Duas declarações de voto subscritas por deputados do PSD relativas à votação desta sexta-feira da eutanásia manifestam-se contra “a profunda transformação da sociedade” e desresponsabilização coletiva que o diploma representa, recuperando argumentos do ex-líder Pedro Passos Coelho.

As duas declarações – que já foram subscritas por quase duas dezenas de deputados do PSD e serão entregues na próxima semana – criticam o que consideram ser a sobreposição do “princípio do respeito pela liberdade individual de cada um, em troca do princípio da corresponsabilidade coletiva pela vida”.

Em 2018, num artigo no Observador, o antigo líder do PSD e primeiro-ministro entre 2011 e 2015, Pedro Passos Coelho, considerou que a despenalização da eutanásia “mudaria radicalmente a nossa visão de sociedade” e defendeu que “pode representar uma demissão e uma desresponsabilização da sociedade na forma de ajudar os que sofrem”.

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Numa das duas declarações de voto da bancada do PSD a que a Lusa teve acesso, que tem como primeiro subscritor o deputado Hugo Maravilha e conta com as assinaturas do ex-secretário-geral do PSD José Silvano e ex-secretário-geral adjunto João Montenegro (antigo assessor de Passos Coelho), escreve-se que “a legalização da morte a pedido transforma a sociedade, enquanto a conhecemos”.

“É uma alteração que muda a nossa relação com o fim da vida e que toca o coração da vivência em sociedade, onde passa a imperar o princípio do respeito pela liberdade individual de cada um, em troca do princípio da corresponsabilidade coletiva pela vida”, referem os dez subscritores, num texto já assinado também pelos deputados João Marques, Francisco Pimentel, Helga Correia, Ricardo Sousa, Carlos Cação, Guilherme Almeida e Alexandre Simões.

Numa outra declaração de voto, encabeçada pelo antigo presidente da Câmara de Coimbra João Paulo Barbosa de Melo, invocam-se argumentos semelhantes, salientando-se que “a legalização do suicídio assistido ou morte a pedido produz uma profunda transformação da sociedade”.

“Mudando radicalmente a nossa relação com o fim da vida e alterando o ordenamento de muitos valores comuns, com o princípio do respeito pela ‘liberdade individual’ a sobrepor-se ao princípio da corresponsabilidade coletiva pela vida e ‘boa morte’ de cada um”, criticam os subscritores, em que se incluem para já os deputados Paulo Ramalho, Gabriela Fonseca, Bruno Coimbra, Fernanda Velez, Maria Emília Apolinário e João Prata.

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Num outro artigo no Observador publicado em dezembro do ano passado, Passos Coelho voltou ao tema e apelou aos partidos que são contra a despenalização da eutanásia que se comprometam de forma transparente a reverter a lei no futuro, caso venham a ter maioria no parlamento, manifestando-se contra o referendo, que é defendido pela atual direção do PSD.

Esta posição levou o presidente dos sociais-democratas, Luís Montenegro a assumir, na altura, uma discordância em relação a Passos Coelho sobre esta matéria.

“Discordo completamente da posição do dr. Pedro Passos Coelho [sobre a eutanásia]. Discordo pelo facto de ele discordar da realização de um referendo sobre esta matéria. Discordo porque a posição dele é muito fechada. Embora eu seja tendencialmente contra, não tenho uma posição tão fechada como ele tem“, afirmou Montenegro, que deu liberdade de voto na bancada, tal como o anterior presidente Rui Rio.

Horas antes de o diploma sobre a morte medicamente assistida ter sido confirmado pelo parlamento, obrigando o Presidente da República a promulgá-lo, Montenegro reiterou que deputados do PSD irão pedir a fiscalização sucessiva da lei da eutanásia junto do Tribunal Constitucional.

“O texto será aprovado, endossado para o senhor Presidente da República. Se houver uma promulgação e uma entrada em vigor desta lei, os deputados do PSD não vão prescindir da sua possibilidade e capacidade de requererem uma fiscalização sucessiva deste instrumento legislativo, num contexto de liberdade em que cada um fará a sua análise e estudará também juridicamente o assunto”, afirmou.

O parlamento confirmou esta sexta-feira o decreto sobre a morte medicamente assistida, que tinha sido vetado pelo Presidente da República, com um total de 129 votos a favor, 81 votos contra e uma abstenção, obrigando à sua promulgação.

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Votaram a favor a esmagadora maioria dos deputados das bancadas do PS, IL, BE, e os representantes do PAN e Livre, bem como oito parlamentares do PSD.

Posicionaram-se contra o diploma a grande maioria da bancada do PSD, os grupos parlamentares do Chega e do PCP, bem como quatro deputados do PS. O decreto contou ainda com uma abstenção de um deputado do PSD.