Onze associações anunciaram esta segunda-feira que pediram ao Governo que se oponha a uma proposta europeia sobre abuso sexual de crianças “que compromete o sigilo e encriptação das comunicações” e que divulgue “a posição que Portugal tem defendido”.

Na qualidade de representantes da sociedade civil, vimos por este meio expressar as nossas grandes preocupações e questionar a posição nacional em relação à discussão em curso no contexto do regulamento europeu que visa estabelecer regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças”, afirmaram numa carta enviada ao primeiro-ministro, à ministra da Justiça, ao representante permanente de Portugal junto da União Europeia (UE) e à diretora-geral da Direção-geral da Política de Justiça.

“Portugal tem aqui um dever e uma oportunidade para defender os direitos fundamentais. É importante que o nosso país recuse concordar com este regulamento, sem que se garanta a proteção da encriptação das comunicações e se impeça uma vigilância generalista e indiscriminada”, sustenta-se no documento.

Os subscritores chamam a atenção que, “na sua versão atual, a proposta não só coloca em risco pessoas com profissões críticas, como médicos, jornalistas, advogados, entre outros, como diminui a segurança das comunicações das próprias potenciais vítimas que pretende proteger”.

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Isto porque, sustentam, “crianças e jovens utilizam as mesmas plataformas de comunicação encriptada para interagirem entre si, enquanto pais, professores, médicos e outros profissionais usam as mesmas plataformas para se comunicarem com eles”, pelo que, concluem, “uma proposta que diminui a segurança de todas as pessoas, inclusivamente das pessoas que pretende proteger, não pode ser solução”.

Por outro lado, recordam que “os serviços jurídicos do Conselho de Ministros da União Europeia, que aconselham os governos dos Estados-membros, publicaram uma análise arrasadora desta proposta de lei, afirmando que as medidas que estão em cima da mesa implicam um risco grave que ‘compromete a essência dos direitos à privacidade e à proteção de dados’ por permitir ‘o acesso geral e indiscriminado aos conteúdos das comunicações pessoais’ por parte das empresas”. E sublinham que “peritos independentes, que aconselham o Parlamento Europeu, chegaram à mesma conclusão, acrescentando que ‘esta interferência [com os direitos humanos]… não é justificável'”.

A carta é assinada pela ANSOL — Associação Nacional para o Software Livre; APDSI – Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação; Associação D3 — Defesa dos Direitos Digitais; Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD); Associação Portuguesa para a Promoção da Segurança da Informação (AP2SI); Associação dos Profissionais de Proteção e de Segurança de Dados (APDPO); Defend our Privacy Association (PrivacyLx); ESOP – Associação de Empresas de Software Open Source Portuguesas; Internet Society — Portugal Chapter (ISOC); VOST Portugal – Associação de Voluntários Digitais em Situações de Emergência; e Wikimedia Portugal.

A proposta de lei foi apresentada em maio do ano passado e o prazo para entrega de opiniões fundamentadas terminou em outubro. O Parlamento Europeu (PE) indicou que não foi recebida nenhuma, mas que foram encetados diálogos com diversas instituições, entre as quais com a Assembleia da República.

O mesmo PE admitiu que, apesar da proposta ter sido, “de uma maneira geral (…) bem acolhida pelas partes interessadas, (…) o debate está polarizado, nomeadamente no que se refere a possíveis perturbações (…) na encriptação e interferência na proteção dos dados e na privacidade”.