Vários bispos católicos angolanos denunciaram esta segunda-feira o que consideram ter sido um “grave massacre” de manifestantes na localidade de Cafunfo, Lunda Norte, afetos ao Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT).

Nas redes sociais, vários bispos católicos angolanos que integram a Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) também condenaram as mortes dos manifestantes pela polícia.

As autoridades policiais alegam que mataram seis manifestantes que tentaram invadir uma esquadra no Cafunfo enquanto o MPPLT contraria essa versão acusando as forças angolanas de terem disparado indiscriminadamente contra cidadãos desarmados, provocando 15 mortos e dez feridos.

Angola. Protetorado da Lunda Tchokwe responsabiliza autoridades pelo ataque

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O arcebispo de Saurimo, José Manuel Imbamba, que já foi o bispo da diocese onde se localiza Cafunfo, escreveu na rede scial Facebook um “desabafo em voz alta”, lamentando o sangue “derramado inutilmente” e questionando se havia necessidade para “tanta violência e desumanidade”.

“Os problemas sociais, de miséria, exclusão e analfabetismo são mais do que evidentes nesta região leste. Em vez da política dos músculos, não seria mais sensato cultivarmos a política do diálogo para juntos resolvermos e venceríamos as assimetrias sociais gritantes tão notórias?” – questionou.

O também vice-presidente da CEAST e responsável pela província eclesiástica que tutela a diocese do Dundo diz estar “profundamente chocado e consternado” com o sucedido, espera que a investigação seja “vigorosa e responsabilize os que agiram mal”.

Já o bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, na sua reação sobre o “massacre” na Lunda Norte, afirmou, na sua conta oficial no Facebook, que o que se passou em Cafunfo “é muito grave”, defendendo “investigações independentes para se responsabilizar publicamente os culpados”.

“Este país é grande demais e nele cabemos todos. É muito rico, mas é preciso que se deixe de roubar e se distribua a riqueza mediante a diversificação da economia geradora de empregos. Não podemos continuar neste paradoxo que faz das zonas de exploração de riqueza verdadeiros pântanos de pobre”, atirou.

Por sua vez, o bispo da diocese do Moxico, leste de Angola, disse estar com o “coração a sangrar” devido à “violência inaudita de Cafunfo com toda a dose de agressão e morte, de desrespeito a vivos e defuntos”.

Para Jesus Tirso Blanco, “nada pode justificar esse tipo de execuções sumárias sem crime cometido”, escreveu o bispo na conta na rede social, considerando que, no passado sábado, “se abriram feridas profundas que não cicatrizarão facilmente”.

Em declarações à Lusa, o bispo do Dundo, Estanislau Marques Chindekasse criticou a violência e recordou que o protesto tem raízes em problemas profundos por resolver.

“Claramente que é preocupante, quando há perdas de vidas humanas nos preocupa e lamentamos, mas a questão fundamental não é esta, está é simplesmente uma manifestação de uma realidade mais profunda”, afirmou.

A Lunda Norte é uma zona de grande implantação das autoridades tradicionais e tem existido uma tensão permanente entre estas e o poder central de Luanda.

Esta segunda-feira, o bispo católico que tutela a região defendeu o “diálogo como princípio fundamental” para a resolução dos problemas, referindo que depois do 4 de abril de 2002 (Dia da Paz e Reconciliação em Angola) “nenhum angolano mais iria morrer por causa das ideias que tem”.

Segundo Estanislau Marques Chindekasse, a questão daquela região do leste de Angola “é muito mais complexa” e uma manifestação “não se resolve com violência nem de uma parte nem da outra”.

O comandante geral da polícia nacional angolana, Paulo de Almeida, visitou neste domingo aquela região e garantiu um inquérito para se apurar responsabilidades.

Partido de Renovação Social quer explicações sobre “tamanha brutalidade” contra manifestantes

O Partido de Renovação Social (PRS) exigiu esta segunda-feira às autoridades angolanas explicações concretas sobre “tamanha brutalidade contra manifestantes” na província da Lunda Norte, que terminou com um saldo oficial de sete mortes.

O líder do PRS, terceira maior força política da oposição e com forte representação nas províncias das Lundas Norte e Sul, disse que convocou a conferência de imprensa “para repor a verdade sobre os factos que ocorreram no dia 30 de janeiro”, no decorrer de uma manifestação organizada pelo Protetorado Lunda Tchokwe.

Benedito Daniel referiu que, analisados os factos, ficou concluído que “Angola tem problemas de separação estrutural e de exclusão, que têm de ser resolvidos com urgência”.

Estamos chocados e indignados com as mortes e detenções dos manifestantes, assim como com o uso excessivo de força utilizada pelas forças armadas e Polícia Nacional para repelir uma manifestação de cidadãos indefesos”, referiu Benedito Daniel.

O líder do PRS disse estar igualmente surpreendido com “a habilidade” da polícia na justificação dos “assassínios, com o massacre perpetrado”. Para Benedito Daniel, “não é crível nem admissível” afirmar-se que um grupo de 300 elementos ia buscar uma autodeterminação numa esquadra da Polícia Nacional.

Segundo Benedito Daniel, os cidadãos organizaram uma manifestação para exigirem condições de vida adequadas e escreveram às autoridades, mas estas não responderam, “limitaram-se apenas a preparar um arsenal bélico e homens das forças armadas e Polícia de Intervenção Rápida para repelir a manifestação”.

E fizeram-no no momento em que os manifestantes se concentravam, dispararam indiscriminadamente contra a multidão, provocando quatro mortos e 16 feridos. Arrastaram os mortos e feridos para um local de concentração onde viriam a falecer mais dois cidadãos, perfazendo seis mortos. Outro cidadão veio a sucumbir no dia seguinte já no hospital, tendo como balanço provisório sete mortos, oito feridos e vários detidos”, acrescentou.

Benedito Daniel apelou a que as reivindicações dos cidadãos sejam vistas com muita seriedade e que se pense em políticas públicas capazes de satisfazerem as necessidades mais prementes da população e criminalizar de forma efetiva as forças que utilizam armas para inibir, intimidar ou matar aqueles que reivindicam.

No Cafunfo, as autoridades pisaram a Constituição e estabeleceram um estado de anarquia”, referiu Benedito Daniel, lembrando que em Angola a pena de morte é proibida.

O que aconteceu no sábado foi uma tortura e assassínio de jovens angolanos por cidadãos angolanos que estavam em cumprimento de ordens superiores, pois a caça aos proponentes da manifestação começou dias antes. Independentemente das reivindicações dos incautos, nada justifica a sua morte, pelo contrário, o executivo precisava criar condições de dialogar com os contestatários“, disse.