Fazer experiências científicas com pessoas encarceradas foi fortemente limitado devido aos estudos pouco éticos conduzidos. Agora, não incluir prisioneiros nos ensaios clínicos de vacinas contra o SARS-CoV-2 pode ser outra forma pouco ética de prejudicar esta população, escreve uma equipa norte-americana num artigo de opinião na revista científica JAMA.

Os ensaios clínicos de fase 3 devem, idealmente, fazer-se com pessoas que tenham um alto risco de ser expostas à infeção, no caso, ao novo coronavírus, como os profissionais de saúde. Mas tendo em conta que 39 dos 50 maiores surtos nos Estados Unidos aconteceram em centros de correção, prisioneiros e funcionários deveriam ser incluídos nos estudos, defende a equipa de Emily Wang, investigadora na Escola de Medicina de Yale.

A taxa de infeção por SARS-CoV-2 nas prisões é 5,5 vezes mais alta do que na população em geral e a taxa de mortalidade nas prisões devido à Covid-19 é três vezes mais alta do que na população norte-americana da mesma idade — isto porque a prevalência de doenças crónicas entre os presos também é muito alta.

Além disso, há muito mais reclusos pretos nas prisões norte-americanas, o que permite que este grupo tenha oportunidade de ter uma maior representação nos ensaios clínicos que normalmente são dominados por indivíduos brancos. Como um em cada três cidadãos pretos norte-americanos acaba por ter algum contacto com a prisão durante a vida, um estudo feito com estes presos podia ser extrapolado para a população de homens pretos em geral.

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Os indivíduos encarcerados foram, durante décadas, usados como cobaias em estudos pouco éticos e sem poderem decidir se queriam participar ou não ou saberem o que lhes ia acontecer. Em 1978, a Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos Humanos em Investigação Biomédica e de Comportamento recomendou uma série de restrições à participação destes indivíduos em estudos científicos.

Primeiro, as experiências têm de mostrar representar um risco mínimo para os indivíduos, depois, têm de estar relacionadas com o facto de os indivíduos estarem presos (comportamento criminal, condições das prisões, etc.). Também é admitida investigação que pretenda melhorar a saúde e bem-estar dos indivíduos. É neste requisito que podiam encaixar os ensaios clínicos com a vacina contra o coronavírus, mas a aprovação destes estudos nos centros de correção é muito difícil, denunciam os autores do artigo.

Se os presos ficarem fora dos ensaios clínicos de fase 3, que podem ter de recrutar cerca de 30 mil pessoas para cada vacina em teste, pode ser um “exemplo das consequências involuntárias de políticas bem intencionadas”, dizem os autores.