Um debate em modo poupança de energia para António Costa e de minuto da fama para Francisco Rodrigues dos Santos. O líder do PS parece não ter encontrado grande motivação no combate com o líder do CDS que, por sua vez, aproveitou os holofotes para marcar diferenças ideológicas face ao PS que governa e a notar o discurso certinho de Costa, chamando-lhe até Miss Mundo.

Francisco Rodrigues dos Santos foi sublinhando sempre a parte mais ideológica em cada um dos assuntos que foram aparecendo. Na Saúde, o líder do CDS vincou a necessidade “da liberdade de escolha” (bem como na Educação, onde não vê os portugueses interessados em se “a cadeira pertence ao Estado ou se pertence ao privado”) entre público e privado, mas também aproveitou para cobrar a Costa uma promessa falhada, deixando o líder do PS exposto e forçado a falar do que não queria.

Em 2016, António Costa traçou como objetivo que no final do ano seguinte todos os portugueses tivessem acesso a médico de família, o que não aconteceu. No debate transmitido pela SIC, o socialista lá teve de dizer que agora já não promete datas: “Gato escaldado tem medo”, disse, abreviando o provérbio popular. E quanto à falha da promessa? Aí, Costa argumentou com a subida do número de utentes e a falta de atratividade da carreira de medicina geral e familiar — que pretende alterar, afirmou.

Mas, no essencial, o debate sobre o SNS fez-se entre o que pensa a direita e o que pensa a esquerda: mais ou menos Estado, mais ou menos privados. Francisco Rodrigues dos Santos foi avançando sempre neste assunto com a acusação de o PS colocar “a ideologia à frente dos doentes” e em como isso mesmo ficou exposto durante a pandemia, com doentes oncológicos a ficarem sem tratamento por falta de recursos no SNS. Costa ia respondendo sempre num tom pouco enérgico.

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E extrapolou-se, nestes mesmo moldes, para a questão da Educação onde o líder do CDS não se ficou pelo fim dos contratos de associação — que Costa garantiu não terem acabado onde o ensino público não tem oferta –, passou até à parte da ideologia de género e à disciplina de educação cívica. Rodrigues dos Santos jogou a carta da radicalização do PS nos últimos anos, ao dizer que “a escola não é um tubo de ensaio para as doutrinas a que o PS decide aderir e não é um acampamento do Bloco de Esquerda” e que a “ideologia de género é porta aberta ao totalitarismo” e que não se encontra isso “nem em Cuba, nem na Venezuela”.

Isto foi logo depois de ouvir Costa defender que “os programas das escolas são feitos com bases científicas e a disciplina de educação cívica é, ao contrário do que o CDS pensa, tão importante como as outras” e que “os valores de pluralidade do que é a família também devem ser respeitados pelas escolas”. Costa puxou até da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo — que por sinal fez no sábado 12 anos e Costa aproveitou a referência — para dizer que “houve pessoas infelizes anos e anos porque a sociedade condenava os homossexuais”. Mas o líder do CDS não se mostrou comovido e viu naquelas palavras “um discurso prosaico de miss mundo e de miss simpatia”, a que Costa atirou um sorridente “muito obrigado”. A pose do institucionalista não desarmava.

O outro tema que permitiu traçar fronteiras foi o fiscal, com Francisco Rodrigues dos Santos a desafiar o socialista a baixar o IRC para as empresas, defendendo que “Portugal não pode ser o país dos websummits e das fábricas de unicórnios e depois não criar condições para as empresas se fixarem cá”. O “choque fiscal”, pediu o centrista dando a Costa a deixa para dizer, logo de seguida, que “sempre que a direita falou em choque fiscal, a primeira coisa que fez foi aumentar impostos”.

O socialista aí entrou no detalhe dos números, para negar que tenha aumentado impostos — recordou que no Governo PSD CDS esse aumento foi de 2,7% do PIB e que o seu Governo baixou em 1% — e detalhando que a carga fiscal subiu mas por causa da subida das contribuições para a Segurança Social. E sublinhou a proposta socialista de benefícios fiscais a partir do segundo filho, independentemente do nível de rendimentos. Para o líder do CDS, Costa chega tarde ao tema da natalidade: “Só agora é que está preocupado com ele, mas já é primeiro-ministro há seis anos”.

E foi desse cargo que Costa fez questão que quem via este debate não se esquecesse e que é ele que o ocupa. A postura foi sempre distante e pouco imbuído do espírito eleitoral — que já demonstrou noutros debates, como por exemplo com Jerónimo de Sousa ou André Ventura. E a mostrar-se mesmo pronto para, caso seja reeleito, avançar imediatamente com a aprovação do Orçamento do Estado que chumbou em 2022. “A primeira coisa que o PS fará é aprovar o Orçamento que foi chumbado”, prometeu já depois de ter ouvido o seu adversário nesta noite a dizer que a proposta “poderia e deveria ter ido mais longe”.

O diálogo mais revelador

António Costa (AC): Temos hoje felizmente no nosso país uma visão plural da família. Faz 12 anos que Portugal tornou possível que pessoas do mesmo sexo contraíssem matrimónio e essa liberdade de cada um ser feliz da forma que entende ser feliz é uma garantia. fundamental da liberdade. Para quem fala tanto da liberdade, devemos respeitar também a liberdade dos outros serem felizes. A única coisa que é necessário garantir é que esses valores de liberdade e de pluralidade do que é a família a escola também deve respeitar. 

Francisco Rodrigues dos Santos (FRS): Nada do que referiu neste discurso prosaico de Miss Simpatia e Miss Mundo corresponde…

AC: Muito obrigado…

FRS: Nada disso corresponde ao que é ensinado nesta disciplina de educação cívica. A partir do momento em que se teoriza sobre a sexualidade e se procura ministrar valores que não são técnico-científicos, as famílias têm a liberdade de declinar que a escola possa transmiti-los aos seus filhos. O argumento de liberdade é o que me faz propor que as famílias tenham opção de escolher. É o mesmo que se passa com a educação moral e católica. Alguém tem dúvidas dos valores da matriz cristã que fundou a nossa civilização, da vida, da família., da tolerância, da dignidade da pessoa, do respeito pelos mais vulneráveis? Ninguém tem. Foram estes valores que recuperaram a Europa depois da Guerra. Mas no quadro da liberdade admitimos pessoas que entendem que esse não é o caminho para educarem os seus filhos. A escola não é um tubo de ensaio para as doutrinas a que o PS pretende aderir e não é um acampamento do Bloco de Esquerda”. 

AC: Não podemos confundir o que são as crenças religiosas que devemos respeitar com os valores plasmados na Constituição que  é o nosso pacto social da nossa vida em comum. São valores que devemos transmitir, da vida em sociedade, às gerações futuras. Eu não sou crente, respeito todos os crentes, agora não vamos confundir crenças com valores constitucionalmente consagrados.