Reportagem em Paris

Assim que soube dos resultados, Aimé Decrombecque saiu porta fora e andou tão depressa para a festa eleitoral de Emmanuel Macron quanto os seus 78 anos lhe permitem. “Vi os resultados e mandei-me logo para a rua”, diz ao Observador, enquanto música eletrónica toca bem alto a partir do palco montado na praça do Museu do Louvre.

Mais do que alegria, foi o alívio que o fez dar um salto do sofá em direção à festa. “Eu tinha um medo muito grande da Le Pen, ela é uma fascista do piorio, é da mesmíssima raça dos franceses que colaboraram com os nazis durante a Segunda Guerra Mundial”, diz este agente de seguros reformado. “A extrema-direita fez muito mal à França. Eu tinha medo e a certa altura achei que ela podia ganhar. Mas, para já, parece que fica por aqui.”

Aimé está certamente entre as pessoas mais velhas a terem vindo até à celebração da vitória de Emmanuel Macron, a quem as primeiras projeções deram 65,1%. Na praça do Museu do Louvre, há principalmente pessoas abaixo dos 50 anos, a maior parte deles jovens. Passeiam-se com bandeiras francesas, alguns chegaram a pintar a cara de azul, branco e vermelho. A certa altura, Aimé tem de se desviar, a passo lento, enquanto um grupo de sete jovens passeia cartazes pretos com luzes brancas onde se lê: “LOVE BEATS HATE”. Que é como quem diz que “o amor vence o ódio”.

Do palco, um membro da campanha pergunta: “Têm orgulho de serem franceses?”. A resposta é um “ouiii” em apoteose, gritado por pessoas de várias idades e cores de pele. Um conjunto de cerca de dez mulheres árabes, a maior parte de hijab, respondem com gritos ululantes.

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Momentos depois, Emmanuel Macron sobe ao palco montado na praça do Museu do Louvre ao som do Hino à Alegria, que serve também de hino à União Europeia. A caminhada foi longa — demasiado longa, tanto que o Hino à Alegria teve de tocar pelo menos duas vezes. “Não cederemos aos medos e às divisões, nem às mentiras e não cederemos à ironia, ao desprezo”, disse o próximo Presidente de França em palco, num discurso feito menos de 24 horas depois de hackers terem divulgado e-mails trocados pelos membros da sua campanha.

Aimé não vai à Internet e diz que não tem vontade nenhuma de ir, já que é, na sua opinião “uma sujeira total, pelo que oiço dizer”. “Essa gente da extrema-direita, esses fascistas, fizeram de tudo para deitar este homem abaixo, fizeram de tudo para meter lá a Le Pen, mas não conseguiram. Falharam!”, diz, levantando a voz, tomando também para si esta vitória eleitoral.

“Tenho razões para estar feliz. Mas…”

Bettina Sorel, 20 anos, também está contente. Chegou ao local da festa precisamente quando ela começou: no momento em que foram conhecidas as projeções. “Foi a melhor altura para chegar”, diz. Veio sozinha, com uma bandeira francesa na mão. Não é a que a agite efusivamente pelo ar. Na verdade, está bem calma. “Vendo bem as coisas, tenho razões para estar feliz. Mas também há coisas que me preocupam…”, admite.

“Não estou totalmente feliz, porque Macron não era o meu candidato ideal e há bastantes coisas onde discordo dele”, refere a estudante de Literatura. “Mas eu olho para isto como uma ocasião histórica, porque hoje conseguimos derrotar o fascismo.”

Na cabeça de Bettina, havia um receio de que França entrasse neste 7 de maio no clube dos países que nos últimos anos votaram a favor de guinadas à direita. “Eu olho para o que se passa na Polónia, na Hungria, também nos EUA… Não queria isto para o meu país”, diz, com um ar de alívio. Mas depois relativiza as coisas. “Eu sei que nem todas as pessoas nesses países são fascistas, isso é evidente. Mas, ao mesmo tempo, isso também quer dizer que nem todas as pessoas em França são contra Le Pen”, sublinha. “Isso preocupa-me, porque se o trabalho de Macron acabar por ser mau, ela crescerá ainda mais. Ela não desapareceu só porque hoje perdeu.”

