As agendas até são compatíveis, mas os objetivos eleitorais de PS e Livre são inconciliáveis: disputam o mesmo espaço político, por isso boa parte do debate entre Rui Tavares e Pedro Nuno Santos, emitido esta sexta-feira na RTP1, foi à volta do voto útil. Com o líder do PS a recorrer à dramatização de uma vitória da direita — que tem “risco real de ganhar” –, para desviar para o seu partido potenciais eleitores do Livre, e Rui Tavares a tentar mantê-los do seu lado.

Os dois não discordam quase nada nas receitas a aplicar ao país, mas fundamentalmente na estratégia eleitoral. Rui Tavares queria que a esquerda comunicasse de forma clara e já “que consegue apresentar um governo de programa”, aprendendo com o que aconteceu nos Açores. Enquanto Pedro Nuno, neste ponto, vira-se apenas para o PSD para avisar que “o PS não existe para suportar governos do PSD”. A dada altura do debate, quando foi confrontado pelo moderador pela não viabilização do governo açoriano, o socialista atirou mesmo um “santa paciência”, para mostrar o desagrado com a falta de “pressão” sobre o PSD-Açores em 2020 para viabilizar um Governo PS, já que os socialistas ficaram à frente nessas eleições.

Mas se essa luta é com o PSD, há outra que é com o Livre e Pedro Nuno Santos ia preparado para marcar este frente-a-frente com o apelo ao voto útil diante de uma das ameaças que enfrenta nestas eleições. O Livre, de Rui Tavares, apresenta-se como um aliado que defende “maturidade suficiente para que a esquerda consiga assegurar essa estabilidade entre si”, posicionando-se entre o PS e a esquerda representada pelo BE e o PCP. Um perigo para os socialistas, numa altura de desgaste com oito anos de governação.

Por tudo isso, Pedro Nuno levava a deixa preparada e até com um exemplo que conhece: o passe ferroviário nacional, que nasceu de uma proposta de alteração do Livre ao Orçamento para 2023, que o PS aceitou. “É um bom exemplo da boa relação” entre PS e Livre, defendeu Pedro Nuno Santos aproveitando para atirar: “A agenda do Livre é compatível com a nossa mas só pode ser executada com o PS a ganhar as eleições. Mesmo com a maioria, conseguimos aproveitar as boas ideias de Rui Tavares”, lembrou.

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Depois entrou com toda a dramatização de um perigo que pode vir da direita: “Não estamos no mesmo ponto de 2022, nem em 2015, onde se perspetivava uma maioria de esquerda. O risco da AD ganhar é real e só há uma maneira de muitas das ideias do Livre serem implementadas, que é a vitória do PS.” Rui Tavares contrapôs, no entanto, que a única maneira das ideias do Livre se concretizarem, é “o partido ser reforçado e que haja uma maioria de esquerda”.

A partir daí, o socialista foi aproveitando tudo para vincar esta mesma ideia, incluindo a acusação à direita de ter um programa que pretende “fragilizar o SNS” e que “quer desviar recursos para os privados”. Tudo serviu para afirmar que tem “muito respeito por Rui Tavares”, mas sem deixar “dúvidas sobre o que está em causa: não estamos em 2022 nem em 2015 estas são umas eleições mais disputadas e só há uma forma de implementar estas medidas que é o PS a derrotar à AD”. E envolveram-se numa picardia mesmo até ao final que é um bom resumo do debate (poder ler a transcrição mais abaixo neste artigo).

Reposição de tempo para professores em quatro anos

De resto, a maior crítica que o socialista ouviu de Rui Tavares foi na habitação ao dizer que “o Governo acordou para o problema quando já havia crise e agora há uma emergência”. O deputado único lembrou a sua proposta de “100 milhões de euros para um fundo de emergência para lidar com o fenómenos dos sem-abrigo e com as pessoas que trabalham e que vão parar à rua” e defendeu que “o próximo Governo de esquerda deve colocar em contacto ministérios para que edifícios públicos sejam transformados em habitação. É algo que nas primeiras semanas de um governo de esquerda podemos ter antes do ano letivo”, para soluções de residências universitárias, defendeu mesmo.

Pedro Nuno Santos não gostou de ouvir a análise ao atraso do PS nesta matéria e a acusar os partidos, com o Livre incluído, de “não estarem a apresentar soluções que resolvam o problema”. O PS “não acordou agora para o problema”, contrapôs a Tavares  e enumerou vários objetivos e medidas tomadas durante estes últimos anos. “Sistematicamente faz-se de conta que não se fez”, disse quando foi interrompido pelo moderador para responder sobre o que vai fazer em vez de repetir números já conhecidos. E não disse nada mais do que já se conhece da sua receita para uma das áreas de governação mais problemáticas.

Na Saúde concordam sobre os riscos que consideram uma entrega do SNS a privados. Pedro Nuno Santos continua a dizer que “não tem nenhum dogma” nesta matéria, mas também não diz até onde está disposto a ir num reforço da cooperação dos privados, apenas diz que a “complementaridade já existe”. Já o porta-voz do Livre considera que, neste momento, “há concorrência desleal”: “O privado sabe tudo sobre o SNS e o SNS não sabe nada sobre os privados e não sabe”.

Na Educação, os dois encontram-se novamente na mesma esquina: a defesa do público contra o privado. Depois, Rui Tavares quer os professores a propor o seu tipo de escola especializada e Pedro Nuno Santos quer aumentar (mas não diz em quantos) os professores nos escalões iniciais. Isto além de recuperar todo o tempo de carreira que esteve congelado e isto no tempo de uma legislatura. “Será ao longo da legislatura”, garantiu depois de já ter assumido que isso poderia ser difícil. Agora ainda não tem programa — Rui Tavares notou isso mesmo –, mas apresenta-o este domingo e com cenário macroeconómico — aqui foi Pedro Nuno que notou que Rui Tavares não tem essa parte. E aí que terá as contas sobre essa medida que virá no seu programa.

Diálogo revelador

Pedro Nuno Santos: É importante que tenhamos consciência que estas medidas que o Rui Tavares aqui referiu, medidas boas, só foram possíveis de implementar porque o PS tinha vencido as eleições.

Rui Tavares: Sim, mas há muito mais boas que o PS não implementou.

Pedro Nuno Santos: Não tenhamos ilusões nenhumas. Há medidas boas do Livre que conseguem perfeitamente encaixar no nosso programa. Tenho uma boa relação com o Rui Tavares, tenho muito respeito pelo Livre, mas não tenhamos dúvidas sobre o que está em causa. Nós não estamos em 2022 nem estamos em 2015, estas eleições são umas eleições mais disputadas e só há uma forma de algumas destas medidas serem implementadas, é com o PS a derrotar a AD. Se a AD ganhar não há nenhuma medida do Livre que vá ser implementada.

Rui Tavares: Já ouvimos essa história e acabou como acabou.

Pedro Nuno Santos: Não é uma história, é a verdade factual.

Rui Tavares: Eu ouvia-a do líder do PS antigamente.

Pedro Nuno Santos: Se a AD ganhar nenhuma das medidas que tu falaste, o subsídio para as vítimas de violência doméstica, passe ferroviário nacional, eram realidade. Só se tornaram realidade porque o PS ganhou. Só com o PS ganhando é que elas vão ser implementadas.

Rui Tavares: Ouvi isso há dois anos e estamos onde estamos. Por isso, não funcionou.

Pedro Nuno Santos: Funcionou, Rui Tavares. Tu deste os exemplos, elas foram aprovadas.