“A médio/longo prazo”, as injeções do Fundo de Resolução no Novo Banco terão um “impacto neutro” para as contas públicas porque os bancos vão ressarcir o organismo através das contribuições anuais que pagam – e não é correto dizer que essas contribuições da banca são receita fiscal normal porque está definido na lei que aquelas contribuições, “que são como um imposto, não podem ser usadas para outras finalidades que não esta”. Esta é a argumentação de João Freitas, secretário-geral do Fundo de Resolução e Diretor do Departamento de Resolução do Banco de Portugal, que esta terça-feira está na comissão de inquérito às perdas do Novo Banco imputadas ao Fundo de Resolução.

Numa fase mais adiantada da audição, João Freitas respondeu ao PS que “se o banco não tivesse sido vendido em 2017, seria alvo de uma medida de liquidação ou uma resolução” feita pelas autoridades europeias. O responsável recuperou uma ideia já transmitida nesta comissão de inquérito e revelou que “houve trabalhos avançados nesse sentido. Houve um plano preparado de contingência caso a venda não fosse bem sucedida, um plano que foi preparado durante o verão de 2017”.

O que é que podia ter acontecido caso um desses cenários se materializasse? “Podia-se nem conseguir proteger todos os depositantes. Se não se tivesse feito a venda, não teríamos Novo Banco após 2017, não tenho nenhumas dúvidas sobre isso”, afirmou. E falar numa solução como o inglês Lloyds é “dizer asneiras”, é um “absurdo”, porque são bancos diferentes e o situações diferentes – “basta dizer que o Royal Bank of Scotland meteu-se lá 20 mil milhões de libras e o Tesouro inglês ainda não recebeu”, afirmou.

Novo Banco. “Ninguém tem ideia de quantas vezes estivemos na borda do precipício” antes da venda de 2017

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Defendendo que “a estabilidade financeira foi garantida com o menor uso possível de recursos públicos”, após um problema num banco (o BES) que foi obra das “decisões dos seus administradores”, João Freitas lembrou que os acionistas e obrigacionistas (subordinados) perderam mais de seis mil milhões. Foi necessário haver custos, é certo, mas esses custos foram “mitigados” pela solução encontrada na resolução e também na venda do banco, que limitou a 3.890 milhões de euros o valor máximo das injeções do Fundo de Resolução.

A esse propósito, João Freitas indicou que não fosse a “ação interventiva do fundo na execução do contrato” de venda de 75% do banco à Lone Star e o valor total já pedido, em termos teóricos, seria 962 milhões de euros maior do que o que já foi pedido – ou seja, já teriam sido esgotados os 3.890 milhões de euros. Assim, mesmo contando com o dinheiro que o Fundo de Resolução prevê injetar este ano, inferior a 500 milhões de euros, as chamadas de capital ascendem, até agora, a 3.405 milhões de euros, indicou o responsável.

João Freitas considerou, ainda, que este é um contrato de venda “complexo”, com muitas implicações financeiras para ambas as partes e, portanto, “é normal que haja tensões e tem havido bastantes – isso significa que cada uma das partes tem vindo a fazer o seu papel”.

Novo Banco pode “reverter imparidades”, mas não deverá devolver nada ao Fundo de Resolução, diz presidente da comissão de acompanhamento

Em alusão ao que foi dito esta manhã por José Bracinha Vieira, presidente da comissão de acompanhamento, João Freitas indicou: “Eu não sei se vai haver reversões de imparidades“. “Mas quanto a isso acho que vale a pena termos em conta que o acordo prevê que no final do contrato faz-se uma comparação entre o valor das perdas não-pagas e o valor que possa ter sido obtido ou gerado pelo Novo Banco – e se daí resultar uma vantagem esse valor é entregue ao Fundo de Resolução“, explicou.

Novo Banco um “cesto de fruta podre”? Não, senhor deputado, porque resistiu até agora

A primeira pergunta a João Freitas veio do deputado do PCP Duarte Alves. E desde logo citando uma das frases tornadas célebres nesta comissão de inquérito. O deputado comunista perguntou se o responsável do Fundo de Resolução concordava com Carlos Costa, que classificou o Novo Banco como “um cesto com fruta meio apodrecida”.

João Freitas começou por dizer que não iria comentar diretamente as palavras de outras pessoas ouvidas anteriormente, mas acabou por recusar essa ideia.

“É um facto que existiam e existem, ainda que cada vez menos, um conjunto de ativos problemáticos. (…) Mas o Novo Banco não é um cesto de fruta podre, pelo contrário. É um banco com umas características extraordinárias”, disse João Freitas. Aliás, se não fosse, “não teria resistido a tudo aquilo que lhe aconteceu desde 2014”.

O Novo Banco, disse o responsável, passou por um processo de venda falhada, uma venda realizada, diferentes administrações e teve de lidar com ativos problemáticos e, mesmo assim, “ainda está hoje a operar”.

“E isso deve-se ao Banco de Portugal, ao Fundo de Resolução, à comissão de acompanhamento, aos vários governos. E muito principalmente deve-se à atuação do banco”, disse, ainda.

João Freitas reconheceu, por outro lado, que o Novo Banco herdou “em 2014 um conjunto de ativos que se revelou não ter o valor que se pensavam que tinha“. Duarte Alves insistiu na sua tese: “É o que dizia o antigo governador do Banco de Portugal [Carlos Costa]. Era uma cesta de fruta podre, quando nos disseram em 2014 que estava limpinho limpinho. Até havia o banco bom e o banco mau. Mas agora estamos todos aqui a apanhar o efeitos. E, aliás, para todos os efeitos a responsabilidade é do Banco de Portugal, que deveria conhecer bem as contas do banco”.

Sobre a informação que o Fundo de Resolução recebe do Novo Banco, João Freitas admitiu que “nem sempre é perfeita, nem sempre é a melhor”.

“Mas vamos tentando compensar essa falta de informação com mais perguntas, com mais acutilância. E se há crítica que o Novo Banco nos faz é que demoramos muito tempo a aprovar as operações. Ainda que até ao momento nenhuma operação tenha falhado devido à nossa demora”. Em suma, a informação do Novo Banco “nem sempre é completa, mas é a que consideramos necessária para formarmos o nosso juízo e tomarmos as nossas decisões”.

Uma das melhores declarações de João Freitas estaria reservada para o fim, quando o deputado do PSD Hugo Carneiro o questionou sobre as operações (ao abrigo do mecanismo de capital contingente) que o Fundo de Resolução já travou. Se assim foi é porque o Novo Banco já teria tentado abusar do mecanismo?

“Pode-se dizer que [sim]. Houve uma tentativa de uso abusivo [por parte do Novo Banco]… Ou então, eles tiveram uma interpretação distinta em relação aos seus deveres que constam do contrato”, disse João Freitas. Seja qual fosse o caso, considerou o secretário-geral do Fundo, foram tentativas que o Fundo travou analisando as operações em causa.

Quanto ao seguimento que é dado às operações analisadas pelo Fundo de Resolução, João Freitas já tinha admitido anteriormente que, num primeiro momento, “a informação não era tão fluída como é atualmente”.

“Nós hoje temos um processo de acompanhamento em que, só para ter uma ideia, temos um ficheiro em que registamos cada uma das operações que são trazidas à apreciação do Fundo de Resolução, e registamos todo o fluxo de evolução dessa operação até que ele é concluído”, disse.

João Freitas disse ainda que há reuniões semanais com o Novo Banco e no seio do Fundo de Resolução para discutir o acompanhamento das operações sujeitas a análise e a sua respetiva implementação.