A procuradora do Ministério Público que mandou seguir dois jornalistas num processo por violação do segredo de justiça, para saber com quem se relacionavam no meio judicial, também fez perguntas a funcionários judiciais, elementos da Polícia Judiciária e até a uma juíza sobre outros jornalistas que escreveram sobre a detenção do ex-assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves.

O inquérito, porém, foi aberto apenas com a reprodução de algumas notícias da revista Sábado assinadas pelo seu subdiretor e jornalista Carlos Rodrigues Lima, em março de 2018. Uma delas foi publicada no site da revista minutos depois da detenção do assessor da SAD do Benfica, como o Observador já noticiou.

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No processo, agora consultado pelo Observador, segue-se depois o comunicado da Policia Judiciária que dava conta da operação e-Toupeira, mas que fora enviado mais de uma hora depois da notícia da Sábado, sustentando assim a tese do Ministério Público de que houve uma fuga de informação.

A procuradora Andrea Marques, encarregada da investigação, mandou então inquirir o procurador responsável do caso e-Toupeira para perceber se tinha contactado algum jornalista e também para obter uma listagem de todos os nomes, entre magistrados, funcionários judiciais e polícias, que tinham tido contacto com o processo — podendo ser a origem da fuga. E o magistrado acabou por relatar que, de facto, estranhou ver no Correio da Manhã a notícia, uma vez que ao longo da investigação teve cuidados extremos para que a informação do processo fosse mantida num núcleo restrito de pessoas, não fosse colocada no Citius, a plataforma informática da justiça, muito menos comunicada entre e-mails.

O inspetor da PJ que foi com ele fazer a busca a casa de Gonçalves explicou que, nessa altura, a mulher do arguido ligou a televisão, com o filho menor na sala, e que estava a dar a notícia da detenção na CMTV. Ouvido pelo Ministério Público, o inspetor contou que Paulo Gonçalves ficou tão furioso com a fuga de informação que, se tivesse uma arma, disparava.

Só depois destas declarações é que a procuradora se virou para Henrique Machado, o então editor do Correio da Manhã que também assinou um artigo publicado quando as buscas ainda decorriam. No processo constam as notícias que escreveu, assim como as informações sobre a ficha editorial e os contactos do Correio da Manhã.

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Andrea Marques, suspeitando de que este dois jornalistas têm contactos privilegiados nos tribunais ou na polícia, mandou a PSP vigiá-los para descobrir com quem se relacionavam. Depois foi ouvir todos aqueles que tinham tido contacto com o processo: funcionários judiciais, magistrados, polícias e até a juíza de instrução Cláudia Pina. Mas a eles não se limitou a perguntar se conheciam apenas Henrique Machado e Carlos Rodrigues Lima.

A todos perguntou se conheciam também os jornalistas: Diogo Barreto (Sábado); Tânia Laranjo, Liliana Rodrigues e Isabel Palma (Correio da Manhã); Hugo Franco, Pedro Candeias e Rui Gustavo (Expresso); Alexandre Panda, Nelson Morais e Nuno Miguel Maia (Jornal de Notícias); e os jornalistas do Observador Rui Pedro Antunes, Luís Rosa e Bruno Roseiro.

Uma pesquisa rápida permite concluir que todos eles escreveram notícias sobre o caso e-Toupeira, mesmo que alguns deles o tenham feito pontualmente e nem sequer seja frequente assinarem artigos na área da Justiça.

Alguns inspetores da PJ afirmaram conhecer alguns nomes, mas não terem qualquer relação com eles. Houve funcionários judiciais que conheciam alguns dos jornalistas porque vão consultar os processos, devidamente autorizados. A juíza de instrução que foi inquirida conhecia apenas um dos jornalistas por causa de um congresso em que tinha participado e outros porque foram arguidos em casos que lhe passaram pelas mãos, mas negou qualquer relação estreita com eles. Alguns dos jornalistas na lista eram conhecidos pela polícia por aparecerem na televisão ou moderarem debates. Ninguém assumiu qualquer relação privilegiada, mesmo que, em casos pontuais, possam ser amigos no Facebook.

“É tudo legal, é tudo legal. Então nós não podemos seguir jornalistas na via pública?”. A reação da diretora do DIAP

Quase um ano depois, era adicionada uma nova suspeita de violação do segredo de justiça a este processo, relativamente ao caso Lex — e, especificamente, em relação a Carlos Rodrigues Lima. Aqui Andrea Marques também inquiriu o inspetor da PJ responsável pelo caso (que tem Rui Rangel como principal arguido) e perguntou-lhe se conhecia outros jornalistas. Desta vez todos da Sábado, incluindo o seu diretor, Eduardo Dâmaso, além de Lima e do jornalista António Vilela (cuja imagem está no processo numa saída para almoçar com o colega Carlos Rodrigues Lima, durante a vigilância da PSP). Também aqui não obteve qualquer confirmação ao que procurava.

O inquérito foi aberto há quase três anos e os únicos jornalistas ouvidos foram Carlos Rodrigues Lima e Henrique Machado, que foram constituídos arguidos, depois de um coordenador da PJ também ser, por violação do segredo de justiça. Nenhum outro jornalista referido no processo foi, até agora, chamado a testemunhar.