A Citroën está há dezenas de anos na sombra da Peugeot, dentro do universo da PSA, que integra desde 1976, quando as dificuldades financeiras levaram o Estado francês a empurrá-la para as mãos da família Peugeot. Mas a marca, fundada por André Citroën em 1919, foi quase sempre “o patinho feio” do grupo gaulês. O que se traduziu por menos investimento e menos produto, apesar de ter uma imagem mais forte, maior tradição na inovação e em modelos de luxo, e uma linguagem estilística mais madura e coerente – basta ver que na Citroën todos os modelos têm uma frente com um óbvio ar de família, enquanto na Peugeot praticamente cada modelo estreia uma frente nova.

Mas o Grupo PSA, também ele falido em 2014 e salvo pelo Estado francês e pelos chineses da Dongfeng – cada um a investir através da compra de cerca de 13,7% da empresa – está a mudar, a crescer e a abrir mão de velhos hábitos. Tudo fruto do trabalho de Carlos Tavares, o português que passou a ser encarado como um dos CEO mais brilhantes da indústria automóvel, após o excelente trabalho realizado enquanto vice-presidente do Grupo Renault.

Hoje a PSA tem, além da Peugeot e da Citroën, a DS e a Opel/Vauxhall – que adquiriu em 2017 à General Motors. Ao leme continua o gestor luso, assumidamente a querer atingir os melhores resultados possíveis, não só de vendas mas também de lucros, maximizando o potencial de todas as marcas no seu portefólio, sem favorecer nenhuma. Não é uma tarefa fácil, tanto mais que na PSA isto é uma novidade absoluta.

Linda Jackson é a responsável pela Citroën, posição que ocupou pouco antes da entrada de Tavares. Falámos com ela acerca do passado e do futuro deste construtor, bem como das mudanças ao nível da orientação e da estratégia que têm sido implementadas. Impunha-se, por isso, que a primeira questão fosse esta: “Porque é que eu não me recordo da última vez em que foi a Citroën, dentro da PSA, a ter o direito de apresentar uma inovação tecnológica, como acontece agora com os novos amortecedores de batentes hidráulicos, estreados no C4 Cactus?” Ao que Linda anuiu, sublinhando que “há muitas coisas a mudar dentro do grupo”. Ora, “como o conforto é um dos valores da Citroën, faz todo o sentido que sejamos nós a estrear esta solução e a usufruir maioritariamente dela”, defende.

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Como responsável máxima pela marca do double chevron, Jackson diz sentir que “a Citroën tem agora muito mais autonomia”. O que não deixa de lhe colocar mais desafios: “Com esta autonomia, veio também mais responsabilidade, mas vejo isto como uma vantagem e não um inconveniente.” Já quando lhe perguntámos acerca da sua relação com Carlos Tavares, Linda respondeu de forma particularmente animada, garantindo ter um “excelente relacionamento” com o gestor português, que “implementou novas regras e novos métodos” de trabalho.

O Carlos Tavares dá à Citroën, como a qualquer outra marca do grupo, o que nós quisermos, dentro de certos limites, como é óbvio, mas temos de nos comprometer com objectivos específicos, que temos depois de atingir”, adianta.

Segundo a CEO, a meta está traçada: “Em 2017, atingimos 1,1 milhões de veículos e queremos alcançar 1,6 milhões em 2020.” Ou seja, um incremento de 45% em apenas três anos.

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Segundo a directora da marca francesa, a aposta no conforto, como principal característica da Citroën, foi decidida precisamente para alavancar esse desejado crescimento. “Começámos, há cerca de três anos, uma grande reformulação na Citroën, que se apoiou num estudo que realizámos em 31 países, onde recolhemos mais de 200.000 comentários dos nossos clientes. Foi isso que nos ajudou a orientar a marca rumo ao futuro, tentando satisfazer as expectativas dos nossos clientes”, conta Jackson.

Quanto a novos lançamentos, ficámos a saber que depois do C3, do C3 Aircross, do renovado C4 Cactus e, mais recentemente, do Berlingo, a próxima grande novidade da Citroën será o C5 Aircross, um SUV de maiores dimensões que vai complementar a gama da marca, com Linda a garantir que “não há grandes diferenças” entre o C5 Aircross europeu e o modelo com a mesma denominação que foi introduzido no mercado chinês, “além daquelas que têm a ver com as especificações dos diferentes mercados”.

E em relação a uma berlina de topo de gama convencional, capaz de substituir o antigo C5 e C6? A resposta não se fez esperar:

Está decidido que vamos ter um automóvel grande e luxuoso, mas como tudo o que a nova Citroën faz também este será diferente e com personalidade própria. Vai exibir bons materiais, mas nada de cromados e vai ser requintado sem abrir mão do carácter prático e versátil das cinco portas”, promete Jackson.

Já no que respeita à electrificação, total ou parcial, a CEO confirma-nos que “a Citroën vai ter o primeiro modelo 100% eléctrico em 2020, sobre uma plataforma que vai ser utilizada por todas as marcas da PSA”. Mas, antes disso, “já em 2019”, será introduzida no mercado a versão híbrida plug-in do C5 Aircross, “que já foi concebido a pensar nesta alternativa mais sustentável”, confessou a directora-geral do fabricante gaulês.

Antes de nos despedirmos, não conseguimos evitar uma última questão, relacionada a aparente falta de sintonia entre a participação da Citroën nos ralis do Campeonato do Mundo e a ausência de modelos desportivos na gama da marca francesa. Linda Jackson reconhece o problema. “É um facto que nos falta uma versão no C3 que nos permita explorar a ligação ao WRC”, admite. “Mas não queremos produzir um desportivo convencional, tipo GTi, o que seria fácil uma vez que essa mecânica já existe no grupo. Contudo, não é essa a nossa postura, pelo que vamos ter encontrar uma solução à nossa medida.”