A pintora Paula Rego, uma das mais aclamadas artistas portuguesas, morreu esta quarta-feira de manhã, em Londres. Tinha 87 anos. São já várias as personalidades que reagiram à sua morte.

Morreu Paula Rego, uma das mais importantes artistas portuguesas

Rui Brito refere que o legado “extraordinário” de Paula Rego vai ficar para sempre na História da Arte

Para o galerista Rui Brito – quem avançou que a pintora “morreu calmamente em casa, junto dos filhos” –, foi “um choque saber a notícia” por chamada telefónica com Nick Willing. “Foi uma pessoa a quem eu estive sempre ligado desde a infância e com quem eu criei laços de grande amizade. Era uma grande referência”, disse à Rádio Observador.

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Morreu Paula Rego. Rui Brito recorda uma “artista inconformada”

Paula Rego deixa “um legado extraordinário, porque sempre foi uma artista inconformada”. A razão? Há muitas, garantiu Rui Brito, afirmando: “Sempre muito sensível àquilo que a rodeava, nunca esteve presa a uma técnica. Portanto, esteve sempre numa evolução constante e com uma riqueza pictórica enorme”. “É um trabalho notável que ficará para sempre na História da Arte.”

As histórias de Paula Rego: as obras da artista que pintou o preconceito e a violência contra as mulheres

Gostava de falar de temas “delicados” e, apesar de algum “sarcasmo”, era “muito preocupada” com problemáticas do quotidiano. A forma como expressou o que sentia relativamente à interrupção voluntária da gravidez é, aos olhos do galerista, “uma das fases mais importantes da obra dela e mais bem conseguidas”.

“É extremamente acarinhada” pelo público português, mesmo tendo trabalhado temas difíceis. Contudo, “há um profundo respeito e uma profunda admiração” pela sua obra, rematou.

“Os grandes artistas não têm nacionalidade, a partir de uma certa altura”, considera Jorge Barreto Xavier

Paula Rego desenvolveu uma “visão única e singular enquanto artista e enquanto mulher”, declarou o antigo secretario de estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier. A sua obra, sendo “muito figurativa”, tem “uma linha absolutamente identificável como sendo sua”.

Morreu Paula Rego. “Era uma artista portuguesa e do mundo”

Abordou igualmente a sua capacidade de projetar através da arte “uma afirmação” sobre a condição humana, da família e da mulher e “a verdade é que ela consegue associar todas essas dinâmicas a um imaginário fortíssimo”.

“Os grandes artistas não têm nacionalidade, a partir de uma certa altura”. Desta forma, falou do percurso da pintora, com dupla nacionalidade, que ultrapassou a fronteira lusa atingindo um patamar universal. “Não há dúvidas de que nunca deixou de ser valorizada” em vida, finalizou Jorge Barreto Xavier.

Miguel Pinto Luz relaciona papel da Cultura com a educação dos jovens. Foi uma das exigências de Paula Rego na fundação do equipamento ao qual dá nome

Perde Portugal, perde o mundo. Mas Cascais hoje está de luto naturalmente. Nome cimeiro da nossa oferta cultural deixou-nos hoje.” O vice-presidente da Câmara de Cascais e ex-administrador da Fundação Paula Rego – instituição que é o “porta-aviões cultural” do concelho e da área metropolitana de Lisboa — lamentou a morte da artista.

“Nome cimeiro da nossa cultura deixou-nos hoje”. A reação de Miguel Pinto Luz à morte de Paula Rego

Salvaguardando que “Portugal precisa de trabalhar a dimensão cultural”, Miguel Pinto Luz ressaltou que a Casa das Histórias Paula Rego vive “sinergicamente” com a juventude e em ligação com as escolas.

Paula Rego “retratava aquelas coisas da intimidade que muitas vezes não se dizem”, diz Gabriela Canavilhas

A ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, sublinhou a visão “assertiva” do mundo feminino de Paula Rego, “um olhar que retrata aquelas coisas da intimidade que muitas vezes não se dizem, não se expressam pelas palavras”. E ela fê-lo de uma maneira às vezes “sarcástica” outras “com um olhar nu e cru que só uma criança teria”.

