Para os adultos com dificuldade em controlar a diabetes tipo 2, o nome Ozempic pode soar familiar — pelo menos, quando conseguem encontrar o medicamento na farmácia. Noutros meios, o Ozempic e medicamentos da mesma família são usados para ajudar a perder peso, nem sempre com os melhores resultados. As agências do medicamento europeias estão em alerta depois de detetadas embalagens de medicamentos falsificados e de doentes já terem sido hospitalizados em estado grave.

Como surgiram os medicamentos falsificados?

O alerta foi dado Instituto Federal para as Drogas e Dispositivos Médicos da Alemanha, no início de outubro, que identificou produtos contrafeitos que se assemelhavam ao medicamento Ozempic, da farmacêutica Novo Nordisk, dentro de embalagens preparadas para o mercado germânico. O instituto aconselhava então as farmácias a abrirem as embalagens em frente dos clientes para garantir que o conteúdo era o original — as embalagens de fora eram semelhantes, mas as canetas falsas eram fáceis de distinguir. Até à publicação deste artigo, não havia relatos de pessoas que tivessem tomado estes medicamentos na Alemanha.

Rapidamente, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) alertou para a existência desses produtos falsificados, com a agência portuguesa do medicamento (Infarmed) a garantir, a 18 de outubro, que não tinham sido detetados produtos falsificados no país.

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Ozempic falsificado em circulação na UE mas Portugal sem registo de casos

No mesmo dia, porém, a Áustria comunicou que as embalagens falsificadas para o mercado germânico tinham entrado no país e já havia doentes hospitalizados. Os doentes apresentaram efeitos colaterais graves, como hipoglicémia (baixos níveis de açúcar no sangue) e convulsões, indicando que, provavelmente, o produto contrafeito continha insulina em vez do princípio ativo do medicamento Ozempic. A investigação criminal preliminar revelou, no dia 23 de outubro, que um dos doentes tinha comprado a caneta diretamente a um médico, que não a terá adquirido numa farmácia. Podem existir outros casos de médicos a tentar vender canetas aos doentes através de canais ilegais, alerta o regulador.

O regulador britânico (MHRA) também identificou embalagens falsificadas nos armazéns, antes de chegarem aos consumidores, e que estas tinham vindo de distribuidores legítimos com origem na Alemanha e Áustria. A agência já apreendeu 369 canetas potencialmente falsas de Ozempic, desde janeiro de 2023, e recebeu relatos de que há canetas de Saxenda a serem compradas por vias ilegais — tendo em conta que são medicamentos que requerem receita médica. A MHRA indicou que tem registo de alguns casos de pessoas hospitalizadas depois de usarem os produtos falsificados, mas não refere quantos nem onde.

O que é o Ozempic?

O Ozempic (injetável) ou o Rybelsus (toma oral) são medicamentos que devem ser usados em paralelo com uma dieta adequada e exercício físico para reduzir os níveis de açúcar no sangue em adultos com diabetes tipo 2, que não podem tomar medicamentos com metformina. O Wegovy (injetável) também deve ser acompanhado de dieta e exercício físico, mas o objetivo é reduzir peso nas pessoas obesas a partir dos 12 anos.

Os três medicamentos têm em comum o princípio ativo: semaglutida, que, por um lado, estimula a produção de insulina (que faz baixar os níveis de açúcar no sangue); por outro, quando em maiores quantidades, dá sinais de saciedade ao cérebro e reduz o apetite — e é assim que ajuda a perder peso.

No caso dos dois injetáveis, a dose é tomada uma vez por semana, mas enquanto para o tratamento da diabetes tipo 2 começa em 0,25 miligramas e vai no máximo até uma miligrama, no caso da perda de peso a dose pode chegar aos 2,4 miligramas. Se houver um excesso de procura para a perda de peso, já se vê onde vai faltar a seguir.

Como funciona a semaglutida?

A semaglutida vai mimetizar o funcionamento de uma hormona produzida no intestino, a GLP-1 (péptido semelhante a glucagon). A hormona e a molécula que lhe copia a função vão dar indicação ao pâncreas para produzir mais insulina. A insulina vai ligar-se à membrana das células (sobretudo dos músculos e tecido adiposo) para estimular o armazenamento de glicose (sai do sangue para dentro das células).

