Não é necessário recuar muito para nos recordarmos de como os nossos automóveis de há duas ou três décadas atrás suportavam embates relativamente violentos, sem que a deformação evidenciasse a gravidade do impacto. Ao contrário do que então acontecia, os veículos de hoje parecem de papel, no sentido em que se deformam tanto que chegam a parecer o chapéu de um probrezinho. Mas se isto parece mau, a verdade é que é bom. É (mesmo) muito bom.

Quando se deformam, os carros modernos absorvem a energia cinética resultante do embate, sujeitando os ocupantes a esforços menores. E isso resume-se numa palavra: sobrevivência. É este, em última análise, o objectivo dos testes levados a cabo pelo organismo europeu Euro NCAP, que estabelece padrões de segurança cada vez mais exigentes, levando os fabricantes a investir milhões para salvar ou minimizar danos nos seus clientes, em caso de acidente.

Há vários tipos de embate que os veículos modernos têm de ultrapassar com distinção para terem uma classificação favorável, entre os quais o embate lateral num poste, capotamento, contra uma parede rígida a 50 km/h, e perante uma estrutura deformável (com as mesmas características de um veículo similar parado, a 64 km/h) com um offset a 40%. Porém, este último embate frontal não só representa a maioria dos acidentes em condições reais, como exige um esforço da estrutura do veículo, e também dos ocupantes, muito superior ao que parece à primeira vista. Veja aqui o vídeo de um teste normalizado com o Volvo XC90, para se aperceber da dureza dos crash-tests do EuroNcap, mesmo este a 64 km/h.

As razões que levam este tipo de crash-test a ser tão comentado prende-se com a dificuldade em superá-lo. Primeiro, porque a velocidade é mais elevada – e é bom ter presente que a energia a dissipar depende do quadrado da velocidade – e, em segundo lugar, porque apenas uma das metades do veículo – a esquerda ou a direita, o que pressupõe o dobro do esforço para a estrutura – vai ter de proteger os ocupantes, absorvendo a energia com a sua capacidade de se deformar.

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A norma diz que, para merecer as cinco estrelas do Euro NCAP, o que faz maravilhas à imagem do modelo e à saúde de quem vai lá dentro, um veículo tem de ultrapassar este teste a 64 km/h em offset, ou seja, desfasado. Ora a Volvo, para mostrar que leva a segurança dos seus clientes muito a sério, decidiu elevar a fasquia a 80 km/h. Pode estar a pensar que é apenas um saltinho de 64 para 80 km/h, mas estes 16 km/h representam mais do que pode pensar.

Estado de choque. Volvo atira XC90 contra a parede

O grande Einstein explica-nos que a energia cinética depende de metade da massa do veículo, mas do quadrado da velocidade, pelo que o seu crescimento é exponencial. Ou seja, uma pequena variação na velocidade traduz-se numa enorme diferença na energia a dissipar. Daí a importância deste teste com um XC90, um SUV com um peso de 2.184 kg, com condutor a bordo e o depósito cheio. O desafio que a Volvo tinha pela frente era manter a integridade do habitáculo – manutenção do espaço de sobrevivência e capacidade de abrir as portas para assistir os sinistrados –, bem como submeter os ocupantes a desacelerações que não provoquem danos no corpo, ou derrames no cérebro.

Para ter uma ideia do que representa um incremento de 64 km/h para 80 km/h na velocidade para o mesmo veículo – e lembre-se disto a próxima vez que conduzir –, podemos dizer-lhe que enquanto a primeira obriga o XC90 a absorver 345.989 joules, a segunda expõe o modelo a 539.151 joules. São mais 55,8% de energia! Uma verdadeira enormidade equivalente à diferença de energia com que seria necessário lidar caso o XC90, em vez de 2.184 kg, pesasse 3.403 kg, como se transportasse 15 adultos lá dentro.

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Apesar do esforço adicional, as portas continuaram a abrir, o espaço interior manteve-se intacto, não permitindo antecipar quaisquer fracturas, e os dummies (que representam o pai, a mãe e o filho) não parecem ter sido submetidos a desacelerações excessivas, a avaliar pelas marcas que as suas “caras” pintadas deixaram nos airbags. Resta agora esperar que os técnicos que trabalham no centro de segurança da marca sueca analisem e interpretem os resultados recolhidos pelas dezenas de sensores instalados nos bonecos e no veículo, o que tardará no mínimo duas semanas, tantas quanto leva a preparar um crash-test destes .