A ministra da Presidência afirma que há margem para introduzir alterações ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) após o processo de consulta pública, que o Governo só recorrerá aos empréstimos se essa via for compensadora e que apostará em novos apoios domiciliários para evitar institucionalização de idosos.

Esta posição foi transmitida por Mariana Vieira da Silva em entrevista à agência Lusa, num momento em que se encontra em discussão pública o PRR, que envolve 13,9 mil milhões de euros de verbas da União Europeia em subvenções a fundo perdido.

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A ministra de Estado e da Presidência, que tem no PRR a coordenação da vertente das qualificações e da dimensão denominada “vulnerabilidades sociais” dentro do pilar “Resiliência”, nos quais se incluem as áreas da saúde e da habitação, entre outras, afirma que o executivo socialista pretende estimular a discussão pública do documento com debates setoriais e com consultas aos diferentes conselhos que existem nos diferentes campos setoriais.

“Queremos fazer uma discussão abrangente e permitir um debate focado nas diversas áreas”, refere.

Segundo Mariana Vieira da Silva, ao longo do processo de consulta pública, o executivo pretende promover uma discussão transversal do documento, mas, também, concretizar um debate focado em áreas mais relevantes do programa.

Teremos seminários para colocar em diálogo a academia, a sociedade civil, as organizações não governamentais e administração pública. Vamos animar um debate e não apenas ficar à espera dos contributos da discussão pública. Isto para que ainda possam ser feitas alterações como resultado da discussão pública”, salienta a ministra de Estado e da Presidência.

Neste ponto, Mariana Vieira da Silva frisa que o Governo temdisponibilidade para fazer acertos, umas vezes para explicar melhor algumas coisas, outras para tornar mais visíveis algumas dimensões que, embora estando presentes [no documento], poderão merecer mais destaque”.

As negociações com Bruxelas são por vezes muito técnicas, designadamente como se pode processar a utilização do programa, ou em que tipo de despesas se pode utilizar o dinheiro. Mas isso não significa que não haja margens para introduzir melhorias nas diferentes áreas, pequenos acertos. Este documento já é conhecido em versões anteriores há muito tempo, mas ainda temos margem para fazer algumas alterações, naturalmente dentro dos limites que o programa tem – e o programa tem muitos limites”, adverte.

Interrogada sobre em que medida pode o PRR merecer um amplo consenso político, designadamente com o PSD, a ministra da Presidência alega que “o Governo tem procurado fazer uma concertação forte destes investimentos de longo prazo no seio do parlamento”.

“Essa concertação foi concretizada no Plano Nacional de Infraestruturas, que é uma das partes muito significativas e que tem no PRR muitos dos seus investimentos estruturantes, também no acordo sobre fundos [europeus]. E, neste âmbito, temos procurado respostas a problemas que são reconhecidos por todos”, responde.

No plano estritamente político, Mariana Vieira da Silva observa que “a margem para consensos não tem sido muito desenvolvida nos últimos tempos”.

“A nossa perspetiva é sempre de uma discussão muito alargada – e foi isso que fizemos em todas as horas desde o planeamento estratégico. Aqui, no PRR, precisamos de garantir que a economia portuguesa rapidamente pode começar a beneficiar destes volumes financeiros”, adverte logo a seguir.

Ainda relativamente à questão dos consensos políticos em torno do PRR, Mariana Vieira da Silva sustenta também que o Governo está a “responder a um conjunto de prioridades já muito debatidas com a sociedade portuguesa”.

“Este tipo de políticas são da responsabilidade do Governo. Muitos destes investimentos fazem parte do Orçamento do Estado. Julgo que não tem faltado debate no parlamento em torno da construção de um compromisso sobre isto. Cabe ao Governo definir estas respostas e é isso que temos feito”, acrescenta.

Empréstimos só se essa via for compensadora

O Governo português só recorrerá a empréstimos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) se as condições forem compensadoras face a outras vias de financiamento, garante a ministra.

Mariana Vieira da Silva afasta a ideia de parte das verbas deste plano, cerca de 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido, poderem ser aplicadas na revisão das carreiras médicas — uma ideia que foi lançada pelo gestor António Costa e Silva.

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“Não é suposto o PRR financiar despesa corrente. É suposto procurar responder a algumas questões estruturais com um conjunto de reformas e de investimentos. O PRR não financia despesa dessa natureza. Neste programa, temos sobretudo de procurar que financiamentos podem ser assegurados pelo PRR e que não podiam em outros quadros, sendo a habitação um bom exemplo”, responde Mariana Vieira da Silva.

No PRR, o Governo português inscreveu a possibilidade de recorrer a empréstimos na ordem dos 1.149 milhões de euros para a habitação e dos 1.250 milhões de euros para o Banco de Fomento. Neste ponto relativo aos empréstimos, Mariana Vieira da Silva assinala que “ainda existe uma margem de negociação”.

O Governo procura definir as suas prioridades para a utilização desses empréstimos, mas as condições exatas ainda estão em discussão com a Comissão Europeia. Nomeadamente na área da habitação, é objetivo recorrer a esses empréstimos para poder responder na habitação acessível e no alojamento estudantil. No entanto, os termos exatos em que isso pode acontecer e como comparará com outros acessos a empréstimos só poderá ser definido no fim do processo”, frisa.

De acordo com a ministra da Presidência, se, no fim do processo negocial, existirem outras formas mais compensadoras de cumprir esses programas, “então, necessariamente, serão escolhidas as mais compensadoras com uma dívida mais barata e melhores condições de execução”.

