Foi uma das revelações feitas esta quinta-feira pelo ministro das Infraestruturas, João Galamba, nas mais de sete horas em que foi ouvido na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP. Pela “uma ou duas da manhã”, Galamba ligou ao primeiro-ministro para lhe contar “o que se passou” no Ministério na noite de 26 de abril. Incluindo a intervenção do SIS após a exoneração de Frederico Pinheiro, ex-adjunto de Galamba. Face à novidade da informação, e à aparente contradição com o que disse António Costa quando foi confrontado com a questão a 1 de maio (“não foi nem tinha de ser informado sobre o SIS” nem “tomou qualquer diligência”), a Iniciativa Liberal (IL) exige respostas. Esta sexta-feira, o partido enviou um requerimento no qual pede esclarecimentos por escrito a Costa. O primeiro-ministro “tem de dizer se mentiu ao país”, defende Bernardo Blanco, coordenador da IL na comissão de inquérito, ao podcast Cheque In, que todas as semanas analisa o que de mais relevante acontece na CPI.

TAP. CSI Barbosa du Bocage

“A IL considera que o primeiro-ministro tem de vir dizer publicamente o que sabia. Se mentiu ou não ao país quando disse que não tinha sido informado sobre o SIS, quando o ministro João Galamba diz claramente que disse ao primeiro-ministro que tinha ligado ao SIS”, aponta. A IL quer saber, também, se o primeiro-ministro estava a par da chamada para o SIS, “tendo em conta que a instrução para Galamba ligar ao SIS veio do gabinete do primeiro-ministro, de Mendonça Mendes”, ou se ficou a par disso depois, na mesma noite. “Porque depois diz aos portugueses que não sabia de nada”. É preciso esclarecer, para a IL, “se a recomendação partiu do primeiro-ministro ou não. Pode, obviamente, nem ter sido”.

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O deputado rejeita uma possível audição a Mendonça Mendes, porque a IL já propôs a realização de uma comissão de inquérito ao SIS “precisamente por isto”, para que os temas não se misturem ainda mais. “Esta comissão de inquérito é suposto ser à TAP. Estes acontecimentos estão relacionados com a TAP mas parece-me que todos esses temas deveriam estar numa comissão de inquérito separada, para que a comissão de inquérito à TAP possa terminar tranquilamente e apurar a gestão política da TAP”.

Para isso, o partido conta com o PSD. Se a proposta dos liberais for chumbada, a IL espera que o PSD use o seu direito potestativo de pedir uma comissão de inquérito. “Foi um desafio que lançámos a Luís Montenegro”. Se esta comissão não for para a frente, é pouco provável que o tema continue a dominar a comissão da TAP, admite. “Dificilmente, até porque já temos as audições agendadas e são quase todas a ex-governantes ou governantes”. E serão, espera Blanco, sobre a TAP. “Até porque as pessoas que lá vão não têm qualquer conhecimento desta matéria”.

Bernardo Blanco não ficou esclarecido com a audição a Galamba, após a qual, considera, sobram muitas pontas soltas. “Acho que a cronologia de acontecimentos é uma confusão total, houve uma série de contradições do ministro na audição, sobre horas e sobre o sítio onde estava. “Há coisas que o ministro pode não se lembrar mas sabemos que houve uma grande preparação do senhor ministro para estar ali. É estranho que de algumas horas se lembre ao minuto exato e sobre outras não faça ideia em que período foi”. Para tentar ser coerente com o que disse a sua chefe de gabinete no dia anterior “teve de dizer coisas bastante diferentes das que já tinha dito aos portugueses”.

A nova versão de Galamba sobre as secretas e o embate com o ex-adjunto

E mantém a posição que a IL tinha antes da audição sobre as condições que o ministro tem para se manter no cargo. “Se nós há um mês não considerávamos [que tinha condições] agora, passado um mês, não mudámos de ideias”.

Além da gestão da exoneração de Frederico Pinheiro, Galamba também não impressionou a IL no que toca à gestão do dossier TAP. “Tentei fazer três ou quatro perguntas mas parece-me que o senhor ministro ainda sabe muito pouco sobre a TAP. Falei do parecer jurídico da privatização e parecia que ele nem sabia sobre o que eu estava a falar. Disse que nunca leu o plano de reestruturação todo, o que foi a primeira coisa que eu fiz quando o plano chegou à comissão de inquérito, e ele não é assim tão grande. Parece-me que o ministro que tem a tutela da TAP deve, no mínimo, ler o plano de reestruturação”.

