Está para durar a guerra de palavras entre Vítor Constâncio e Joe Berardo. O empresário madeirense disse na sua audição de 10 de maio que se reuniu a sós com o ex-governador do banco de Portugal (para debater a sua posição acionista no BCP? Irregularidades no banco? O crédito na Caixa Geral de Depósitos?) em julho de 2007. Vítor Constâncio, ouvido esta terça-feira, desmentiu: “Tudo mentiras”. Houve uma reunião, numa data que não pode precisar, mas com elementos do departamento jurídico do BdP. Constâncio disse mesmo que não consideraria a possibilidade de se reunir a sós com Berardo.

Minutos depois do fim da audição, ao Observador, fonte oficial de Joe Berardo deixa mais uma farpa: a memória de Constâncio não é a melhor. “O comendador está incrédulo com a falta de memória de Vítor Constâncio acerca de uma reunião a sós, em julho”.

Vítor Constâncio. Eu, testemunha de Berardo? “Ele que pondere muito bem se lhe interessa”

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No decorrer da audição desta terça-feira, a questão das reuniões entre Berardo e Constâncio foi levantada logo a abrir, pelo CDS-PP. “Quantas vezes se reuniu com Berardo?”, perguntou Cecília Meireles. “Uma vez”, respondeu Constâncio. O Público conta na sua edição desta terça-feira que essa reunião foi em julho, um mês antes da aprovação do aumento da posição no BCP pedido por Berardo (com recurso a um crédito da Caixa).

Mas Constâncio não se comprometeu com a data. Disse apenas que não teve tempo para verificar. Lembra-se sim do encontro: “Essa reunião lembro-me perfeitamente. Recebi o sr. José Berardo, acompanhado pelo diretor de serviços jurídicos, José Queiró, e Silva Ferreira”. Estar tanta gente na reunião “surpreendeu o sr. José Berardo”, que queria reunir-se “só comigo”, salientou o ex-governador.

Constâncio esteve na reunião que aprovou ata sobre o BCP e recebeu Berardo

Lembrou também que dias antes do encontro em 2007, Berardo tinha criticado Constâncio sobre a atuação no BCP. A conversa começou por ali, porque Constâncio queria perceber que críticas tinham sido aquelas. Ele “atrapalhou-se” e comentou “você está com advogados, eu não trouxe advogados, portanto vou-me embora”. A reunião não durou mais do que alguns minutos e, ainda hoje, diz Constâncio, “José Queiró conta-me muitas vezes esta história como uma história bizarra e divertida dos seus tempos no Banco de Portugal”. Constâncio diz que nunca mais teve “qualquer outra reunião profissional, sobre assuntos do banco”, com Berardo. Essa foi a única.

A existência da reunião em julho dá mais força à teoria de que o encontro entre Berardo e o então governador serviria sobretudo para resolver o problema do aumento de participação no BCP e não a denúncia de irregularidades no banco fundado por Jardim Gonçalves, algo que terá acontecido mais tarde. Aliás, as cartas que chegaram ao Banco de Portugal sobre esse assunto, com as denúncias sobre os veículos offshore do BCP, chegaram apenas em novembro e a 11 de dezembro de 2007, indicou Constâncio.

Já no fim da audição, foi Mariana Mortágua quem recordou as palavras de Berardo na sua audição de 10 de maio. “O senhor José Berardo disse que a reunião foi só entre os dois. Tudo o que foi dito naquela reunião ficou entre quatro paredes, foi o que ele disse”. “Tudo isso [que disse Berardo] é mentira. Vou analisar essas mentiras e ainda bem que a senhora deputada as enumerou aqui todas de seguida. Tudo isso é mentira. Vou examinar”, respondeu Constâncio.

São estas as declarações de Constâncio que motivam o novo reparo do comendador. Está “incrédulo” com a falta de memória, mas não explica qual foi o motivo e os temas abordados na reunião que diz ter sido em julho. Sabe que foi com Constâncio, e a sós.

Constâncio a testemunhar contra os bancos? Berardo não duvida que sim

A questão começou quando Berardo admitiu a possibilidade de chamar Vítor Constâncio como testemunha contra os bancos, na ação de execução sumária que estes moveram contra o comendador (na qual pedem 962 milhões de euros).

Na audição desta terça-feira, o deputado do PSD Duarte Marques ligou esse facto a narrativas de outros depoentes na comissão da Caixa, de Armando Vara a Francisco Bandeira, passando por Carlos Santos Ferreira e Joe Berardo. O deputado social-democrata disse que “têm todos a mesma narrativa”.

“E [Joe Berardo] depois arrola-o a si como testemunha da sua tese. Há aqui um comportamento-padrão”, disse Duarte Marques.

Constâncio não hesitou e disparou de seguida: “Terá de ponderar muito bem se lhe interessa que eu seja sua testemunha”. “Tenho muito a dizer sobre isso”, completou.

Berardo não se ficou. Em declarações ao Observador a mesma fonte oficial diz que o comendador não tem dúvidas: Constâncio será mesmo testemunha. “Depois de saber das declarações do sr. dr. Vítor Constâncio, o comendador não tem mais dúvidas de que o ex-governador será testemunha, ainda que se apresente antecipadamente como testemunha hostil”.