A 25 de outubro, o Bloco de Esquerda anunciou o voto contra o Orçamento, na generalidade, e com isso ficaram no limbo os avanços negociais que o partido tinha atingido com o PS já depois de entregue a proposta. Agora, algumas dessas ideias voltam sob forma de propostas de alteração do PS, com que os socialistas querem agora pressionar o partido liderado por Catarina Martins, mas também o PCP. Nenhum dos dois parceiros garante viabilizar a versão final e o PS apostou, esta sexta-feira, as suas últimas cartas para as duas semanas de negociação que aí vêm.

“Temos mantido contactos com todos os grupos parlamentares. Não há divórcios em democracia, há sempre alternativas“. A frase que a líder parlamentar do PS deixou esta sexta ao fim do dia, já depois de ter entregue as propostas de alteração ao OE da sua bancada, mostra que os socialistas ainda estão em jogo. Mas no Bloco de Esquerda, ainda esta quarta-feira, Mariana Mortágua garantiu que desde o voto contra do partido não houve conversas com o Governo nem há nada previsto. Já João Oliveira, líder parlamentar do PCP, admitiu que houve conversas com os socialistas e Governo, para avaliar propostas, mas que só há aproximação “num conjunto muito pequeno de matérias”.

Esta sexta-feira, data limite para a entrada de propostas de alteração, estavam mais de mil registadas no sistema do Parlamento: cerca de 100 do PS, 91 do PSD, 95 CDS, mais de 300 do PCP, 12 do Bloco, 120 dos Verdes, mais de 200 do PAN (que já conta com acordo do Governo para cerca de três dezenas), 100 do IL, cerca de 150 do Chega. Os comunistas são os recordistas nos pedidos de alterações e, este ano, o Bloco decidiu ser minimalista para “não criar obstáculos” ao diálogo com o PS na especialidade (a discussão do Orçamento em detalhe que se segue nas próximas semanas), focando-se nas matérias onde falhou a negociação final.

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O PS entrou no jogo nas alterações ao Orçamento para isentar de IRS mais portugueses e prolongar por mais seis meses a proibição de cortes da luz, água e gás a quem não consegue pagar. Estas são as medidas que vêm mais fora do menu das negociações com a esquerda. De resto, o grosso do que é apresentado com maior impacto orçamental procura colocar pressão sobre a esquerda, já que algumas das propostas vão ao encontro das pretensões tanto do BE como do PCP.

Mas comecemos pela novidade exclusivamente socialista: fazer com que mais pessoas não tenham de pagar IRS. Em declarações na Assembleia da República, a líder parlamentar do PS afirmou que o aumento em 100 euros do mínimo de existência ” permite que muitas mais pessoas deixem de pagar IRS”, aliás estima mesmo que a medida atinja “dezenas de milhares de famílias”.

É também voltada para as famílias mais afetadas pela pandemia a manutenção da medida que já vigorou este ano e que proíbe a suspensão do fornecimento de água, luz, gás natural e comunicações eletrónicas. A medida vai ser alargada aos primeiros seis meses do próximo ano. No caso dos serviços de comunicações eletrónicas, os socialistas propõem que esta proibição de suspensão de contratos aconteça “quando motivada por situação de desemprego, quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20 %, ou por infeção por Covid-19”.

Depois aparecem as tentativas de aproximação ao Bloco de Esquerda, com os socialistas a colocarem entre as suas propostas a calendarização para as 4.200 contratações no SNS, recuperando o calendário apresentado pelo Executivo na negociação com o Bloco de Esquerda. As contratações atingem 1.400 até ao final do segundo trimestre de 2021, as 2.800 até ao final do terceiro trimestre de 2021 e, finalmente, chega às 4.200 até ao final do ano.

E no capítulo seguinte desta mesma tentativa de conciliação os socialistas colocam alterações ao novo apoio social que consta no Orçamento do Estado. E propõe que durante seis meses possam ter acesso a este apoio os trabalhadores em situação de desproteção social e económica (trabalhadores informais, por exemplo) desde que exista um vínculo à Segurança Social. E incluíram também na lista de acessos os trabalhadores por conta de outrem que perderem o subsídio de desemprego no próximo ano, sem terem condição de recurso, e o mesmo para os sócios gerentes e trabalhadores independentes que fiquem em confinamento geral. Os sócios gerentes passam também a poder aceder a esta prestação criada neste Orçamento pelo Governo, no mesmo quadro que os trabalhadores por conta de outrem.

Ana Catarina Mendes disse que esta medida aumenta para 250 mil o número de beneficiários do novo apoio, face ao que estava previsto no Orçamento do Estado para 2021 entregue pelo Governo, e que aumente de 450 milhões a despesa orçamental prevista para 600 milhões de euros.

Também há mais aproximações ao PCP, que se absteve na votação na generalidade e não baixa a ameaça de poder passar ao voto contra na votação final — basta ouvir o que disse esta sexta-feira ao Observador o líder comunista Jerónimo de Sousa. O PS acaba agora por conceder aos comunistas propondo uma autorização para que o Governo possa prolongar o lay off simplificado, garantindo remunerações a 100% aos trabalhadores que estejam abrangidos por esta medida. Atualmente esse apoio é de 88% a 93% da remuneração bruta.

E ainda há alterações no suplemento de penosidade e insalubridade que o Orçamento prevê que se aplique aos assistentes operacionais das áreas de higiene urbana e do saneamento das autarquias, mas que agora os socialistas vêm desagregar detalhando que também se aplica assistente ligados a “procedimentos de inumações, exumações, trasladações, abertura e aterro de sepulturas de que resulte comprovada sobrecarga funcional que potencie o aumento da probabilidade de ocorrência de lesão ou um risco potencial agravado de degradação do estado de saúde”. Além disso, o PS propõe a alteração dos valores que constam na proposta de Orçamento do Governo.

Outra das propostas de alteração do PS que significa uma cedência à esquerda — que ainda não está segura para a votação final — é o fim da aplicação do fator de sustentabilidade sobre as pensões especiais requeridas nos anos de 2019 e 2020. Este fator significa um corte de cerca de 15% nas pensões dos regimes especiais e o seu fim já estava prometido e orçamentado desde 2019. O PCP tem insistido que a medida, que só entrou em vigor no final deste ano, possa contemplar também quem requereu estas pensões a partir de janeiro de 2019. E o PS consumou o que o Governo não deu logo na negociação para a generalidade.

“Muitas destas propostas vão ao encontro das negociações com o PCP mas também com o BE, designadamente a calendarização dos profissionais de saúde e a nova prestação social, ao estendê-la a mais beneficiários”, admitiu Ana Catarina Mendes que considera que estas propostas “reforçam” o OE apresentado pelo Governo e que “merece o apoio de todos os parceiros à esquerda”.

E ainda atacou o PSD, dizendo que as propostas socialistas “não são avulsas” como as sociais-democratas, mas “concertas para responder a problemas concretos das pessoas”.

Terminou esta sexta-feira o prazo para a entrega de propostas de alteração ao Orçamento do Estado. As iniciativas, bem como a proposta do Governo, serão debatidas e votadas a do dia 23 até ao dia 26 em que ocorrerá a votação final global. Só aí o primeiro-ministro poderá respirar de alívio face ao seu primeiro Orçamento que passou na generalidade sem o apoio do Bloco de Esquerda.