“Connosco não há privatização da CP, nem da Emef, nem das linhas lucrativas da CP”. A garantia, dada pelo ministro do Planeamento e Infraestruturas, foi uma das principais notas que ficou do debate sobre o estado da ferrovia, que se realizou esta quinta-feira no parlamento. Mas Pedro Marques acabou por não responder às preocupações concretas colocadas, sobretudo, pelo Bloco de Esquerda: Vai a concessão da Fertagus (comboio na Ponte 25 de Abril), atualmente operada por privados, voltar à CP quando terminar a concessão em 2019? E vai o serviço de longo curso, o mais lucrativo da empresa, ser contemplado no contrato de prestação de serviço público com a compra de comboios que ficou de fora do concurso agora anunciado?

A troca de culpas entre a direita e o PS sobre quem deve ser responsabilizado pelo estado a que chegou a ferrovia — que é mau, e nisso todos concordam — e sobre quem deve pedir desculpas aos portugueses pelas falhas no serviço da CP, foi outra linha marcante da discussão. No entanto, o debate que o CDS arrancou a ferros da comissão permanente do Parlamento, após um agosto escaldante para a CP, e ainda mais para alguns passageiros do Alfa Pendular, acabou por perder alguma tração, depois das explicações dadas pelo presidente da empresa no Parlamento esta terça-feira.

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E da garantia dada um dia depois pelo ministro da tutela de que o Governo ia aprovar — aconteceu no Conselho de Ministros desta quinta-feira — o plano de compra de comboios para o serviço regional apresentado pela empresa.

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Talvez por isso, o debate começou com Hélder Amaral (CDS-PP) a lamentar que a iniciativa não tenha sido agendada mais cedo. O deputado elencou as notícias sobre as falhas no serviço ferroviário ao longo do ano e o aumento de reclamações, sem esquecer uma referência ao comboio do PS fretado pelos socialistas para levar militantes à festa de reentré do partido, antes de lançar o desafio ao ministro das Infraestruturas:

“Tem de nos dizer, não o que vai fazer em 2023 — data prevista para a chegada dos novos comboios — mas o que vai fazer amanhã”. Hélder Amaral citou ainda declarações de Jorge Coelho, ex-ministro socialista do setor, feitas a propósito do encerramento da estação de Mangualde, para perguntar a Pedro Marque. “Vai demitir alguém ou vai demitir-se?”

O social-democrata Emídio Guerreiro desafiou Pedro Marques a pedir desculpas aos utentes das linhas do Oeste, Cascais, Alentejo e do Algarve pelos atrasos e supressões de comboios. Sem esquecer a cativação das despesas, que na ferrovia atinge valores recorde apesar de desvalorizadas pelos gestores das empresas, e o fim do pagamento de indemnizações compensatórias à CP. Esta foi uma prática inaugurada pelo Governo do PSD/CDS, que o ministro socialista não se esqueceu de lembrar quando teve oportunidade, mas que foi mantida pelo atual Executivo.

A passagem das culpas para os partidos do anterior Governo começou com o socialista Luís Testa. “Não se esqueçam das vossas responsabilidades que justificam o vosso pedido de desculpas pelos “dias terríveis” que a CP e a Emef viveram.” E lembrou que a compra de material circulante é um processo que exige preparação e tempo.

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Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, concorda que foram o PSD e o CDS que “montaram esta desgraça na ferrovia”. E faz uma graça com a participação de Nuno Melo na digressão ferroviária promovida pelo CDS para alertar para os problemas da ferrovia. Talvez o eurodeputado tivesse ouvido dizer que havia sauna nos Alfa — referência ao não funcionamento do ar condicionado durante a onda do calor — e quisesse experimentar.  Mas não deixou de fazer perguntas ao Governo:

  • Porque não há ainda contrato de concessão, quando a liberalização do transporte de passageiros está a chegar?
  • Se os comboios de longo curso ficaram de fora da compra de material circulante, quer isso que pode haver privatização do negócio mais rentável da CP?
  • E o que vai acontecer à concessão da Fertagus? (o contrato de concessão à Barraqueiro termina a 2019 e os comboios que circulam na Ponte 25 de Abril são do Estado).

Bruno Dias, do PCP, também atacou o anterior Governo. “Aqueles que agora rasgam as vestes em público” foram os que mandaram fechar as linhas do Oeste e do Leste, cortar o pessoal nas empresas, vender a CP Carga e concessionar as linhas suburbanas. “Se a incoerência pagasse impostos já havia dinheiro para uma frota toda nova”. O deputado lembrou os avisos que o partido fez ao longo do tempo “para as consequências desastrosas dessas medidas.” E defendeu a necessidade de um plano nacional de material circulante que permita planear a renovação. A compra de algum material para o serviço regional é apenas a resposta a uma parte do problema porque implicam a devolver as carruagens a diesel alugadas à Renfe.

Eloísa Apolónio, do Partido Ecologista Os Verdes, voltou àquela que parece ser a principal preocupação da esquerda. “Este Governo quer privatizar? Se não, tem de investir fortemente no setor”.

Na resposta, Pedro Marques deixou a garantia: “Connosco não há privatização da CP, nem da Emef, nem das linhas lucrativas da CP.” Destacou “o mais ambicioso programa de investimentos na ferrovia”, um concurso para a compra de comboios da CP, o “que não acontecia há 20 anos”, e a contratação de mais 140 trabalhadores para a empresa de manutenção Emef, sem a qual, assumiu o presidente Carlos Gomes Nogueira, a “CP não vive”.

Mas se o ministro se comprometeu com a assinatura de um contrato entre o Estado e empresa a definir as obrigações de prestação do serviço pública, em troca de pagamento de indemnizações compensatórias, não avançou nem data, nem valores. O presidente da CP revelou que pediu 90 milhões de euros por ano, um valor com a qual a empresa dará lucro, mas que é muito superior às indemnizações pagas no passado. Em 2014, a empresa CP recebeu a este título cerca de 19 milhões de euros. Pedro Marques também deixou sem resposta as perguntas sobre o futuro da Fertagus e a renovação do material circulante para o serviço mais lucrativo da CP, o longo curso.

Ainda na discussão sobre quem tem culpas pelo Estado da ferrovia, Emídio Guerreiro, do PSD, lembrou aos socialistas: “Nos últimos 23 anos, vocês governaram 15 anos e não avançaram com os concursos no passado”. O deputado do PSD lembrou ainda que muitas das medidas que o Governo PSD/CDS implementou no tempo da troika, como o fecho de linhas e a venda da CP Carga, estavam no memorando de assistência negociado ainda pelo Governo de Sócrates. E o debate acabou como começou, com Hélder Amaral a insistir na pergunta, agora já retórica porque o ministro já não tinha oportunidade de responder.

“Vai demitir alguém e ou vai demitir-se?”