Desde que sou consumidora de arte me deixei fascinar pela obra de Paula Rego, como penso que, de certa maneira, todas as mulheres quando contactam com a obra dela se deixam seduzir.”

Gabriela Canavilhas deu realce à série sobre o aborto por “mostrar o flagelo que era para as mulheres e que foi muito importante na altura em que se trabalhou e que se fazia uma certa política pública de divulgação da importância das alterações legislativas à lei do aborto”.

Morreu Paula Rego. “Retratava coisas da intimidade que não se dizem”

A pintora radicou-se em Londres desde muito jovem, cidade que “foi um espaço de liberdade”. “Portugal era um país a preto e branco, em tudo contrário à explosão de cor da sua obra e do seu interior. Portugal não estava preparado nem pouco mais ou menos para Paula Rego.

O que é “curioso” é que Paula Rego levou muito tempo internacionalizar-se — o mercado norte-americano ainda não a descobriu completamente. Talvez, porque, o mundo doméstico lusitano seja “uma bolha”, julga a ex-ministra da Cultura.

Paula Rego é um “nome incontornável” na área pela sua qualidade, refere António Filipe Pimentel

António Filipe Pimentel, diretor do museu Gulbenkian, classificou a artista como “um nome incontornável da arte portuguesa contemporânea”, no que à extensão, qualidade e coerência diz respeito.

“Paula Rego deixa uma obra incontornável de qualidade e coerência”

Paula Rego “era intencionalmente despretensiosa quando falava publicamente” do seu trabalho, conta José Manuel dos Santos. Elogia o seu enorme conhecimento

José Manuel dos Santos, antigo assessor cultural de Jorge Sampaio, usou um adjetivo para falar da ligação entre o ex-presidente da República e Paula Rego: “estreitíssima”.

“Paula Rego não gostou do 1.º retrato que fez do presidente Jorge Sampaio”, conta José Manuel dos Santos

O retrato que fez de Jorge Sampaio, entre outros trabalhos, “constituem um património fundamental do Estado português” e representam “uma enorme generosidade”.

A personagem pública dela nem sempre coincida com a personalidade privada, mais íntima. Era de facto uma figura absolutamente original e extraordinária. (…) Era intencionalmente despretensiosa quando falava publicamente daquilo que fazia.”

Paula Rego: “Fazer o retrato de Jorge Sampaio quase acabou comigo”

Paula Rego, vincou Manuel dos Santos, “detestava o país em que tinha nascido, do Salazarismo”. Quando a visitou em Londres, ficou “impressionado e silencioso” perante as suas obras. “E ela disse de forma “simples: ‘Já percebi que gosta'”. Revelou ainda que a artista “gostava de trabalhar a ouvir música e a beber coca-colas”.

A “palavra inveja não existia” na personalidade de Paula Rego, relembra José Guimarães

Era mais ou menos esperado este desenlace, mas fica muito na memória toda uma convivência que a Paula tinha com os artistas”, disse José Guimarães. O artista plástico falou à Rádio Observador de “uma pessoa extraordinária, onde a palavra inveja não existia”.

“Paula Rego pintava os seus quadros de joelhos”

Como era entrar no mundo de Paula Rego? “Eu conheci a Paula tinha 30 e tal anos, quando ela vivia ainda com o marido. O mundo dela era um mundo invulgar. Recordo-me que ela pintava muitas vezes de joelhos, colocava as suas telas no chão. E dizia: ‘Veja o sacrifício que os artistas passam para produzir as suas obras’”. Nas obras da artista agora falecida, vê-se “elementos de uma grande exuberância”. “Ela criou um estilo e esse estilo vai perdurar, com certeza”.

Luto municipal em Cascais esta quinta-feira

A Câmara Municipal de Cascais decretou um dia de luto municipal para esta quinta-feira, dia 9. “A cultura portuguesa perde uma das suas mais importantes e irreverentes criadoras, alguém que se distinguiu como mulher, ser humano e artista”, informou em comunicado enviado às redações dos órgãos de comunicação social.

