Se tem (ou teve filhos) ou tem um daqueles patrões intoleráveis, já se deve teve perguntado vezes sem conta para que serve a raiva e porque é que as pessoas se hão de zangar. E como já se deve ter apercebido no seu dia a dia, estar zangado pode ir de uma ligeira frustração perante um acontecimento até à fúria absoluta. O que faz com essa fúria, porém, tanto pode ter um resultado desastroso como ajudar a ultrapassar um obstáculo.

“A raiva tem benefícios para atingir os fins”, anunciam, logo no título, os autores de um artigo publicado na revista científica Journal of Personality and Social Psychology: Attitudes and Social Cognition, da Associação Americana de Psicologia. Mas, antes que comece a destilar ódio em todas as direções ou em qualquer tarefa, é melhor saber que estar zangado não vai funcionar em todas as atividades e, por vezes, vai ser mesmo contraproducente — como a sabedoria popular tantas vezes o afirma. Aliás, o objetivo era perceber se a raiva ajudava a resolver desafios e a atingir metas em situações não-sociais — ou seja, é melhor não tentar ter um ataque de raiva com os colegas do trabalho ou numa reunião de amigos.

“A visão de que a emoção positiva é ideal para a saúde mental e para o bem-estar tem sido abundantemente usada nas considerações leigas e psicológicas sobre a emoção. As pessoas também preferem usar as emoções positivas como ferramentas em vez das negativas e tendem a ver emoções negativas como indesejáveis e desadequadas”, referem os autores. “No entanto, as evidências sugerem que uma mistura de emoções positivas e emoções positivas promove o bem-estar e que a utilização de emoções negativas como ferramenta é particularmente eficaz.”

A raiva, como outras emoções, evoluiu porque tinha uma função, assumem os investigadores. Nomeadamente, alguém fica zangado quando vê um falhar um objetivo considerado alcançável e a raiva pode desencadear as respostas necessárias para nos prepararmos para a ação, tornar-nos mais focados naquilo que pretendemos e mais consistentes nas decisões que tomamos para atingirmos os nossos objetivos. Imagine o homem primitivo que atirou uma seta a uma presa e falhou e que precisa de tentar novamente e com mais pontaria para conseguir caçar para comer.

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Se o obstáculo à concretização do nosso objetivo for outro humano, a raiva pode ajudar a “remover” esse obstáculo do caminho — é o que tentam as crianças quando as contrariamos e nos colocamos como um obstáculo ao seu objetivo —, mas, como lhe diz a experiência, nem sempre resulta (até porque a raiva do outro pode ser ainda maior). A equipa da Universidade A&M do Texas, por sua vez, escolheu outro foco: removeu a presença de outros humanos como obstáculos para poder avaliar o papel da raiva no desempenho de tarefas.

Identificar a função de emoções específicas é fundamental para tecer considerações sobre emoções atípicas e perturbações psicológicas”, destacam os investigadores no artigo.

Os participantes nas experiências que foram induzidos a ficarem zangados conseguiram fazer puzzles mais difíceis ou ultrapassar obstáculos mais desafiantes num videojogo do que os participantes que se mantiveram neutros. Os participantes zangados mostraram-se mais persistentes nas tarefas difíceis, ainda que não tenha havido diferença entre os dois grupos quando os puzzles e o videojogo eram mais fáceis.

Numa tarefa onde o tempo de resposta era chave, os participantes zangados tiveram um tempo de reação mais curto e mais vontade de repetir os jogos para alcançarem melhores resultados. A raiva também fez com que, num outro jogo, os participantes fizessem batota para ter mais pontos — a atitude pode ser censurável, mas a função da raiva para ultrapassar obstáculos foi cumprida.

O desempenho das pessoas zangadas mostrou-se claramente melhor do que o das pessoas neutras, mas quando comparadas com as pessoas que estavam divertidas ou com desejo, em algumas situações, os resultados não foram assim tão diferentes. Será que o que nos leva a conseguir ultrapassar obstáculos é estarmos num estado emocional excitado? Experimente e verá.