Como uma prenda à espera do Natal, a “bazuca” europeia está pronta para ser disparada — com a publicação, esta quinta-feira, das regras do Mecanismo de Recuperação e Resiliência —, mas ainda vai ter de ficar alguns meses no embrulho. Tal como previsto, os Estados-membros vão agora apresentar oficialmente os planos nacionais, que terão de ser aprovados pela Comissão Europeia nos próximos dois meses e passar ainda pelo crivo do Conselho. Só depois, algures no verão, é que os governos vão poder lançar as primeiras “granadas”.

Todos esses passos, no entanto, estavam dependentes do regulamento agora publicado no Jornal Oficial da União Europeia — documento que esteve a ser negociado entre Parlamento Europeu e Conselho ao longo de vários meses e que sofreu vários ajustamentos.

Desde logo, as condições de pré-financiamento foram melhoradas face à proposta apresentada em maio pela Comissão Europeia e revista em outubro. Depois de aprovados os Planos de Recuperação e Resiliência nacionais, os Estados-membros podem receber até 13% da contribuição financeira total — e não 10%, como chegou a estar previsto até dezembro, quando foi alcançado o acordo entre Parlamento Europeu e Conselho.

Parlamento Europeu e Conselho chegam a acordo sobre regras de fundos comunitários

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na prática, Portugal — que, do Mecanismo de Resiliência, tem direito a 13,9 mil milhões de euros em subvenções até 2026 — pode receber neste verão um primeiro cheque de 1,8 mil milhões de euros, mais 400 milhões do que aquilo que receberia se a proposta inicial de regulamento tivesse sido adotada sem alterações.

As regras que entraram em vigor esta quinta-feira preveem que o pedido de pré-financiamento acompanhe a entrega do plano nacional. E a Comissão Europeia, que deverá aprová-lo num período de dois meses, terá depois, “na medida do possível”, mais dois meses para fazer a transferência. Pelo meio, o plano tem de passar pelo crivo do Conselho no espaço de quatro semanas. Ou seja, na pior das hipóteses, António Costa vai recolher o primeiro cheque cinco meses depois de submeter oficialmente o Plano de Recuperação e Resiliência.

Para já, desde outubro, o Governo tem acertado agulhas com Bruxelas tendo por base um documento provisório e, esta terça-feira, colocou a versão preliminar e resumida em consulta pública. E António Costa, que desde o início de janeiro assume a presidência rotativa semestral da União Europeia, já disse esperar que os Estados-membros comecem a ter esse financiamento “antes do final do verão” ou “mesmo no princípio do verão”.

Plano de resiliência português com 36 reformas e 77 investimentos para 14 mil milhões de euros

Em paralelo com este processo de aprovação da Comissão Europeia, os parlamentos nacionais têm de ratificar a decisão de aumentar os recursos próprios da União Europeia para que Bruxelas possa ir pedir dinheiro aos mercados em grande escala.

Relançar a economia não significa substituir o Orçamento do Estado

O plano que o primeiro-ministro apresentar em Bruxelas pode prever muitos projetos, mas, “salvo em casos devidamente justificados”, todas as despesas correntes do Estado terão de ficar fora da equação. Isto porque o regulamento europeu publicado esta quinta-feira deixa claro que os governos devem respeitar o princípio da “adicionalidade do financiamento” — o jargão que a União Europeia usa para dizer que os governos não podem usar o dinheiro para “substituir as despesas nacionais recorrentes”.

Na proposta de regulamento revista em outubro pela Comissão Europeia, o princípio de adicionalidade também estava previsto, mas apenas para outros fundos europeus. O acordo alcançado entre o Parlamento Europeu e o Conselho, em dezembro, permitiu acrescentar a parte nacional.

Outra componente que teve alterações no final do ano passado tem que ver com as prioridades da “bazuca”. Quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou a solução para ultrapassar a crise, em maio do ano passado, as prioridades eram bastante centradas na transição digital e no ambiente, o que ainda se verificava na proposta revista em outubro. Só que o processo de negociação que se seguiu nas instituições europeias culminou com a decisão de canalizar o dinheiro para “seis pilares”.

Ursula von der Leyen tranquiliza os países “frugais” — não há mutualização da dívida

É verdade que 37% da despesa deve enquadrar-se em investimentos que apoiem os objetivos climáticos e 20% na transição digital, mas agora o regulamento acrescenta também:
— “o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, incluindo a coesão económica, o emprego, a produtividade, a competitividade, a investigação, o desenvolvimento e a inovação, e um mercado interno em bom funcionamento com pequenas e médias empresas (PME) fortes”;
— “a coesão social e territorial;
— “a saúde e a resiliência económica, social e institucional, tendo em vista, nomeadamente, o aumento da preparação para situações de crise e da capacidade de resposta a situações de crise”;
— e “as políticas para a próxima geração, as crianças e os jovens, tais como a educação e as competências”.

O processo de negociação que decorreu no final do ano passado acabou ainda por dar um pouco mais de poder ao Parlamento Europeu, ainda que de forma indireta, porque passou a ser envolvido na análise e no acompanhamento dos planos nacionais, através de “um diálogo estruturado”.

Presidência da UE. Costa assinala início das negociações formais dos planos nacionais de recuperação

Relevantes ainda no regulamento são a ligação deste processo ao Semestre Europeu — em que os governos alinham políticas económicas e orçamentais com as regras europeias e recebem recomendações específicas — bem como a entrega de dinheiro à condição. Ou seja, depois de receber o primeiro cheque (de pré-financiamento), todos os restantes pagamentos do Mecanismo de Resiliência só podem ser feitos a Portugal e aos restantes estados-membros se as metas e os objetivos definidos para os respetivos planos nacionais forem atingidos, tanto nas subvenções como nos empréstimos.

No total, além dos 13,9 mil milhões de euros que chegam do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, Portugal tem direito ainda a 2 mil milhões de euros do programa REACT EU (respondendo especificamente à crise da pandemia) e a 500 milhões de euros do Fundo de Transição Justa e para o desenvolvimento rural. A este pacote de 16,4 mil milhões de subvenções até 2026 acrescem 14,2 mil milhões em empréstimos a serem recebidos no mesmo período.

Fora destas contas estão ainda as verbas que falta executar, até 2023, do Portugal 2020 — cerca de 11 mil milhões de euros — e o novo quadro financeiro plurianual 2021-2027, que terá de ser executado até 2029, e que vale 33,6 mil milhões de euros.

Fonte: Plano de Recuperação e Resiliência do Governo