António Costa: “As suas pinturas, desenhos e gravuras encerram imagens poderosas que ficarão sempre connosco e com as gerações por vir”

O primeiro-ministro já apresentou as condolências à família da artista “de qualidade excecional”, em nota de pesar enviada às redações dos órgãos de comunicação social. “Autora de um universo figurativo singular, as suas obras não se parecem com mais nada do que com Paula Rego.

O Governo decidiu decretar um Dia de Luto Nacional em homenagem à pintora Paula Rego, avança o comunicado.

Marcelo lembra “artista muito completa”

O Presidente da República, que prestava declarações aos jornalistas em Braga, reagiu à morte da pintora, lembrando que esteve muito recentemente com o filho da artista, o realizador Nick Willing, na inauguração da retrospetiva na Tate, em Londres, seguiu-se em Haia, nos Países Baixos, e depois em Málaga, em Espanha. “Era uma exposição que era uma homenagem, numa altura em que se sabia que Paula Rego estava já doente”, vincou Marcelo Rebelo de Sousa.

Paula Rego: radical destemida? “Gostava de ser assim, mas não o sinto”

“É uma artista plástica muito completa, a artista plástica portuguesa com maior projeção no mundo certamente desde que nos deixou Vieira da Silva, há várias décadas. Teve uma projeção muito longa, muito rica e muito prestigiante para Portugal”, disse Marcelo, recordando a série de retratos comissionados pelo então Presidente Jorge Sampaio a Paula Rego.

Relembrou ainda a visita que fez ao estúdio da artista, em Londres, e classificou a sua morte como uma “perda nacional”. “Vou ponderar com o Primeiro-ministro como assinalar esta perda em termos de luto nacional”, acrescentou numa altura em que ainda não tinha sido decretado.

Governo decreta dia de luto nacional pela morte da pintora Paula Rego

Por seu turno, no site da Presidência da República, deixou considerações sobre o “poder encantatório e perturbador” do seu trabalho.

A maior homenagem seria podermos garantir, através de intervenções de organismos públicos e privados, que uma parte relevante do legado de Paula Rego ficará em Portugal, país onde não vivia há muito, mas que nunca abandonou.”

Embaixador português em Londres considera Paula Rego “insubstituível”

Em declarações aos jornalistas, Nuno brito, embaixador português em Londres, classificou Paula Rego como “insubstituível”.

Todos os seres humanos são insubstituíveis, mas ela é insubstituível em particular porque enquanto artista atingiu níveis que muito pouca gente atinge e portanto para nós é uma tristeza.”

O diplomata detalhou que a portuguesa é “muito conhecida” no Reino Unido, onde a empresa dos correios Royal Mail chegou a emitir uma série limitada de seis selos inspirados nas suas gravuras, em 2005, e que foi condecorada por Isabel II.

Embaixador da União Europeia no Reino Unido lamenta morte de artista “irreverente, inovadora e profunda”

O embaixador da União Europeia no Reino Unido, o português João Vale de Almeida, descreveu Paula Rego à Agência Lusa Paula Rego como “uma grande embaixadora das relações culturais luso-britânicas, irreverente, inovadora e profunda. Goste-se dela ou não, ninguém foi ou será indiferente a Paula Rego e essa é a marca de uma grande artista”.

A obra de Paula Rego “continuará a inspirar artistas e pessoas por muitos anos”

Já o secretário de Estado das Artes britânico, Stephen Parkinson, considerou a pintora portuguesa “uma das artistas mais influentes da sua geração”, que deixa um grande legado.  “Ela deixa para trás um impressionante corpo de trabalho que será apreciado por gerações vindouras”, afirmou, referindo que uma das primeiras exposições que visitou em funções foi a retrospetiva no museu Tate Britain, em Londres, no ano passado.

Reconhecendo que “era amplamente admirada aqui no Reino Unido”, mostrou-se convicto de que a obra de Paula Rego “continuará a inspirar artistas e pessoas por muitos anos”.