Nem desapareceu Marine Le Pen nem desapareceram os cerca de 11 milhões de franceses que votaram nela. No seu discurso de vitória, Emmanuel Macron falou deles, depois de o público se soltar em assobios e apupos assim que ouve o nome de “madame Le Pen”. “Eles exprimiram hoje uma cólera, um desespero e por vezes convicções. Eu respeito-os. Mas farei tudo durante os cinco anos que virão para que eles não tenham nenhuma razão para votar nos extremos”, disse o líder do En Marche!.

Aimé nasceu no departamento de Pas-de-Calais, onde Marine Le Pen teve das melhores votações na primeira volta e onde voltou a sair vitoriosa, com 35,1% dos votos, este domingo. “Não sei como é possível uma coisa dessas acontecer lá”, diz, para depois se demarcar. “Eu também já saí de lá há muito tempo…” Na opinião deste septuagenário, será difícil convencer os 11 milhões que votaram em Le Pen a mudarem de ideias no futuro. “Eu, por um lado, quero acreditar que eles já não crescem mais, mas já não sei…”, diz, com algum desalento. “Em França há muitos fascistas… Sempre houve. Agora sentem-se mais à vontade.”

Pode um homem sem partido vencer duas vezes?

Quanto a Emmanuel Macron, Aimé sabe pouco ou nada. Nem votou nele na primeira volta: escolheu Benoît Hamon, porque era o candidato do Partido Socialista, o seu partido de sempre. “Agora, do Macron sei pouco, porque ele teve muito pouco que mostrar até agora”, diz, do ex-ministro da Economia de François Hollande, que aos 39 anos será o Presidente mais jovem de França.

Mas não é apenas na sua idade que Emmanuel Macron faz a diferença. É também no facto de o movimento político que liderou ter sido fundado pouco mais de um ano antes das eleições, sem ter, oficialmente, uma máquina partidária a ajudá-lo.

No próximo mês, Emmanuel Macron tentará repetir essa proeza. Depois das presidenciais, falta ainda um passo importante no calendário presidencial francês: as eleições legislativas, marcadas para 11 e 18 de junho.

Segundo uma sondagem da OpinionWay – SLPV publicada a 3 de maio, o movimento En Marche, de Emmanuel Macron, deverá vencer as legislativas — mas sem uma maioria absoluta. De acordo com aquele estudo, o En Marche ficará entre os 249 e os 286 deputados, isto é, aquém dos 290 necessários para uma maioria absoluta. Se estes números não estiverem errados, fica uma certeza: para governar de forma eficaz, o Governo de Emmanuel Macron terá de estender a mão à esquerda ou à direita. Ou seja, ao PS ou aos Republicanos, dois partidos que, de uma maneira ou de outra, Emmanuel Macron ajudou a esvaziar.

A mesma sondagem refere que a Frente Nacional (ou será que em junho Marine Le Pen já terá outro nome para a nova força política que quer formar) apenas elegerá 15 a 25 deputados. Isto tem a ver com o sistema de eleição francês que, nas eleições legislativas, funciona em duas voltas, passando à segunda os dois candidatos mais votados. E o que acontece aqui é que muito dificilmente os candidatos da FN conseguem ser eleitos quando confrontados com os votos de quase todo o outro eleitorado. Ainda assim, a FN cresce, conseguindo, segundo o mesmo estudo, nestas legislativas, colocar 300 candidatos na segunda volta.

E depois ainda há a outra dúvida: quem vai ser o primeiro-ministro de Macron? Ainda ninguém sabe. O que o novo presidente francês afirmou é que tinha dois possíveis nomes, um homem e uma mulher. Não se sabe, porém, quando vai anunciar o nome escolhido.

Quando ouve falar em eleições legislativas, Aimé suspira de cansaço. “Sinceramente, ainda estou cansado destas eleições presidenciais…”, diz. “Macron lá ganhou, pronto. Agora é ver…”