Estão por todo o lado. São tantos, que não é possível contá-los com exactidão, mas estima-se que todos os nervos do nosso corpo, juntos, perfaçam uma distância de cerca de sessenta quilómetros. Os do sistema nervoso periférico – ou seja, todos aqueles que não fazem parte do cérebro ou da medula espinal – ligam o resto do corpo a estes órgãos e encarregam-se de transmitir a informação necessária nas duas direções. Em termos simples, quando tocamos num prato muito quente, transmitem ao cérebro a sensação de calor extremo sentida e trazem para baixo a instrução motora de tirar dali a mão depressa.

Todos os anos, na Europa, cerca de trezentas mil pessoas sofrem lesões graves em nervos periféricos, seja por causa de acidentes de viação, de trabalho, lesões tumorais, virais ou cirurgias que correm mal. Nos casos mais graves, os nervos não são apenas lesionados, são seccionados, ficando divididos em dois, o que implica grande incapacidade: não sentir estímulos, não conseguir mexer uma parte do corpo. Algumas cirurgias resolvem isto, mas com limitações. E são essas limitações que o engenheiro químico Jorge Coelho, do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra, quer resolver.

Jorge Coelho quer ajudar a resolver as limitações das cirurgias de regeneração dos nervos periféricos

Quando as duas ‘pontas soltas’ do nervo cortado ficam a menos de cinco milímetros de distância, normalmente, o cirurgião sutura-as diretamente uma à outra para as voltar a unir. Mas quando elas ficam a mais de cinco milímetros uma da outra, isso já não é possível.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Habitualmente é feita a extração de um nervo de uma zona saudável para depois ser implantado na zona com problemas. Mas esse método tem alguns contras: o primeiro é ter de sacrificar um nervo que está bom; o segundo é que o paciente precisa de se sujeitar a duas cirurgias”, explica o investigador.

Felizmente para nós, os nervos periféricos têm a capacidade de regeneração – eles crescem. Isso significa que se tem explorado outra opção, nos casos de cortes com mais de cinco milímetros de separação: a implantação cirúrgica de tubos-guia que que direcionam o crescimento dos nervos, até que os dois segmentos separados se unam de novo, ao mesmo tempo que o tubo se vai degradando no corpo. “O cirurgião coze o tubo de um lado e do outro e o nervo vai crescendo. Estes tubos têm de ter uma série de características: ser biocompatíveis, têm de ser permeáveis ao oxigénio e nutrientes, ser suturáveis sem quebrar, ser transparentes, os produtos de degradação têm de ser não-tóxicos e, idealmente, terem dimensões e velocidades de degradação ajustáveis à necessidade de cada paciente.”

2 fotos

Estes tubos-guia já são usados em cirurgias e existem vários disponíveis no mercado, mas as opções são limitadas e têm vários problemas. Uma delas é “ora se degradam no corpo depressa demais ou devagar demais”, o que condiciona o processo de regeneração do nervo. Jorge Coelho e a sua equipa de investigação apostaram em desenvolver tubos que pudessem ser totalmente personalizados. “Para que o cirurgião, dependendo das necessidades de cada paciente, possa escolher as dimensões, o formato, o diâmetro e até a velocidade de degradação no corpo.”

“Pegámos em dois polímeros, a policaprolactona (PCL) e o dextrano, e modificámo-los quimicamente”, explica. Consoante a quantidade de cada um dos materiais que é usada, o tempo de degradação do tubo muda, permitindo que o cirurgião possa escolher o mais adequado ao caso do doente.

A prova de conceito dos novos tubos-guia já foi feita com sucesso em animais. Acontece que quando desenvolveram o projecto, para não perderem tempo nem recursos com a produção de uma coisa que ainda não sabiam se ia funcionar, fizeram uma produção arcaica. “Agarrámos um tubo de aço inoxidável e num tubo mais largo de quartzo e injectámos a nossa solução no meio dos dois para produzir o tubo-guia”, explica o investigador.

Agora que está provado que funciona, é preciso garantir que é possível produzi-los em grande escala, antes de avançar para ensaios clínicos. O financiamento de setenta mil euros da Fundação “la Caixa” permitirá isso mesmo: desenvolver uma tecnologia de impressão a três dimensões de tubos-guias baseados em dextrano e PCL modificados, para fabricar nervos adaptados a cada doente. A ideia é que o cirurgião possa escolher o tubo com as características que pretende e dar apenas uma ordem produção para a impressora 3D.

A ideia do grupo de Jorge Coelho é produzir tubos-guia personalizados, “para que o cirurgião, dependendo das necessidades de cada paciente, possa escolher as dimensões, o formato, o diâmetro e até a velocidade de degradação no corpo”

A solução de produção 3D, que será desenvolvida em colaboração com o Instituto Pedro Nunes, permitirá melhorar ainda mais esta tecnologia já patenteada. Será possível adicionar ao enxerto artificial algumas células do próprio paciente, e também explorar a possibilidade de imprimir enxertos artificiais com outros formatos – e não apenas tubos cilíndricos.

O cientista de 43 anos, nascido na Figueira da Foz, fez a licenciatura e doutoramento em Engenharia Química, na Universidade de Coimbra, e foi um dos mais jovens professores catedráticos da instituição, com 39 anos. Além dos projetos de ciência básica (ou fundamental), o grupo de investigação do cientista tem uma grande componente de investigação translacional e detém várias patentes, nas áreas biomédica e agrícola. Para ele não é importante apenas pensar, mas também “fazer coisas”. E espera que estes tubos-guia sejam, em breve, um novo recurso ao alcance dos cirurgiões, ajudando-os a dar mais um passo em direção à medicina verdadeiramente personalizada.

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto de medicina personalizada para reparar lesões dos nervos periféricos, liderado por Jorge Coelho, investigador da Universidade de Coimbra, foi um dos 15 selecionados (quatro em Portugal) – entre 110 candidaturas internacionais – para financiamento (setenta mil euros) pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2022 do CaixaResearchValidate, um programa que promove a transformação do conhecimento científico criado em centros de investigação, universidades e hospitais em empresas e produtos que geram valor para a sociedade. As candidaturas para a edição de 2023 deverão abrir em novembro.