Singapura está a procurar um modo de legislar a cultura de cancelamento, dentro daquela que é considerada uma guerra entre os apoiantes dos direitos LGBT e uma ala conservadora religiosa.

Ao longo do ano passado, o governo de Singapura “tem tentado encontrar maneiras de lidar com a cultura do cancelamento“, explicou à CNN um porta-voz do executivo. A legislação relacionada com a cultura de cancelamento estará a ser examinada pelas autoridades depois do feedback dado por conservadores cristãos, que expressaram receio de serem cancelados por grupos de causas online.

As pessoas procuram ser livres para expressar o seu ponto de visto sem medo de serem atacadas de ambos os lados”, afirmou o ministro K Shanmigam. “Não devemos permitir uma cultura onde as pessoas religiosas são ostracizadas ou atacadas por exporem os seus pontos de vista ou a sua discórdia com as opiniões LGBT e vice versa.”

Para o ministro, é preciso analisar os “limites certos” entre os discursos de ódio e a liberdade de expressão. “Pode haver consequências maiores para a sociedade como um todo, onde o discurso público se tornaria empobrecido, por isso planeamos fazer algo”, esclareceu K Shanmigam. O ministério da legislação, sob a sua alçada, emitiu um comunicado no qual afirmou que o impacto da campanhas de cancelamento online pode ser “bastante alargadas e severas ” para as vítimas.

Um dos processos iniciais da criação de legislação contra a cultura do cancelamento teria primeiro de passar por definir o próprio conceito de “cancelamento”. Eugene Tan, professor de Direito da Universidade de Gestão de Singapura e antigo deputado do parlamento de Singapura, afirmou que “não existe uma definição consensual” de cancelamento, e, como tal, uma lei nesta matéria teria de ser “bastante clara nas suas definições”.

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“Muitas vezes, os incidentes são interpretados, descritos ou lembrados pelas pessoas de formas diferentes”, continuou o professor universitário. “A falta de precisão poderia resultar numa lei que seria demasiado inclusiva e que cobriria atos que não devia. Mas, por outro lado, caso a definição seja limitadora, a lei poderia ser muito pouco inclusiva e não cobrir atos cruciais.”

Para legislar sobre o tema, segundo Ernst Chai,  também ele advogado em Singapura, têm de ser envolvidas plataformas ligadas ao tema do cancelamento e onde as discussões sejam publicadas. Redes sociais como o Twitter, o Facebook e o Instagram podiam ter um papel de vigilância, fazendo com que os seus utilizadores respeitassem, até um determinado limite, as leis estabelecidas — e que poderia incluir a eliminação de publicações que infringissem a lei.

“É claro que os processos legais tradicionais não são ajustados para cenários de cancelamento e é preciso um método”, explicou o advogado criminal Joshua Tong. “A nova lei pode conter secções como mecanismos de intervenção para travar campanhas de cancelamento antes de ganharem adesão.”

A criação deste tipo de legislação não é unânime. Phil Robertson, vice-diretor da Humans Right Watch, considera esta iniciativa legislativa “mais uma tática de intimidação contra aqueles que, no terreno, tentam levantar as suas vozes para exigir responsabilidade e mudanças“.

Se uma pessoa ou um grupo fizer afirmações discriminatórias contra pessoas gays ou transexuais, outros devem poder denunciá-los e refutar o que foi dito”, concluiu. “Isto não é a ‘cultura do cancelamento’, é o discurso social e qualquer sociedade democrática e moderna deveria conseguir lidar com isso sem interferência estatal.”

Singapura contém atualmente legislação que pune a criação e disseminação de notícias falsas, e que inclui uma multa até cerca de 34 900 euros ou até cinco anos de prisão.