A revista médica The Lancet distanciou-se do criticado estudo que publicou sobre a hidroxicloroquina, reconhecendo num aviso formal que “questões importantes” pairavam sobre este trabalho, que está a ser alvo de uma auditoria lançada pelos autores.

O alerta foi divulgado na noite de terça-feira sob a forma de “expressão de preocupação”, uma declaração formal usada por revistas científicas para indicar que um estudo é potencialmente problemático.

A chamada “expressão de preocupação” não tem as consequências de uma retirada total do estudo, mas pode colocar em dúvida o trabalho científico.

O estudo em questão levou à suspensão de ensaios clínicos de hidroxicloroquina em todo o mundo, pois concluiu que o medicamento não é benéfico para pacientes hospitalizados com Covid-19 e pode até ser prejudicial.

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Publicado em 22 de maio na The Lancet, o trabalho baseia-se em dados de 96.000 pacientes hospitalizados entre dezembro e abril em 671 hospitais e compara a condição dos doentes que receberam tratamento com esta substância com os que não receberam.

Os autores do estudo dizem “não ter conseguido confirmar o benefício da hidroxicloroquina ou da cloroquina” nos doentes analisados, apontando um acréscimo de efeitos adversos potencialmente graves, incluindo “um aumento da mortalidade”, durante a hospitalização de doentes com Covid-19.

Muitos investigadores expressaram dúvidas sobre o trabalho, entre os quais alguns cientistas céticos sobre o benefício da hidroxicloroquina no caso da Covid-19.

Numa carta aberta divulgada na semana passada, dezenas de cientistas expressaram preocupação sobre este trabalho e revelaram que um exame detalhado levantou questões de metodologia e de integridade dos dados, apontando a recusa dos autores em dar acesso total aos dados e a falta de “revisão ética”.

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Segundo a Agência France Presse (AFP), os dados usados são da Surgisphere, que se apresenta como uma empresa de análise de dados em saúde com sede nos Estados Unidos.

Os investigadores que assinaram a carta aberta pediram também à Organização Mundial da Saúde (OMS), ou outra instituição “independente e respeitada”, que crie um grupo de trabalho para fazer uma análise independente aos resultados.

Entre os signatários está o francês Philippe Parola, colaborador em Marselha e de Didier Raoult, promotor francês da hidroxicloroquina que contribuiu amplamente para popularizar este tratamento.

Por seu lado, os autores da investigação, o especialista Mandeep Mehra e os seus colegas, saíram em defesa do estudo. “Estamos orgulhosos de contribuir para o trabalho sobre a Covid-19” neste período de incerteza, disse na semana passada à AFP Sapan Desai, proprietário da Surgisphere.

A publicação do estudo levou a OMS a suspender temporariamente, por precaução, a inclusão de novos pacientes em ensaios clínicos com hidroxicloroquina em vários países.

Também em Portugal, após a posição da OMS, o Infarmed e da Direção-Geral da Saúde decidiram suspender o uso da hidroxicloroquina em doentes com Covid-19.

A recomendação do Infarmed e da DGS restringe-se ao uso deste medicamento apenas em doentes com Covid-19, sublinhando-se que “os doentes que estavam a ser tratados com hidroxicloroquina para outras patologias, doenças autoimunes como lúpus eritematoso sistémico, artrite reumatoide e malária, para as quais estas moléculas estão aprovadas, não devem interromper o seu tratamento”.

A pandemia de Covid-19 já provocou mais de 377 mil mortos e infetou mais de 6,3 milhões de pessoas em todo o mundo. Mais de 2,6 milhões de doentes foram considerados curados pelas autoridades de saúde.