O Stoxx 600, o índice bolsista que segue as 600 maiores empresas europeias, fechou a cair 11,3% esta quinta-feira – é a maior queda percentual de que há registo. Entre a proibição das viagens entre EUA e Europa e alguma deceção em relação ao pacote de estímulos apresentado por Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), os mercados financeiros estão a ter um dos piores dias da História – até a bolsa norte-americana está a registar perdas que só não são maiores porque há mecanismos automáticos de suspensão da negociação bolsista.

No final desta sessão bolsista, as perdas na bolsa lisboeta – o PSI-20 caiu 9,76%, para mínimos de 24 anos, só a EDP que era a empresa mais valiosa perdeu quase 13% num só dia – não ficam muito longe das que se registam em Paris (-11,7%), em Frankfurt (-11,4%) e em Londres (9,8%). Em Madrid e Milão, o cenário foi ainda mais negativo. O IBEX caiu mais de 14% e o MIB perdeu mais de 16%.

São perdas fortes que são acompanhadas por um volume de negociação que é mais do que dobro da média dos últimos 100 dias, o que dá uma ideia da enorme pressão vendedora que marcou esta sessão. Nos EUA, as perdas também superam os 8%, tendo já sido ativados os chamados circuit breakers, uma espécie de “disjuntores” automáticos que obrigam a uma pausa de alguns minutos na sessão bolsista.

Pela segunda semana consecutiva, a negociação nas bolsas internacionais está a ser marcada por uma volatilidade que é comparável – senão mesmo maior, em alguns casos – do que aquela que foi registada após o colapso do banco de investimento Lehman Brothers que, não tendo sido exatamente o início da crise financeira foi o seu momento mais icónico. Desta vez, não é uma crise financeira que se alastra para a economia real e para a sociedade. O percurso, agora, está a ser o inverso: uma pandemia que está a assumir consequências de dimensão geracional – e que apanharam as bolsas em máximos históricos, mesmo não existindo uma fulgurante aceleração da economia nem uma normalização das taxas de inflação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A sessão bolsista desta quinta-feira já começou em terreno negativo mas as perdas acentuaram-se depois de os investidores terem ficado pouco impressionados com a magnitude das medidas de estímulo anunciadas por Christine Lagarde, nova presidente do Banco Central Europeu (BCE). A expectativa de vários analistas é que as medidas anunciadas nesta quinta-feira terão, eventualmente, de ser reforçadas se as piores expectativas se confirmarem – desde logo, a recessão económica na zona euro.

Dow Jones com a maior queda dos últimos 30 anos

Também nos Estados Unidos, as bolsas fecharam com resultados negativos. Em Nova Iorque, o índice industrial Dow Jones fechou a perder 9,9%, com 21.200 pontos; já o índice Nasdaq desceu 9,43%, para 7.201 pontos. O índice S&P 500 fechou esta quinta-feira a perder 9,5%. Trata-se da maior queda das bolsas desde a chamada “segunda-feira negra”, em outubro de 1987, quando se registou a maior queda de sempre do Dow Jones.

“A política monetária não poderá fazer muito mais”

“Estamos numa fase em que é necessária a coordenação entre as políticas monetárias e as políticas orçamentais”, defende Carlos Almeida, diretor de investimentos do Banco Best. “A política monetária não poderá fazer muito mais, o que estamos a ver é uma certa ausência na coordenação nas políticas de índole orçamental”, lamenta o especialista, que argumenta que “medidas para assegurar a liquidez financeira das empresas deveriam estar a chegar à economia à mesma velocidade que o vírus se está a propagar”.

“Há uma dimensão social, de contenção do vírus, que é muito importante, mas do ponto de vista daquilo que são os mercados (que representam o conjunto de investidores e que são indicador avançado do que pode acontecer na economia), falta uma mensagem muito clara e objetiva de como é que as empresas vão gerir os seus cash flows”. Isto é uma mensagem que se aplica a todos os governos: “tem de ser uma coisa coordenada a nível global. É preciso haver políticas coordenadas” entre os governos, defende Carlos Almeida.

BCE não desce juros mas tenta estimular crédito às PME. Lagarde pede a governos que “atuem já e de forma robusta”

O BCE decidiu manter as taxas de juro inalteradas esta quinta-feira, quando muitos analistas previam mais uma redução, mas vai autorizar rácios de capital mais baixos por parte dos bancos e dar “descontos” nas taxas de juro cobradas em operações de financiamento (à banca) a longo prazo, numa tentativa de estimular a concessão de crédito às pequenas e médias empresas. Além disso, numa mensagem direta para os mercados financeiros, o BCE aumentou as compras de dívida em 120 mil milhões de euros até ao final do ano – um valor que acabou por não impressionar os investidores.

É claro para todos que a economia da zona euro está perante um enorme choque“, afirmou Lagarde, defendendo que tudo irá depender de quão prolongada a pandemia será e, por outro lado, quão rapidamente a propagação irá ocorrer. Lagarde diz que os governos, pelas medidas orçamentais que estão a tomar, e as várias instituições envolvidas estão a demonstrar “empenho em agir já e de forma robusta e coordenada“.

Em particular, o BCE quer que os governos têm de avançar já com “garantias de crédito, que são essenciais para complementar e reforçar a política monetária decidida hoje”. A opção por não baixar as taxas de juro, que contrasta com o que foi decidido pela Reserva Federal dos EUA e o Banco de Inglaterra, explica-se pelo facto de, ao contrário dos outros, o BCE já ter as taxas de juro em níveis negativos. Sendo essa situação um fator que penaliza o setor financeiro, o Conselho do BCE não terá querido contribuir para aumentar a incerteza no setor financeiro que viria com juros ainda mais negativos, que penalizam a rentabilidade das instituições financeiras e as tornam mais retraídas.

Lagarde disse que não quer “ficar na história com um whatever it takes 2.0″ [uma alusão à histórica expressão de Draghi, seu antecessor, que disse que o BCE faria “tudo o que for necessário” para inverter a crise financeira, em 2012]. A presidente do BCE garante que existe no Conselho “uma disponibilidade total e unânime em utilizar os instrumentos que estão à disposição” do banco central mas deixou claro que é preciso os governos atuarem de forma audaz para combater as consequências desta pandemia. Não passa pela cabeça de ninguém, disse Lagarde, olhar para os bancos centrais como “primeira linha de defesa”.

Ainda assim, a francesa recuperou uma parte do discurso de Draghi quando pediu à audiência: “Confiem em mim“, garantindo que o BCE irá usar todos os instrumentos que tem à sua disposição. No seu histórico discurso de 26 de julho de 2012, Mario Draghi tinha dito que o BCE “fará tudo o que fosse necessário” para preservar a união monetária, acrescentando: “E confiem em mim, isso será suficiente”. Para já, não parece que os investidores estejam a confiar muito.