A revista francesa Valeurs Actuelles, próxima da extrema-direita, está a ser investigada pela Procuradoria de Paris por “insultos racistas” depois de ter publicado na edição mais recente uma ficção onde a deputada Danièle Obono, que é negra, foi desenhada como se fosse uma escrava.

Este é o mais recente desenvolvimento de uma publicação controversa que gerou críticas de vários quadrantes da política francesa. Em causa está uma edição da rubrica de verão da Valeurs Actuelles, em que, com recurso a um exercício assumidamente de “ficção política”, fazem uma “viagem no tempo” com diferentes políticos franceses.

No caso de Danièle Obono, deputada francesa de origem gabonesa que é do partido de extrema-esquerda França Insubmissa, a revista decidiu publicar uma história em que esta surge no Chade do século XVIII, referindo que ali a deputada “vivencia a responsabilidade que os africanos têm nos horrores da escravatura”. Aquelas sete páginas de texto são acompanhadas por ilustrações, onde Danièle Obono é retratada como escrava, nua da cintura para cima e acorrentada pelo pescoço.

Danièle Obono reagiu à publicação do Valeurs Actuelles dizendo que aquele era um exemplo da “extrema-direita, odiosa, feia e cruel”. “Felizmente ainda podemos escrever merdas racistas num pano de cozinha [de torchon, termo pejorativo para um jornal, em francês] ilustrado por imagens de uma deputada negra e africana caracterizada como escrava…”, ironizou a deputada.

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No dia seguinte à publicação, a Valeus Actuelles publicou um comunicado onde tentou justificar aquela publicação, atendendo ao que diz ser a “má fé” de alguns que a criticaram.

“A nossa intenção, transparente, era a seguinte: aos indigenistas e aos descontrutores da História que querem que apenas os europeus paguem pelo peso deste tratamento que não pode ser apoiado, nos quisemos lembrar que não existia uma união africana e que a complexidade e a dureza da sua realidade tinha de ser contada”. Danièle Obonno foi a escolhida para figurar nesta “ficção política” por causa das “suas repetidas tomadas de posição, na procura de falsificação ideológica da História”.

Por isso, em comunicado, a revista sublinha: “O nosso texto não tem nada de racista”. Ainda assim, faz um mea culpa: “Embora contestemos firmemente as acusações que nos são feitas, temos clarividência suficiente para compreener que a principal visada, a senhora Danièle Obono, se possa ter sentido pessoalmente atingida por esta ficção. Lamentamos o sucedido e apresentamos as nossas desculpas”.

Este pedido de desculpas não chegou para convencer vários políticos franceses, que saíram em defesa de Danièle Obono e contra a publicação da Valeurs Actuelles. “Esta publicação revoltante exige uma condenação sem ambiguidade”, escreveu o primeiro-ministro, Jean Castex. “Partilho a indignação da deputada Danièle Obono e garanto-lhe o apoio da totalidade do Governo. A luta contra o racismo transcenderá sempre todas as nossas clivagens.”

Na mesma linha, o ministro da Justiça, Eric Dupond-Moretti declarou o seu apoio à deputada. “Somos livres de escrever uma ficção nauseabunda, mas dentro dos limites fixados pela lei. E também somos livres de detestá-la. Eu detesto-a e estou ao seu lado”, escreveu, numa mensagem com tag para a deputada de extrema-esquerda.

Também à extrema-direita houve vozes críticas. Uma delas foi a de Wallerand De Saint-Just, uma das figuras mais destacadas da União Nacional e veterano da antecessora Frente Nacional. “A cobertura da Valeurs Actuelles é de um mau gosto absoluto, o combate político não justifica este tipo de representação humilhante e danoso de uma eleita da república”, reagiu Wallerand De Saint-Just no Twitter.

Este caso levou ainda a que dois membros da Liga de Defesa Negra Africana (LDNA) tivessem tentado entrar na redação da revista Valeurs Actuelles — tentativa sem sucesso, que filmaram e transmitiram em direto no Facebook. “Eles não querem atingir apenas Danièle Obono, eles atacam direta ou indiretamente o povo africano, o povo negro”, disse um dos militantes da LDNA. “É uma maneira de formatar estes negrofóbicos, estes franceses frágeis que pensam que são superiores.”