A forma como se concretizarão esses empréstimos, nomeadamente em que medida é que cada uma das partes (aqui, nem tudo é publico) pode recorrer a eles, ainda não está fechada. Há negociações em curso mesmo sobre o acesso de empresas a esta componente de empréstimos”, refere.

Confrontada com críticas de que o PRR privilegia os investimentos nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, a ministra da Presidência defende que se tem de olhar para os diferentes pacotes financeiros em termos globais.

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“Não tem havido em muitas das áreas do território dificuldades de acesso a fundos para muitas das dimensões, nem os problemas têm a mesma natureza. A pandemia de Covid-19 revelou uma especificidade dos fenómenos nas áreas metropolitanas. Ao mesmo tempo que são zonas com níveis elevados de desenvolvimento, as áreas metropolitanas também apresentam bolsas de pobreza onde se interligam diferentes fenómenos, aos quais não tem havido capacidade de responder com políticas setoriais”, alega.

Mariana Vieira da Silva advoga que o executivo está a propor “uma política integrada de resposta nas áreas metropolitanas onde de juntam problemas de habitação, que não existem nas mesmas dimensões em outros territórios, com problemas sociais e até de acesso a equipamentos públicos e a formação profissional”.

“O PRR é um programa para todos os territórios. Da mesma maneira que, por exemplo, há investimentos transfronteiriços, temos outros programas que procuram responder a problemas de territórios diferentes. O que importa é que no balanço do programa exista uma resposta a todo o território nacional”, acrescenta.

Aposta em novos apoios domiciliários para evitar institucionalização de idosos

Uma outra área em que o Governo aposta, é na construção de novas respostas sociais de apoio domiciliário aos idosos para evitar situações de institucionalização precoce, diz a ministra.

Vieira da Silva, que coordena o capítulo das “Vulnerabilidades sociais” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), documento que se encontra em consulta pública, afirma também que a prioridade do Governo passará por um reforço de investimentos nos cuidados de saúde primários.

Segundo a governante, o executivo identificou, também em resultado da atual pandemia de Covid-19, “a necessidade de um esforço de construção de novas, de mais criativas respostas na área social que permitam nomeadamente o progressivo acompanhamento dos idosos nos seus domicílios”.

O objetivo, especifica, é “olhar para os lares como algo que será sempre uma resposta necessária, uma resposta que pode ser melhorada, mas que pode ser complementada com uma resposta de proximidade” com a qual “todos ganharão muito, em particular os idosos, porque apesar de tudo permite uma capacidade de autonomia de vida bastante distinta”.

Para a ministra da Presidência, há queevitar um fenómeno que muitas vezes acontece: Por não terem um conjunto de apoios domiciliários, as pessoas precisam de ir para um lar, mesmo quando ainda podiam ter alguma autonomia se pudessem receber esses apoios”.

Precisamos destas diferentes respostas que não sejam só os lares, que possam ser centros de dia, centros de noite, cuidados domiciliários, diferentes formas de podermos acompanhar os mais velhos dando-lhes as respostas de que eles necessitam, mas podendo, sempre que possível, resistir até ao mais tarde possível a uma institucionalização que às vezes é precoce”, refere Mariana Vieira da Silva.

Já o campo da Saúde, que tem no PRR uma verba de 1.383 milhões de euros, o objetivo do Governo “é o da concretização de algumas áreas da reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que estão em desenvolvimento,” mas procurando-se agora “dar um passo significativo”.

“Exemplo disso é o reforço dos cuidados primários, cuja reforma já foi lançada há bastantes anos, mas em que o Governo pretende fazer investimentos que permitam a um centro de saúde, ou um Unidade de Saúde Familiar, responder a mais problemas dos cidadãos. Queremos dar um avanço significativo na reforma da saúde mental e promover um reforço tecnológico ao nível da resposta do SNS”, exemplifica.

O Governo procura “responder a problemas concretos que também foram muito revelados nesta pandemia de Covid-19”. “Fazem falta investimentos para que se possa aceder telefonicamente a todos os espaços da saúde – coisa que é mais fácil de fazer nos hospitais do que nos centros de saúde”.

“Na rede de cuidados continuados, o objetivo é finalizar a rede. A perspetiva é identificar problemas, alguns deles estruturais e outros que foram muito agravados pela pandemia da Covid-19. Esses investimentos têm de ser focados e passíveis de ser cumpridos num curto espaço de tempo”, adverte.

No que respeita à vertente das qualificações, a ministra da Presidência afirma que o Governo tem como objetivo responder “a dimensões mais estruturais, mas, igualmente, a dimensões que decorrem mais do que aconteceu na pandemia e Covid-19”.

“Temos um conjunto de respostas que pretendem resolver problemas de emprego – mesmo que sejam menos visíveis do que nós inicialmente tínhamos previsto, ainda assim existem e são muito significativos. Procuramos ter aqui medidas para a criação de emprego sustentável e de apoio à criação de emprego sustentável. Mas também medidas que pretendam preparar melhor o país para um conjunto de desafios que temos pela frente nomeadamente na área da digitalização”, acrescenta.

Neste ponto relativo às qualificações, Mariana Vieira da Silva destacou ainda a questão da “cooperação entre as instituições de ensino superior e outras instituições da administração pública e empresas para melhorar a formação profissional”, assim como o combate às desigualdades entre mulheres e homens.

A pandemia vai afetar ou está a afetar o emprego das mulheres de forma muito mais significativa do que o dos homens. E, portanto, apresentaremos medidas especificas que permitam combater estas desigualdades”, aponta.