A pandemia de Covid-19 agravou muitas situações de ansiedade, depressão e perturbações do comportamento alimentar nos jovens, bem como os consumos de álcool e tabaco, segundo a coordenadora do centro de atendimento para adolescentes Aparece.

Devido ao confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, “os jovens ficaram em casa, comeram mais, engordaram. Outros começaram a fazer dietas restritivas porque tinham engordado muito”, afirmou em entrevista à agência Lusa Maria de São José Tavares.

Segundo a médica, estas são as situações mais evidentes nos adolescentes que recorrem atualmente ao Aparece- Saúde Jovem, um espaço criado há 21 anos pelo Governo no Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa, para que os adolescentes tivessem um espaço dedicado exclusivamente aos seus problemas e pudessem partilhar todas as suas dúvidas num espaço de confidencialidade e privacidade.

“O Aparece tem tido um papel importantíssimo, e que vai continuar a ter, nesta fase de pandemia”, sendo que neste momento 90% dos atendimentos são por teleconsulta: “Todos os dias, são contactados oito a nove adolescentes com quem estamos mais preocupados e que são muitos”. As grávidas têm sido sempre atendidas presencialmente, assim como os jovens que aparecem “sem marcação”.

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Neste momento, o Aparece tem “imensos apelos”, mesmo para primeiras consultas, “a que é preciso responder” de “uma forma eficaz” nesta fase “em que as famílias estão tão aflitas e os adolescentes também”.

Questionada se os jovens estão com receio de voltar à escola e contrair a Covid-19 e contagiar os familiares, a médica afirmou que há “um receio muito grande”.

“Temos vários adolescentes que se infetaram neste percurso, mesmo muitos, e famílias inteiras”, disse Maria de São José Tavares, contando que houve muitos jovens que, “quando foi o período de maior liberdade, exageraram e fizeram disparates, e outros que têm mesmo medo de sair e estão isolados”.

“Isto é muito heterogéneo, mas o ambiente na generalidade é de fragilidade em muitos adolescentes”, afirmou, sublinhando que a pandemia “veio a agravar a fobia, os medos”, mas também o aumento dos consumos de tabaco e de álcool.

Para a coordenadora do Aparece, o impacto desta pandemia na sociedade é enorme: “Temos imensos adolescentes que os pais estão desempregados” e, por isso, apontando que é preciso dar-lhes atenção e não tirar “a energia a um serviço que é tão importante”.

Neste momento, há 3.500 adolescentes inscritos no Aparece, metade dos quais do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Lisboa Norte e os restantes de outros agrupamentos da Área Metropolitana de Lisboa. “Nós temos por mês a entrada, no mínimo, de 30 novos adolescentes. Com a pandemia tivemos um decréscimo, o que tem a ver com o contexto ambiental e social”, disse, esperando que as consultas presenciais reabrem em setembro.

Como razões para este decréscimo, apontou o facto de os jovens saírem menos de casa e as aulas presenciais terem dado lugar à telescola. “Muitos dos adolescentes são referenciados para primeiras consultas pelas escolas o que neste período não existiu”, explicou.

Por telescola, os professores não tiveram a oportunidade de avaliar algumas perturbações dos adolescentes ou até o absentismo e o abandono escolar, razões pelas quais muitas vezes são referenciados. “Portanto, tudo isto mudou muito” e “os adolescentes vão sair desta pandemia com tantas fragilidades, com tantos medos acrescidos, com tantas impossibilidades para compensar todo este período em que estiveram confinados”.

Por estas razões, defendeu, “é preciso estar muito atento às suas necessidades e evitar a criação de novas barreiras no acesso ao centro de atendimento aos adolescentes Aparece.

Pais e coordenadora de centro para adolescentes preocupados com mudança de instalações

No piso 1 (local do Aparece) a partir de 15 de agosto funcionará o Covidário. Sabemos que esta mudança vai trazer dificuldades acrescidas aos adolescentes até aqui habituados a uma equipa multidisciplinar, no Espaço Aparece”, lê-se na informação assinada pela coordenadora do centro, a médica Maria São José Tavares.

