A dúvida foi lançada por João Cotrim de Figueiredo. Na segunda parte do debate do Orçamento do Estado (OE) para 2024, que teve lugar esta terça-feira, o deputado da Iniciativa Liberal identificou “uma série de mistérios” presentes no OE. Um deles relativo ao mínimo de existência, que em 2024 aumenta para 11.480, acompanhando o salário mínimo. E sobre quanto paga, afinal, de IRS, quem ganha imediatamente acima do salário mínimo.

Segundo Cotrim, o Governo foi “à pressa” mexer no mínimo de existência quando se percebeu que, com as normas em vigor, quem ganha o salário mínimo corria o risco de pagar IRS em 2024. Assim, no OE para o próximo ano, ficou definido que o mínimo de existência, isto é, o patamar até ao qual há isenção de IRS, vai acompanhar a subida do salário mínimo, ao contrário do que estava previsto. Significa que o indicador passará de 10.640 para 11.480 euros, o que equivale a 14 vezes o novo salário mínimo, de 820 euros. Segundo a proposta do OE, aprovada esta terça-feira na generalidade, “o valor de referência do mínimo de existência é igual ao maior valor entre 11 480 e 1,5 x 14 x IAS”.

Esta mexida “à pressa,”, na visão da IL, “deu asneira”. E esse foi um dos mistérios que a IL pediu para Medina desvendar. Segundo as contas dos liberais, se uma pessoa que ganha entre 820 e 970 euros por mês for aumentada em 10 ou 20 euros em 2024, vai pagar uma taxa marginal de IRS de 47,7%. “Igual aos ricos”.

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A questão de Cotrim Figueiredo não ficou sem resposta por parte do ministro. “Como é que há uma tributação de 47,7%? Fizemos uma reforma para diminuir essa tributação, porque ela era de 100%”, ou seja, todo o aumento era perdido para o imposto, esclareceu o ministro das Finanças.

Os fiscalistas ouvidos pelo Observador confirmam que os 47,7% são, de facto, a taxa marginal que será paga por estes contribuintes, ou seja, é a taxa de imposto que vai incidir sobre o aumento do rendimento anual. “Quando mudaram o mínimo de existência para o ano de 2022 foi para corrigir a franja de rendimentos que tinha uma taxa efetiva de 100% [sobre o aumento] e que foi reduzida para uma taxa precisamente a rondar esta percentagem”, refere Luís Leon, fiscalista da Ilya.

Essa mudança foi feita para proteger cerca de 800 mil contribuintes, trabalhadores e pensionistas, que eram penalizados devido a uma distorção do IRS que abrangia cada vez mais pessoas conforme a subida do salário mínimo. Isto porque as regras ditavam que à parcela de rendimento que ultrapassava o limiar era aplicada a tal taxa marginal de imposto de 100%. Nestes casos, o contribuinte poderia ter um rendimento líquido inferior ao de um contribuinte com salário mínimo que estivesse totalmente isento de imposto. A reforma do mínimo de existência reduziu a taxa marginal a pagar para os 47,7%, valor próximo aos 48% aplicados ao último escalão do IRS.

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Porém, destacam os fiscalistas da PwC, a taxa efetiva de imposto a pagar por estes contribuintes que ganham entre 820 e 970 euros situa-se entre 1,14% e 7,94%.

“Se olharmos para o exemplo de um sujeito passivo, solteiro, sem dependentes, cujo rendimento mensal aumente de 820 € para 840 €” em 2024, refere a PwC, “concluímos que o aumento anual ascenderá a 280 €. O imposto final a pagar em 2024 ascenderá a 133,56 €, que corresponde a 47,7% do aumento anual do salário”. No entanto, acrescenta, “o aumento do salário mensal, aliado às alterações propostas para 2024, representam um acréscimo do rendimento líquido disponível” de 4,95%, “e a taxa efetiva de imposto sobre o rendimento total é de 1,14%, conforme imagem abaixo”.

O mesmo contribuinte solteiro, sem dependentes e cujo rendimento aumente de 970 euros para 990 euros em 2024 terá uma taxa efetiva de IRS de 7,94%, e um aumento do rendimento líquido disponível de 3,51%.

Por isso, sublinha a consultora, “numa base mensal, não é expectável que exista uma diminuição do rendimento líquido disponível, uma vez que, desde julho de 2023, que as taxas de retenção na fonte de IRS são marginais, por forma a evitar situações de regressividade”.

O que significa que João Cotrim de Figueiredo está correto quando diz que a taxa marginal de IRS dos contribuintes que ganham entre 820 e 970 euros por mês e tenham um aumento de 10 ou 20 euros é de 47,7%. Que é a taxa aplicável aos rendimentos do último escalão do IRS (48%).

A partir de que patamar o salário mínimo deve pagar IRS?