Em 2009, quando Sarah Thomas era a única mulher a arbitrar jogos de futebol americano universitário nos Estados Unidos, o The New York Times decidiu fazer um longo perfil sobre a mulher natural do sulista Mississippi que estava a fazer história numa modalidade que era, até então, jogada, treinada e arbitrada única e exclusivamente por homens. No artigo, o jornal dava voz a Gerald Austin, um antigo árbitro que foi um dos primeiros a reparar em Sarah Thomas. “Eles têm de olhar para ela. É demasiado boa”, dizia Austin, referindo-se à possibilidade de a NFL fazer de Thomas a primeira mulher a arbitrar ao mais alto nível. 11 anos depois, essa barreira já foi ultrapassada há cinco. Este domingo, Sarah Thomas ultrapassou outra: tornou-se a primeira mulher a arbitrar no Super Bowl.

Mas a ligação de Sarah Thomas ao desporto até começou através de outra modalidade. Depois de também praticar softball no ensino secundário, entrou na Universidade de Mobile com uma bolsa para jogar basquetebol. Ao longo das três temporadas em que representou a universidade e acabou por terminar o curso superior, registou 779 pontos, 441 ressaltos, 108 assistências e 192 desarmes — números que, ainda hoje, a tornam a quinta melhor jogadora da história da escola. Com este background, tornou-se normal a decisão que tomou em 1996, quando acompanhou o irmão mais velho a um meeting da Associação de Árbitros de Futebol Americano da Costa do Golfo.

Imediatamente atraída pelas dinâmicas das equipas de arbitragem — assim como por tudo aquilo que percebeu que não sabia sobre as regras do jogo –, começou como todos os outros, a conduzir jogos de ligas juvenis e a estudar para os testes obrigatórios enquanto trabalhava em campeonatos do ensino básico. Chegou ao nível de ensino secundário em 1999, com 26 anos, e nem o facto de ter engravidado duas vezes nesse período a parou: deixou os relvados e passou a ficar responsável pelo cronómetro de jogo, vestida com uma camisola que respeitava as regras de vestuário dos árbitros mas que tinha sido feita à medida, pelas mulheres dos outros juízes. “Fizeram-me uma camisola de árbitro de maternidade. Estar ali, tão grande e de riscas, foi a única vez em que me senti fora do meu lugar”, confessou ao New York Times.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar do sucesso, Sarah Thomas decidiu deixar os relvados em 2006, com 33 anos. A carreira profissional na área farmacêutica estava a tornar-se mais importante e os filhos começavam a exigir maior tempo e disponibilidade, com atividades extra-curriculares e modalidades desportivas. Mas antes de ter a oportunidade de abandonar a carreira de árbitra, foi surpreendida pela abordagem de Gerald Austin, árbitro da NFL ao longo de mais de 25 anos que entretanto se tornou o coordenador de toda a arbitragem da liga. Um olheiro de arbitragem, também ele um antigo árbitro, ficou impressionado com algumas exibições de Sarah Thomas e alertou Austin, que a convidou para um campo de treino em Reno, no Estado do Nevada.

Super Bowl LV

Natural do Mississippi e com 47 anos, Sarah Thomas jogou basquetebol na universidade e esteve sempre ligada ao desporto

“Ela tomava uma decisão difícil atrás da outra e acertava em todas. Não existia qualquer motivo para não a contratar”, explicava Austin, na altura, na mesma entrevista em que antecipou a chegada da árbitra à NFL. O marido de Sarah Thomas, Brian, foi o primeiro a dizer-lhe que teria de aproveitar a oportunidade. “Não ia colocar-me no caminho dela. Acabámos por arranjar uma maneira de conciliar as nossas agendas com os miúdos. Eu esforço-me mais no outono, ela na primavera e no verão”, revelou. Após dois anos de rotação e aprendizagem, Gerald Austin deu a Sarah Thomas uma temporada completa em 2009, tornando-a a primeira de sempre a arbitrar um jogo de futebol americano universitário.

Nessa altura, Sarah Thomas explicava ao The New York Times que o facto de também ela ter sido atleta a ajudava a compreender a concentração dos jogadores — que muitas vezes leva a linguagem menos polida e reações menos ponderadas. “O que é engraçado é que, nas raras vezes em que reparam que sou uma mulher, ficam muito envergonhados, o que faz com que os meus filhos possam assistir aos jogos sem ouvir nada inapropriado”, contava a árbitra, cujo sotaque do Mississippi a torna agora facilmente reconhecível. Em 2009, Thomas dizia não ter pressa de chegar à NFL.

Esse momento, antecipado por Gerald Austin há 11 anos, chegou em 2015. Em abril desse ano, a NFL anunciou que Sarah Thomas seria a primeira árbitra a ser contratada de forma permanente pela liga. A estreia foi em setembro, num jogo entre os Kansas City Chiefs e os Houston Texans. Em 2019, mais história: tornou-se a primeira mulher a arbitrar um jogo dos playoffs de acesso ao Super Bowl, ao estar na partida decisiva entre os New England Patriots e os Los Angeles Chargers. Dois anos volvidos, o salto definitivo para um patamar onde só ela está. Nos últimos dias de janeiro, a NFL anunciou que Sarah Thomas, aos 47 anos, ia integrar a equipa de arbitragem do Super Bowl disputado entre os Tampa Bay Buccaneers e os Kansas City Chiefs, tornando-a também a primeira mulher a arbitrar o jogo mais importante do futebol americano nos Estados Unidos.

“Sarah Thomas fez história mais uma vez enquanto a primeira mulher a arbitrar o Super Bowl. A sua performance de elite e compromisso com a excelência deram-lhe o direito de arbitrar o Super Bowl. Parabéns à Sarah por esta merecida honra”, podia ler-se no comunicado oficial da NFL. E para Sarah, a honra está também relacionada com o exemplo.

Brady vence a sua 7ª Super Bowl. O melhor de sempre continua a ser o melhor

“Ser escolhida para o Super Bowl deste ano e ser a primeira mulher a ser selecionada tem muito significado. A honra de estar no Super Bowl significa que estás no topo da tua posição. Lutamos e trabalhamos o mais possível para chegar lá, para ser a número 1, por isso, receber a chamada para estar no Super Bowl é fantastico. Mas não posso dizer que tenha sido um objetivo. O meu objetivo sempre foi ser a melhor na minha posição (…) Quando chegar àquele relvado e me aperceber de tudo, sei que vou ficar emocionada. Mas saber o impacto que isto vai ter, não só na minha filha como em jovens raparigas por todo o lado, é notável. E estou verdadeiramente honrada por poder fazer parte da equipa de arbitragem do Super Bowl deste ano”, disse aos órgãos oficiais da NFL. Assim, e no dia em que o Super Bowl também teve duas mulheres nas equipas técnicas pela primeira vez na história, Sarah Thomas abriu um importante precedente para todas as jovens árbitras que poderão agora chegar onde ela chegou.