Ministério da Cultura destaca “percurso singular” de uma “artista fortemente comprometida com as grandes causas do seu tempo”

Apesar de ter vivido durante décadas em Londres, nota-se, no “percurso singular” que Paula Rego construiu nas artes plásticas, “a forte ligação à experiência portuguesa”, refere o Ministério da Cultura em comunicado à imprensa. “Artista da metáfora e do real, explorou o humano com múltiplas ressonâncias sociais, psicológicas e existenciais. Foi uma artista fortemente comprometida com as grandes causas do seu tempo”, lê-se ainda.

Na nota de pesar, a entidade realçou igualmente o papel “fundamental” da artista na internacionalização da cultura portuguesa.

Criações artísticas “ficarão para sempre gravadas no panorama das artes”. A frase é atribuída à Câmara de Lisboa

Em comunicado à imprensa, a Câmara de Lisboa salientou:

As suas criações artísticas são inconfundíveis, com um percurso singular, ficarão para sempre gravadas no panorama das artes dos séculos XX e XXI, caracterizadas por uma abordagem figurativa, destacando-se das correntes vigentes da época, com uma opção preferencial pela combinação da abstração e figuração, bem como um tom satírico que se faz sentir. Nas últimas décadas a pintora abordou temas políticos, como o abuso de poder, e sociais, como o aborto, entre outros do universo feminino.”

As palavras de quem recorreu às redes sociais para homenagear Paula Rego

“Paula Rego soube explorar os nossos sonhos, os nossos medos, as nossas histórias, a nossa condição”, sublinhou Augusto Santos Silva no Twitter. O Presidente da Assembleia da República enfatizou ainda que “cada quadro de Paula Rego é um dardo atirado contra o preconceito, a dominação, a indiferença”.

O antigo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, prestou a sua homenagem, escrevendo que “Paula Rego conquistou a alma humana com tanta sensibilidade e paixão”. “Os seus trabalhos incríveis fazem-nos viajar e mergulhar num reino muito especial. Ela fará falta, mas a sua arte ficará para nos lembrar da incrivelmente talentosa artista portuguesa/britânica”, referiu ainda.

O novo Presidente do PSD, Luís Montenegro, transmitiu os seus pêsames à família e amigos de Paula Rego, pintora que recordou como “um dos maiores vultos da cultura portuguesa”.

Imortal. Maior que tudo. Obrigada, Paula Rego“, escreveu a deputada do PS Isabel Moreira, na mesma rede social.

O museu britânico Victoria and Albert (V&A) caraterizou o trabalho da pintora como “sempre brilhante e desafiador”, frequentemente inspirado por provérbios, canções de embalar, jogos infantis e canções, pesadelos, desejos, terrores.

A publicação do Twitter é acompanhada por uma imagem do quadro Three Blind Mice (1989) e outra do Death Goes Shopping (2009), que integram a coleção presente neste museu, além de The Wild Duck (1990), Jane Eyre (2003) e duas peças sem título (de 1981 e 1994).

“A partida de um artista, seja qual for, deixa-nos sempre um ar de tristeza. E uma carecida certeza: já não dará ao Mundo novas obras a engradecer o futuro“, afirmou o diretor do Centro Português de Serigrafia (CPS), João Prates, em nota divulgada no Facebook. “A perda de Paula Rego toca-nos no âmago da nossa atividade.”

A Fundação de Serralves salientou que Paula Rego era hábil “em casar aparentes opostos, nomeadamente a infância e a crueldade, as crianças e a perversidade, o mundo feminino e a força, o patriarcado e a debilidade”. “Em tempos inclinados a polarizações e entrincheiramentos, Paula Rego recorda para sempre que nada é simples e imediato”, finalizou.

Para a Federação Portuguesa de Futebol, a partida de Paula Rego deixa o país e a cultura “muitíssimo mais pobres”

Nem o mundo do futebol ficou indiferente ao falecimento de Paula Rego, “dona de uma obra artística genial e irreverente” e “senhora de um olhar tão cru quanto belo sobre a realidade”. São as palavras do Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes.

Paula Rego deixa o nosso país e a cultura portuguesa muitíssimo mais pobres. Preservar o seu legado é uma responsabilidade de todos os portugueses. Ela continuará a viver dentro de nós.”