Quem percebia de TAP era Frederico Pinheiro. Galamba nem leu todo o plano de reestruturação

Para Bernardo Blanco, é “evidente” que quem percebia sobre a TAP era o adjunto Frederico Pinheiro, “foi por isso que ficou da equipa de Pedro Nuno Santos para a de Galamba”. Agora, sem Frederico Pinheiro, “até fico um pouco preocupado porque parece que ninguém do Governo percebe do tema da TAP, tendo saído já também Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes”.

Na audição da CPI, Galamba garantiu que vai acompanhar de perto todo o processo de privatização da TAP que se avizinha. Uma opção que a IL defende. “Somos a favor de uma privatização que cumpra a lei. Há uma lei quadro das privatizações e parece-me que há vários pontos dessa lei que não estão a ser cumpridos”, considera. “Há 700 milhões de euros, dos 3,2 mil milhões, que o Estado ainda não deu à TAP. Para nós não faz qualquer sentido dar esses 700 milhões quando a TAP agora vai ser privatizada, porque na prática, o que acontece, é que vamos dar 700 milhões dos contribuintes a uma empresa privada. Vamos estar a pagar para vender a empresa”, explica o deputado.

Não é só a “falta de transparência” que está aqui em causa, apesar de isso também ser um entrave. “Há uma empresa (a Evercore) a vender a TAP que está a trabalhar há nove ou 10 meses sem contrato. A própria CEO (Christine Ourmières-Widener) admitiu isso, e está a trabalhar sem contrato por um motivo simples. Como não havia decreto-lei, eles estavam a fazer tudo não oficialmente. Isso, obviamente, não me parece a coisa mais transparente”.

Mas também há uma vertente económica. “Temos de privatizar a TAP mas tem de ser vendida de modo a que o Estado recupere o máximo de dinheiro possível para os portugueses. E se nós, quando a vamos vender, ainda vamos entregar mais 700 milhões de euros, parece-me um péssimo negócio”. Ainda assim, defende que a operação deve avançar este ano.

E com estes responsáveis políticos. “Se o momento legislativo for o normal, só haverá eleições no final de 2026. Faltam três anos e qualquer coisa e, por isso, não me parece que seja viável para o país ter a TAP publica durante mais três anos e tal”. Por dois motivos, adianta. Por um lado, motivos económicos. “Eu gostava que não colocássemos lá estes 700 milhões de euros, é muito dinheiro”. E depois também há motivos políticos. “Porque esta empresa nas mãos do Estado, nas mãos do PS, está a ter uma gestão completamente partidária e não económica. Por isso, sublinha, “quanto mais cedo vendermos melhor, mas obviamente temos de vender de forma a que seja benéfica para os contribuintes”.

E garante que “a CPI não serve para desvalorizar a companhia, serve para descobrir a verdade“.

Há “muitas Alexandras Reis mais complicadas de descobrir”

Uma das conclusões da CPI que a IL já tirou é a de que houve interferência política na gestão da companhia. “Bastam as primeiras audições, em que tivemos pedidos de alterações de voo, alterações do Governo a comunicados oficiais, alterações do governo a apresentações comerciais. O modo como se decidiam as coisas, em que os governantes diziam ‘fala só comigo e não fales com o outro’, tudo isto é o exemplo de uma gestão partidária, não é de uma gestão económica de uma empresa pública. Até porque se fosse, deixavam a gestão operacional separada da gestão política, coisa que, como já fomos vendo, nunca aconteceu”. Porém, reconhece, será difícil incluir isso num relatório que também terá de ser aprovado pelo PS.

Blanco também não está certo que essa interferência tenha terminado com a atual gestão. O recente exemplo da demissão do presidente da comissão de vencimentos é exemplo disso.

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Sobre o tema que deu origem à comissão, a indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, Bernardo Blanco considera que “já está tudo praticamente esclarecido sobre o processo de decisão”. Ainda esta quinta-feira se soube que o montante a devolver já foi apurado. “Mas há muitas coisas da TAP que ficam ainda por esclarecer”, diz o deputado, dando o exemplo do fim da operação dos ATR com a empresa portuguesa White para contratar uma empresa da Estónia, operação pela qual, supostamente, se pagou milhões. “São muitas Alexandras Reis nestas operações financeiras que são mais complicadas de analisar e descobrir”.