. Espero que esse trabalho contribua para que os outros países mantenham a coesão europeia. E acredito que assim será — basta ver que alguns dias depois do referendo britânico, Espanha foi a votos e a votação nos chamados partidos tradicionais foi mais forte do que se previa. Mas isto não chega — tenho noção de que é preciso mudanças na UE. Não devemos mudar tudo, isso não é realista, mas algumas mudanças temos de fazer.

Qual é, para si, a mudança mais importante e mais imediata que deve ser feita?
Uma coisa que devíamos fazer de forma imediata, na Europa, é proteger as nossas fronteiras externas. Porque a imigração e o medo da imigração, da insegurança, é algo que está muito presente na cabeça das pessoas. Não significa erguer muros, mas significa proteger as fronteiras, investir nos países fronteiriços, ter boas relações com os vizinhos. Podemos pensar num plano global para investir em África e noutras regiões — uma espécie de “Compacto para a Imigração”. Isso tem de ser feito muito rapidamente.

E que mais?
É preciso uma mensagem clara sobre como se vai estimular o investimento privado na Europa. Sem isso, o crescimento e a criação de emprego não virão.

Mas como se convence os investidores internacionais a investir na Europa, com todas estas dúvidas sobre o seu futuro?
Há alguns anos, a ideia é que todos tinham de investir nos BRICS — o Brasil, a China e por aí fora — agora veja como estão esses países. A Europa continua a ser um bloco sólido e um mercado muito rico, e isso é atrativo para as empresas internacionais. Temos, também, pessoas muito qualificadas e uma boa base industrial. Temos de melhorar algumas coisas mas continuo a achar que é um ótimo local para investir. Podemos melhorar, sim, e isso passa por diminuir a regulação que é um travão ao investimento e à inovação. Passa, também, por maior flexibilidade.

Fala em inovação, mas como é que se investe em inovação num contexto de aversão ao risco como o que vivemos na Europa neste momento?
Precisamos de ter um Princípio de Inovação consagrado em todos os nossos acordos económicos e tratados. Nunca se vai conseguir excluir o risco da inovação, mas o que se pode fazer é evitar que exista regulação que estrangule a inovação e desfavoreça o investimento. Outra ideia é que é preciso ter boas comunidades científicas capazes de dizer o que são investimentos em inovação que são frutuosos e os que não serão — porque, muitas vezes, o investimento em inovação é mais ideológico do que científico.

Mas falou, também, em maior flexibilidade. Como é que se consegue isso?
Dizemos sempre que é necessário haver maior flexibilidade no mercado laboral. É importante ter estruturas de apoios sociais, capazes de ajudar quem perde o emprego. Mas, se não tivermos um mercado laboral verdadeiramente flexível, não será possível crescer de forma sustentável. Em Itália, por exemplo, criou-se um programa de emprego que, em parte com recurso a subsídios públicos, gerou mais de 400 mil empregos novos. Quando existe uma empresa e essa empresa não consegue estar no mercado porque não tem a tecnologia adequada ou o seu produto não é competitivo, tem de ser possível fechar essa empresa e ajudar as pessoas a encontrar outros empregos. Mas sem essa flexibilidade não haverá nem empregos nem investimentos.

Mas a legislação, em muitos casos, vai no sentido contrário.
A legislação muda-se. Os parceiros sociais têm de fazer mais para contribuir para essa flexibilidade. Parte dos salários deveria ser indexada à produtividade. Isso é muito melhor para a conservação dos empregos e das empresas. É nessa direção que temos de seguir.

O que é que trava um maior investimento por parte de algumas empresas portuguesas? Falta de procura? Falta de capital ou de financiamento?
Parece que existe um problema de capital. O que, num mercado globalizado em que se tem concorrência vinda de todos os lados, torna difícil investir em tecnologia e atrair os melhores quadros. Isso não pode ser feito só com dívida. É preciso capital. Além disso, claro, também é preciso alguma procura interna, porque sem isso não se investe, mas julgo que a prioridade é ter capital e apostar na formação e qualificação das pessoas.