Alguns pais manifestaram preocupação à Lusa com esta mudança, por recearem que os filhos abandonem as consultas por deixarem de ter a privacidade que tinham naquele espaço criado para eles e passarem a ser atendidos num local onde utentes esperam por outras consultas no centro de saúde. “Era um local onde se sentiam à vontade e se relacionavam bem com a equipa. Com esta mudança, podem não querer ir à consulta”, disse Maria Isabel, mãe de um adolescente acompanhado no Aparece.

Este receio também é manifestado pela coordenadora do centro: “É evidente que isto traz alguma perturbação”, acrescentando: “Vamos tentar minimizar ao máximo todos os constrangimentos e o impacto que esta situação vai ter”.

Maria de São José Tavares contou que esta mudança de instalações “trouxe desconforto à equipa que, neste momento, vai trabalhar em contexto mais disperso, o que torna a dificuldade de coesão da equipa maior”.

Mas fundamentalmente é o impacto para o adolescente que “perdeu comodidade” no acesso à equipa multidisciplinar, que neste momento “está dispersa”, lamentou a médica, elencando como maiores problemas “a privacidade, a confidencialidade e a acessibilidade”.

A diretora-executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Lisboa Norte, Eunice Carrapiço, explicou que “a única coisa que aconteceu relativamente ao Aparece é que os meninos e os adolescentes em vez de continuarem a ser atendidos no piso um passam a ser atendidos no piso três”. De resto mantém-se tudo. Continuam a ser atendidos “com a mesma equipa, exatamente no mesmo horário, no mesmo tipo de oferta de cuidados que eram prestados até agora”, sublinhou Eunice Carrapiço.

A diretora reconhece a preocupação dos pais, mas assegurou que o apoio vai ser mantido, principalmente numa altura em que os jovens estão mais isolados. “Temos aqui um conjunto de fatores que representam também um perigo para a saúde mental dos jovens e dos adolescentes e, portanto, agora mais do que nunca queremos fazer este investimento neste apoio e manter e dar continuidade a tudo aquilo que tem sido feito até aqui”, sublinhou.

A este propósito, contou, que foi consultada a lista de espera de adolescentes para consultas de psicologia do ACES e o Aparece está a ajudar a diminuí-la com “uma resposta mais especializada”. “É mais uma adaptação para os profissionais do que para os adolescentes que em vez de estarem no piso um estão no piso três”, vincou.

O que se passa, explicou Eunice Carrapiço, é que houve a necessidade de montar uma área dedicada à Covid-19 (ADC), que visa proteger “todas as valências que funcionam nos centros de saúde de pessoas suspeitas de Covid-19”. “No agrupamento nós não temos nenhum espaço individualizado e, por isso, optámos por um jardim de infância” em Benfica, que reabre no dia 01 de setembro. Antes disso, a ADC funcionou numa unidade de saúde familiar que teve de reabrir para atender os 14.000 utentes.

“O único espaço físico que tem condições para funcionar uma ADC em todo o agrupamento” é onde está o Aparece, que está a ser alvo de “uma pequena obra de adaptação” para criar entradas distintas e circuitos autónomos do centro de saúde.

Segundo Eunice Carrapiço, foi dada a possibilidade da equipa do ir para o centro de saúde do Lumiar, onde teriam “todas as condições” para funcionar no mesmo modelo, além de ter boas acessibilidades de transportes.

Maria São José Tavares explicou que a equipa não aceitou deslocar-se para o Lumiar por ser uma mudança provisória, além de que para “os adolescentes seria ainda mais desorganizador mudar para outro centro”.

“Acho que isso teria um impacto ainda maior daí, como coordenadora, ter assumido que seria preferível ficarmos aqui no centro de saúde de Sete Rios” com “toda a força e coragem para minimizar esses impactos nos adolescentes”, disse, rematando: “Estamos em tempos adversos em que as equipas têm que se adaptar”.

A pandemia de Covid-19 já provocou mais de 701 mil mortos e infetou mais de 18,5 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 1.740 pessoas das 51.848 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.