Tal como a hormona GLP-1, a semaglutida “parece regular o apetite, aumentando a sensação de saciedade, ao mesmo tempo que reduz a ingestão de alimentos, a fome e os desejos”, informa a EMA, em particular em relação ao Wegovy. Mas também o Ozempic e o Rybelsus se mostraram eficazes na perda de peso, uma situação benéfica para os doentes com diabetes tipo 2.

Os ensaios clínicos mostraram, para tratamentos de 68 semanas, 85% das pessoas que antes não tinham conseguido perder peso e 67% das pessoas com diabetes tipo 2 tinham conseguido perder, pelo menos, 5% do peso que tinham no início do tratamento. No entanto, os ensaios clínicos também mostram que os tratamentos devem continuar para os doentes não recuperarem o peso perdido.

Qual a relação com o Saxenda?

O princípio ativo do medicamento Saxenda é a liraglutida. Esta molécula também vai ativar a resposta nos recetores de GLP-1, ou seja, no pâncreas e no cérebro. Este princípio ativo está presente no Victoza, usado no tratamento da diabetes tipo 2, e no Saxenda, o primeiro medicamento injetável a ser aprovado para a redução de peso em pessoas obesas a partir dos 12 anos. Este medicamento foi autorizado nos Estados Unidos em 2014 e no ano seguinte na Europa.

Que cuidados deve ter na compra destes medicamentos?

As agências reguladoras do medicamento na Europa e nos Estados Unidos só recomendam a compra destes medicamentos em farmácias autorizadas e com receita médica. Para estes medicamentos não existem genéricos nem formas compostas que possam ser usadas em substituição.

O aumento da procura de Ozempic e os problemas na produção levaram à rutura de stock, tanto na Europa como nos Estados Unidos, que poderão prolongar-se até 2024, alertou a EMA. A agência avisa que o medicamento deve ser usado para as indicações que estão previstas e que não deve ser feito um uso off-label (como para emagrecimento) porque vai colocar os doentes que precisam de tratar a diabetes tipo 2 em risco. Ainda assim, a agência recomenda que os médicos procurem alternativas ao Ozempic para os seus doentes.

Esta escassez está aparentemente a ser explorada por organizações criminosas para colocar no mercado Ozempic contrafeito”, refere a agência do medicamento austríaca.

Depois de receber relatos de produtos que teriam semaglutida na composição, a agência norte-americana do medicamento (FDA) alertou que este produtos não devem ser usados uma vez que a agência não fez qualquer verificação da sua segurança, eficácia ou qualidade. Mais, alguns produtos compostos terão, alegadamente, na sua composição sais de semaglutida, que são derivados da semaglutida, mas são produtos químicos com fórmulas e propriedades químicas e farmacológicas diferentes.

A EMA e a FDA desaconselham qualquer compra destes medicamentos online que não sejam feitos através dos locais com autorização de comercialização destes produtos. Muitos destes produtos podem ser contrafeitos, o que significa que podem conter ingredientes não discriminados, não conter os ingredientes indicados, ter os medicamentos em muito baixa ou muito elevada quantidade ou conter outros produtos que sejam tóxicos e representem um risco para os utilizadores.

Áustria. Vários internados por suspeita de toma de Ozempic falsificado

Quais os efeitos secundários?

Os efeitos secundários mais comuns dos medicamentos com semaglutida estão relacionados com o aparelho digestivo: náuseas e vómitos, refluxo, dores abdominais e distensão abdominal, flatulência, diarreia ou, pelo contrário, obstipação. Também foram reportados outros sintomas como dor de cabeça, fadiga, tonturas ou hipoglicémia.

A FDA alerta que os doentes que estejam a tomar insulina devem ter cuidado com a toma de Wegovy, para não ficarem com níveis demasiado baixos de açúcar no sangue, e que quem está a tomar Wegovy não deve tomar outros medicamentos com semaglutida ou com princípios ativos semelhantes aos da hormona GLP-1, sejam medicamentos com e sem receita médica, seja produtos ditos naturais.

O regulador austríaco alerta ainda para os produtos falsificados: “Os medicamentos contrafeitos podem ser perigosos para a saúde. Devido à qualidade não testada do medicamento contrafeito, às possíveis impurezas e aos ingredientes desconhecidos, estas contrafações podem também pôr a vida em risco“.