As negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia começaram poucos dias depois do início do conflito e, até ao momento, quase um mês depois, poucos (ou nenhuns) avanços foram conseguidos. Aliás, pouco se sabe sobre o que é dito, feito e decidido durante as reuniões com as delegações dos dois países, que começaram por ser presenciais e que agora são feitas por videoconferência.

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Numa entrevista à BBC, publicada esta segunda-feira, Mykhailo Podolyak, conselheiro do Presidente da Ucrânia e um dos membros da delegação ucraniana nas negociações de paz, levantou um pouco o véu sobre as permanentes conversações que têm decorrido entre Kiev e Moscovo, mas foi cuidadoso com as palavras.

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Este é um processo muito difícil. Dizer algumas palavras só para fazer propaganda é mau, é errado”, afirmou o ucraniano, que através das suas publicações no Twitter tem procurado manter o mundo a par do dia a dia das negociações.

Além de difícil, este tem sido um processo “constante” e complexo que passou de encontros presenciais para online porque, segundo Podolyak, rapidamente se percebeu que não era “rentável” manter o processo negocial naqueles frente-a-frente presencial, com os representantes dos dois países de cada lado da mesa:

Precisávamos de encontrar uma fórmula qualquer tão depressa quanto possível que, acima de tudo, fosse adequada para a Ucrânia.”

Qual é a estrutura da Ucrânia para as negociações de paz?

O conselheiro de Volodymyr Zelensky deu a conhecer a estrutura negocial da Ucrânia, com os vários grupos que trabalham “em diferentes formatos” — resta saber se é a mesma do lado russo:

  • “Equipa negocial”: são os membros da delegação da Ucrânia “que todos conhecem” e que participaram nos primeiros encontros presenciais das negociações;

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  • “Conselheiros políticos”: Kiev conta com uma equipa de conselheiros políticos, que não são “apenas ucranianos ou russos” e que pode ser consultada durante este processo negocial. O chefe do gabinete de Zelensky, Andriy Yermank, por exemplo, “trabalha com conselheiros políticos de outros países” que são “parceiros” da Ucrânia (ainda que não sejam detalhados os países que estão em contacto mais estreito com a equipa de negociadores ucranianos);
  • “Grupos legais”: há uma equipa que se ocupa das questões legais do processo negocial e que, nas palavras de Podolyak, “tem de verificar tudo”;
  • Grupos consultivos“: a Ucrânia tem ainda grupos de pessoas que “analisam” de que forma todo este processo “irá ser visto pela sociedade ucraniana” e trabalham as várias questões para que elas sejam aceites pela população. “Ao contrário da Rússia — e nós explicámos isto nas negociações —, não podemos fazer [as negociações] sem dialogar com a sociedade. Afinal de contas, temos um princípio de existência do Estado e da sociedade ligeiramente diferente”, sublinhou o ucraniano.

Questionado sobre um documento provisório que está a ser trabalho pelas delegações, Podolyak adiantou que existe um acordo entre as duas delegações de não falarem sobre o documento até que haja um acordo entre os dois países.

Recorde-se que, a 16 de março, foi avançado pelo Financial Times que a Ucrânia e a Rússia tinham elaborado um plano de paz provisório, com 15 pontos, mas logo nesse dia Podolyak apressou-se a garantir, através do Twitter, que o documento era apenas um esboço que só tinha em conta a posição do lado russo.

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Na entrevista à BBC, o conselheiro de Zelensky não quis entrar em detalhes quanto à posição da Ucrânia nas negociações, mas indicou as questões que têm sido amplamente divulgadas:

  • Integridade territorial;
  • Soberania;
  • Garantias efetivas de segurança.

Ainda assim, descreveu a posição da Rússia nas negociações como “propagandista”, considerando que Moscovo tem “uma ilusão” relativamente à forma como o mundo está construído. Aliás, para o negociador ucraniano, foi precisamente esta ilusão em que russos vivem, em relação ao “mundo moderno” e “em particular à Ucrânia”, que os levou a tomar “decisões fatais” nesta guerra e que faz com que não consigam admitir que erraram ao decidir invadir a Ucrânia.

Do outro lado, Moscovo tem acusado os responsáveis ucranianos de arrastarem o processo negocial. Ainda no fim de semana, numa conversa telefónica com o chanceler alemão Olaf Scholz, o presidente russo sublinhou o argumento de que Kiev tem apresentado “exigências irrealistas” à equipa russa. “Foi notado que o regime de Kiev está a tentar, por todos os meios, arrastar o processo de negociação, apresentando novas propostas irreais”, referiu o Kremlin, no final desse encontro entre os líderes russo e alemão.

“Vamos ganhar. A questão é quando”

Ainda sobre o processo negocial, Podolyak disse que um encontro entre Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin é “essencial” para a paz entre as duas nações e garantiu que essa reunião “está a ser e será preparada”, mas considerou que ainda é cedo para avançar com uma data concreta.

Quando os grupos de trabalho no processo de negociação elaborarem alguns documentos preliminares e os entregarem aos presidentes, eles irão avaliar se é algo que pode ser discutido frente-a-frente. Então a reunião poderá acontecer.”

Zelensky tem vindo a insistir para que este encontro se realize o mais depressa possível, mas do lado russo não parece haver disponibilidade para a reunião aconteça, pelo menos, no futuro imediato.

Mykhailo Podolyak defendeu ainda que a NATO poderia “intervir mais ativamente” na guerra na Ucrânia, em vez de apenas demonstrar apoio e solidariedade e, no final da entrevista, deixou uma garantia: “Vamos ganhar. A questão é quando”, disse o negociador ucraniano. “Não estou pronto para dizer que a guerra vai acabar em um ou dois dias. Mesmo para alívio psicológico das pessoas. Não. Mas quero dizer que aguentaremos o tempo que for necessário.”